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Entrevista a Bela Gil: "A comida natural acolhe todo o mundo"

Escrito por
Mariana Correia de Barros
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A sétima filha de Gilberto Gil é um fenómeno da alimentação saudável no Brasil. Colecciona fãs num canal de Youtube, audiências num programa do GNT e leitores com os vários livros publicados. De passagem por Portugal, para apresentar Bela Cozinha, falou com a Time Out sobre mudanças de alimentação, a necessidade de ser-se prático na cozinha e a surpresa de encontrar Lisboa a ferver. 

Como é que entrou na cozinha saudável?
Quando comecei a praticar ioga, tinha uns 14 para 15 anos. O meu corpo foi naturalmente rejeitando vários alimentos, como o açúcar, comida junk, processada, carnes vermelhas. E foi mudando. Fui-me sentindo muito melhor, me apaixonei e falei assim: “Ué, se a gente come diferente, a gente se sente diferente, então a comida tem uma relação muito profunda com o nosso bem-estar”. Nesse momento me apaixonei pela nutrição. 

E foi logo estudar?
Eu queria entender como a comida funcionava no nosso corpo. E fui morar em Nova Iorque, com 18 anos, já com essa alimentação mais saudável. Então para continuar comendo bem eu tinha de cozinhar em casa. Aprendi a cozinhar por necessidade, comecei cozinhando em casa e também me apaixonei pela cozinha. E resolvi fazer um curso de culinária. Comecei, primeiro com uma mudança individual, e depois, na prática, na cozinha, vi que é um universo muito incrível.

Em Portugal as pessoas agora começam a olhar mais para a cozinha saudável com atenção. Mas às vezes ainda parece que pode ser limitativo.
É um engano. Porque o limite está na natureza. E a natureza é abundante. Essa é a minha alimentação. Apesar de os livros serem basicamente veganos ou vegetarianos, que eu acho super importante uma alimentação à base de plantas e vegetais, a comida natural acolhe todo o mundo. Não é uma cozinha restritiva. As pessoas acham que a comida natural é insossa. E não, é muito gostosa. Acho que o livro mostra muito isso. Tem muitas receitas que são saborosas, são práticas. O meu trabalho é também mostrar que a comida natural pode ser muito gostosa. 

No seu currículo tem vários cursos e especializações. Mas a experimentação não é aquilo que mais conta?
Eu fiz bastantes cursos. Em relação à cozinha, eu acho que uma vez que a gente aprende as técnicas e conhece os ingredientes a gente tem uma liberdade maior de criar. Tanto que você pega alguém que não sabe cozinhar, numa receita que é prática, mas às vezes o ingrediente é desconhecido, e ela já acha que é impossível. Ou quando a receita tem mais de três passos, ela já acha difícil. Quando você tem conhecimento, tudo fica mais fácil e prático. Então na cozinha, depois de ter aprendido essas técnicas e tudo, o meu aprendizado foi muito auto-didacta. Experimentando e fazendo coisas em casa. A maioria das receitas do livro vêm de jantares que eu fiz em casa para amigos. Ou coisas rápidas que eu tinha de fazer para a minha filha ou marido. São muitas receitas caseiras. Mas em relação à parte nutricional eu leio muito, estudo muito.

Tenho ideia que estão sempre a aparecer produtos novos. Por exemplo no seu livro fala muito da biomassa de banana verde. É uma coisa que se começou a falar em Portugal há uns meses.
Tenho que estar sempre a estudar, porque uma vez que a gente se conhece, descobre a nossa essência, a gente busca o autoconhecimento e não precisa de ficar à mercê do que a indústria alimentar impõe. Há muitos conflitos em relação aos alimentos. Numa hora a margarina é melhor do que a manteiga, depois é o azeite, depois era o ovo que era ruim e agora é bom. Se a gente se apega ao que é natural, vamos sempre saber que a manteiga é melhor, que o ovo é bom, que o óleo de coco é maravilhoso. A gente precisa se blindar da imposição da indústria com conhecimento.

No seu canal de Youtube [Canal da Bela] tem sempre uma lição nutricional além de ser só chef. Acha importante também ensinar?
O programa do GNT é muito focado na receita, apesar de que eu uso a receita para poder falar de outras coisas além da comida. Mas no Youtube posso mostrar na prática como tudo isso funciona. Então eu falo de um estilo de vida natural, de alternativas para uma vida mais sustentável e em harmonia com o meio ambiente. Tem desde como lido com a maternidade, tem o parto do meu filho, que foi em casa, tem receitas para papinha de bebé, para lancheira da Flor, minha filha, entrevistas com pessoas que acho interessantes. É para alimentar as pessoas de informação.

Sempre quis ser chef?
Não, eu nunca quis ser chef ou cozinheira. E nunca pensei trabalhar na TV. Foi uma surpresa muito grande na minha vida. Eu dava aula de culinária em casa, em Nova Iorque, para um grupo pequeno de pessoas. E uma amiga minha resolveu filmar e falar: “Ó, acho que isso daria um bom programa de TV.” Ao mesmo tempo o GNT estava a tirar um programa da grade e achou que o meu vídeo poderia render um programa. E foi assim que começou. Mas nunca pensei, nunca foi um desejo meu. Tanto que as pessoas falam, “Nossa, a Bela é um ser humano que precisa ser estudado.” Porque a minha família, meus irmãos, meus amigos próximos falam: “Você era muito tímida, muito introvertida, como é que você virou essa pessoa?” Eu acho que quando a gente fala de algo que a gente tem paixão e conhecimento, a gente tem uma segurança muito boa que a vergonha passa,
vai embora. 

Partindo deste livro, para uma pessoa entrar na alimentação saudável, qual é a melhor maneira de começar? 
A primeira dica que dou é: faça uma refeição em casa, pelo menos. Porque se você se comprometer a fazer pelo menos uma refeição em casa, vai-se comprometer a fazer compras, a entender qual ingrediente está na época, qual é mais barato, se está comprando um produto biológico, sem veneno, ou não (...). Então a primeira dica é: pega uma receita do livro e vai fazer (risos).

[somos interrompidas por três crianças que a querem cumprimentar. “É ela!”, dizem.]

Qualquer uma?
Qualquer uma. Mas eu acho que a praticidade tem que estar presente também no dia-a-dia. Uma receita mais especial, mais difícil, a gente deixa para um final de semana. Por exemplo, o bolinho de arroz com pesto. Um arroz que você fez e ficou na geladeira. E o pesto você pode pegar qualquer verde que está ficando mais murcho e fazer. Pega os dois, mistura os dois e faz um bolinho maravilhoso. 

Começar é começar pelo lado mais prático então?
Sim, porque aí a pessoa pega confiança nela mesma e na cozinha e tudo vai ficando mais fácil. Ela começa a planejar, porque o planejamento é muito importante. E aí começa a inserir a cozinha na vida dela. Mas eu acho que o mais importante é acabar com o medo. Muita gente fala: eu tenho medo de cozinhar. Acho que tanto no Brasil como Portugal, é difícil não saber cozinhar porque ficamos nas mãos da indústria. O que é que ela vai dar para a gente de jantar? As pessoas que não sabem cozinhar vivem à base de lasanha congelada, Disk Pizza, frango congelado, e bota no microondas e em cinco minutos e está pronto. E isso não alimenta. É necessário ir para a cozinha. Não sempre, nem todos os dias. Mas pelo menos às vezes.

Neste momento tem o seu programa no GNT, o canal de Youtube, livros, o restaurante...
Estou assinando o cardápio no Brasil, tem mais um livro que estou escrevendo sobre maternidade. E tem os produtos [de várias marcas de comida].

De tudo, o que mais gosta de fazer?
Gosto de tudo. Mas o que eu amo, que é um dos trabalhos que faço, é dar palestras e workshops. Gosto muito de estar perto das pessoas. A TV é legal, mas você está distante.

Tal como o seu livro, quase 100% vegetariano, também segue essa linha de alimentação?
Não, não sou nada. Já fui tudo isso, não sou nada mais, porque não gosto de rótulos. Acho que eles são necessários em alguns momentos da nossa vida, para a gente achar o nosso caminho, eu poderia ser - o meu marido é vegetariano até hoje -, mas não quis ser mais. Sou muito a favor de uma alimentação relacionada ao que a gente está necessitando naquele momento. Então se, por acaso, me dá vontade de comer um peixe aqui, na beira da praia - eu estava no Algarve e comi uma sardinha maravilhosa -, porque não? A minha alimentação é basicamente vegetariana, mas porque eu quero estar no Algarve e comer uma sardinha, não sou radical.

É a sua primeira vez em Portugal?
Já estive aqui uma vez com o meu pai [Bela é a sétima filha de Gilberto Gil], quando ele veio fazer o Rock in Rio. Tem muitos anos, pelo menos uns 15 anos [Foi em 2004]. 

O que está a achar de Lisboa?
Agora eu vim com a minha família, as crianças, vim de uma maneira diferente. A trabalho também. Mas é uma cidade que estou amando, a comida é maravilhosa, as pessoas são muito receptivas, o povo português ama o Brasil e sabe muito sobre o Brasil. Eu fiquei muito impressionada como muitas pessoas me conhecem, não fazia ideia que isso seria possível. É fascinante, é um país que sabe se renovar. Portugal está na moda. Tenho muitos amigos que estão vindo morar aqui agora, amigos do Brasil, amigos que há 10 anos atrás falavam: estou indo para a Europa e Portugal nunca estava na rota. Era Espanha, França, Inglaterra, Portugal não estava. Mas Lisboa está fervorosa, animada, está muito viva.

Vi que conheceu o projecto da Fruta Feia. Conheceu mais alguma coisa na sua área?
Ainda não. Conheci o Fruta Feia e vou ao Alentejo conhecer um projecto de azeite biológico. Conheci o José Avillez, ele foi supersimpático, fiz um tour por todos os restaurantes dele. A gente comeu lá no Bairro [do Avillez]. Ele é superbacana, um grande empreendedor.

E chefs que a inspiram?
O Dan Barber, de Nova Iorque. Acho o trabalho dele muito bom. O Jamie Oliver foi um dos primeiros chefs que eu comecei a assistir. Eu me interessei muito pela comida por causa dele, dos programas dele. Acho ele um apresentador fantástico. É brilhante.

+ Os melhores restaurantes saudáveis em Lisboa

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