Tinha tudo para ser um óptimo jantar. Eis um chef jovem, com o seu pequeno restaurante, cozinhando produtos de mercado e outros fora do mercado: o porco não era só porco, era “red pork”, o tomate não era só tomate, era “tomate Mar Azul”. Eis uma salinha pequena numa semi-cave da Estefânia, recuperada com talento, uns 20 lugares se tanto, a escala perfeita para dar atenção à comida e amor às pessoas.
Ora, 15 minutos depois de entrar, percebi que talvez não fosse assim. A empregada de mesa apresentou o couvert com “pão de massa mãe” e “manteiga de pimentão”. O pão podia ter massa mãe mas era banal e industrial, ao estilo Rio Maior de supermercado. Quanto à manteiga, estava apagada, com excepção das notas a aroma de frigorífico.
Mas isto não foi o pior. O pior foram os vinhos e uma certa queda para a narrativa ficcional ou, se preferirmos, para a tanga. Disse a empregada/sommelier que vinhos da carta a copo já não havia. Que estavam a mudar a carta. Mas que podia dizer os que tinha, fora da carta. “São todos muito bons, por acaso”. “Temos vinho branco e também temos vinho verde”. Ui.
Que o Vinho Verde é uma denominação de origem é daquelas coisas que qualquer comprador das prateleiras inferiores do supermercado sabe. Dizer que temos Vinho Verde e temos vinho branco é parecido com dizer que “temos Douro e temos vinho tinto”.
As sugestões da casa recaíram num branco, marca Varandas, “frutado mas que depois vai ficando seco”; e num tinto, também marca Varandas, doce como uma compota de mosto (palavras minhas). O tinto foi recusado após prova, mas havia outro para o substituir, “de cor mais aberta”, “já seco”, marca Cadeado. Ora, o Cadeado, da Península de Setúbal, também não se mostrou seco, nem dado às subtilezas narradas pela nossa simpática efabuladora.
Em qualquer caso, estamos a falar de vinhos banais e baratos (entre 3€ e 5€ a garrafa), mas servidos como se fossem preciosidades, 6€ cada copo.
As coisas melhoraram a seguir. Pastéis de massa tenra de pato agradáveis, sem terem todavia a massa tenra, e com o recheio em puré. Tomate Mar Azul, ameixa e cajus: tomate cortado em rodelas finas como mortadela, imerso em azeite e num balsâmico excessivo e doce; quatro cajus fizeram pouco pelo conjunto e foi uma pena.
Nos principais, nada de mal com o porco redpork, nem com a couve grelhada, menos interessante o puré de cebola sob cebola frita. Boa e tenra a carne, aparentemente do cachaço. Depois, veio também um prato de tortellini do mar, a massa fresca mas grossa e toscamente moldada, lá dentro ikura (ovas de salmão), na base uma bisque saborosa mas salgada. Bem esgalhado, mal executado.
A terminar, uma sobremesa de chocolate, banana e natas. Apresentação estranha, mas tudo saboroso e cheio de texturas: a banana caramelizada, areia de bolacha, mousse.
No final, fiquei a pensar no que terá acontecido. O Lobo Mau tem boas críticas nas redes sociais e tem boa imprensa. O seu chef, Hugo Guerra, já apareceu na televisão nacional, terá o reconhecimento dos pares e estará apostado em fazer as coisas bem. Mas nada do que se vê e lê por aí bate certo com a minha experiência e com os 85€ (duas pessoas) que paguei por ela.
Pode ser que tenha sido só um acidente, um dia mau (e é por isso que são três estrelas e não menos). Mas o episódio também nos diz que nem todos os bistrôs de autor são, forçosamente, esse idílio que alguns vendem nas redes sociais. Que é preciso ter cuidado com as redes sociais, com os pares, com as TVs e com a imprensa. Enfim, é preciso ter cuidado com o Lobo Mau.
