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Agarrem o Pussy de Howard Jacobson

Escrito por
João Morales
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O autor criou uma oportuna sátira mordaz, não estivesse Donald Trump na cadeira da presidência dos EUA. Saem cinco estrelas para esta edição Bertrand. 

Expulso do universo académico, crítico do rumo que este leva, KolsKeggur Probrius será tutor do filho do Grão-Duque de Urbs-Ludus, juntamente com a Doutora Yoni Cobalt. O jovem Príncipe Fracassus deverá ser formatado para as responsabilidades de suceder a um império da construção mas, simultaneamente, manter-se alheado de questões demasiado profundas. Não pode ver uma mulher de saias sem pretender colocar-lhe a mão no meio das pernas. Fala por expressões muito curtas. Passa o dia a ver Reality Shows. Vicia-se rapidamente no twitter. Faz amizade com o líder de outro país, que monta a cavalo em tronco nu e com quem faz combates de dedos dos pés. Acaba a querer construir um muro, apoiado pelo líder do PPC – Partido das Pessoas Comuns. Isto lembra-lhe alguém?

Howard Jacobson (vencedor do Man Booker Prize, em 2010, com A Questão Finkler) escreveu em dois meses (começou no dia do anúncio da vitória) uma divertida e inteligente sátira à figura e ascensão de Donald Trump. Um livro, porém, onde cabem outras críticas, como ao delírio da tecnologia ("por cima deles, numa acumulação de monitores, era possível ver a Grã-duquesa a tirar uma selfie dela a tirar uma selfie, em triplicado").

A argumentação pode ser sinuosa, enviesada, volátil, porque «provar que temos razão nem sempre é o mesmo que estarmos moralmente certos". E Probrius sabia, desde sempre, que «a má gramática leva a homens maus".

Fracassus acaba por ter o seu Reality Show. Queria uma coisa à maneira da Roma antiga, quando "Nero mergulhava os cristãos em óleo a escaldar e, a seguir, utilizava-os como velas humanas". Sugestão rejeitada, "por motivos de custos, não morais». Atribuíram-lhe um espaço televisivo onde "convidava malfeitores – maridos que batiam nas mulheres, consumidores de drogas, violadores, alcoólicos, carteiristas, ladrões de cadáveres, incendiários, falsificadores, assaltantes que escalavam as paredes dos prédios, pedófilos – a assumirem a respectiva criminalidade e depois repreendia-os". Paracomisso!, chamava-se o programa.

O trabalho de tradução (de Vasco Teles de Menezes) evidencia uma procura cuidadosa por vocábulos e expressões, como na descrição do jovem «claramente, um Origen, com olhinhos pequenos a sinalizar ressabiamentos triviais, o beicinho da rabugice e uma cabeleira da cor dos portões do palácio".

Jacobson criou uma "sátira selvagem", nas suas próprias palavras. Mas não prescinde de um lúcido sub-texto. Regressemos a um diálogo entre Probrius e Cobalt: "– O rancor é uma qualidade que não deve ser subestimada na construção de patetas e tiranos. – E qual dos dois é que acha que ele vai ser? – O erro é acharmos que ele tem de ser uma coisa ou a outra". 

Pussy

Howard Jacobson, Bertrand, 213 págs, 15,50 €

*****

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