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Luís Franco Bastos
Francisco Romão Pereira

Luís Franco Bastos: "O humor faz-nos morrer de forma confortável"

Em 'Diogo', o humorista mata as imitações que o popularizaram para fazer nascer um solo pessoal, sem amargura, só com a dureza da sua história de vida e um único propósito: fazer rir.

Joana Moreira
Escrito por
Joana Moreira
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E, de repente, silêncio. Durante segundos não se ouviu um som no Coliseu de Lisboa, lotado para receber o novo espectáculo de Luís Franco Bastos. Na noite em que o humorista estreou o seu mais recente solo, Diogo, houve quem na audiência se sentisse mal quando Bastos recordava a morte dos seus pais, em 2014. A sala em suspenso observou a entrada da equipa médica e não tardou para que o humorista reagisse ao episódio (com final feliz) com humor. 

Ágil no raciocínio, ponderado no discurso, discreto na forma como se expõe perante o público – fiel, que já lhe esgotou as primeiras datas da tour que agora começa –, Luís Franco Bastos, 34 anos, precisou de fazer 15 anos de carreira para revelar ao mundo que se chama, afinal, Luís Diogo, um nome de baptismo que o distingue do pai, Luís, e do irmão, Luís Miguel. O comediante, conhecido pelas imitações das vozes de figuras do futebol, como José Mourinho ou Bruno de Carvalho, ou da política, como José Sócrates ou Francisco Louçã, está de volta à estrada em 2023 à boleia de Diogo. Um solo íntimo, confessional, que não é terapia e onde não cabe activismo. “Se o humor te levar a pensar em coisas, melhor, mas não acho que seja o propósito principal”, acredita. É um espectáculo que nos desarruma, que nos confronta com temas difíceis, como a paternidade, a autocrítica e a morte. Ficamos a conhecer melhor Luís Franco Bastos depois deste espectáculo? “É inevitável.” 

Luís Franco Bastos
Fábio Teixeira

Notabilizaste-te por fazer imitações. Neste solo, isso não existe.
Estavas atenta.

Olhando para o passado recente, tens-te afastado desta ferramenta. A pergunta óbvia é: porquê livrares-te de algo que obviamente te distinguia dos outros humoristas? 
É uma boa maneira de abordar a coisa. Tem a ver com algo que sempre pautou o meu trabalho, que é: preciso de gostar do que estou a fazer. Se a nossa maior fonte de validação enquanto artistas não formos nós próprios, vamos estar sempre dependentes de uma validação que não controlamos, que nunca vai ser aquela que nós queremos que seja, e vamos viver angustiados e infelizes. De forma natural fui deixando de ter gozo em fazê-las. Fui olhando para o que fazia com elas e deixei de me rever. Não é que não estivessem bem feitas ou que não tivesse brio profissional, mas já não me dava muito gozo. Fui pisando outros terrenos. Era muito pouco produtivo se as outras pessoas não quisessem saber, se marcadamente dissessem “faz mas é imitações". Como não foi nada disso que aconteceu, pelo contrário, isso alimentou-me no sentido de cada vez mais ir para aí. 

Sentes-te mais original? É possível ser-se autêntico a imitar os outros? 
É possível. Acho que o fazia de uma maneira bastante diferente do que tinha sido feito até então, pelo menos em Portugal. Tentava fazer coisas originais dentro das imitações. Simplesmente deixou de me interessar fazê-las. Passei a achar que havia coisas mais interessantes para ver e para fazer. E não sou só eu. Se olhares para a tendência do humor a nível mundial, continua a fazer-se continuas a ter programas como o Saturday Night Live, com caricaturas bem feitas e sketches bem escritos, mas em stand-up e noutras coisas, se observares, hoje em dia, as tendências são outras.

A mudança de abordagem prendeu-se então pela mudança de gosto, mas também pela tendência.
O meu gosto seguiu naturalmente a tendência, ou antes, casou com a tendência. Partiu de mim próprio, da minha vontade de fazer outras coisas e de mostrar que sabia fazer outras coisas, acima de tudo. Se tivesse ficado pelas imitações e tivesse alimentado esse rótulo, depois não me iriam deixar fazer outras coisas mais tarde. Tive de matar isso quase de forma preventiva, antes que as pessoas não me deixassem pisar outros terrenos. E mesmo assim não foi fácil, imagina se me tivesse deixado ficar aí mais tempo. 

Ao teu quinto solo falas de ti, da tua família, das tuas perdas, da tua educação, da tua filha. Para quem preza a privacidade, e basta seguir-te para perceber isso, porquê abrir essa porta? 
Há uma diferença muito grande entre expores-te no teu Instagram e expores-te no teu material enquanto stand-up comedian. Vês o mesmo na música. Tens "n" casos de artistas que nas redes expõem muito pouco da sua vida, não sabes onde foram almoçar, onde andam. Vês trabalho, vês conteúdos. Mas, inevitavelmente, falam de si nas suas letras. 

Mas nunca fizeste isso antes. 
Não tinha calhado. Comecei a ver o que tinha, o que estava a curtir mais fazer, e apercebi-me que um terço, metade do material que tinha era com este cariz pessoal, a parte da minha mãe, do meu pai, da minha filha, de ter sido pai, etc. Comecei a desenvolver o que faltava, já tendo essa lógica em mente, com mais ramificações. Conto uma história do meu pai no Natal que foi a última coisa a entrar no espectáculo. Faltava-me cinco, sete minutos. “Olha, tenho aquela do meu pai que ainda não usei”. Cada vez que parto para um solo novo, a minha abordagem é “deixa cá descobrir que solo é que eu tenho para dar agora”. E descobri que a maioria do que tenho para dizer tem este cariz pessoal, então claramente este solo vai ter essa lógica. Deixa-me cá escarafunchar o meu cérebro e perceber o que é que eu tenho para dar nesta fase da minha vida e calhou ser isto.  

Luís Franco Bastos
Pluma

Há memórias bastante vívidas, a não ser que haja qualquer coisa de ficcional...
Também há. Mas posso dizer que, mesmo não fazendo solos muito pessoais, sempre fui contando aqui e ali histórias e episódios que me tinham acontecido. Não eram é de cariz tão profundo. Tinha umas com o Salvador [Martinha] e o [Rui] Sinel [de Cordes] dos tempos do Lx Comedy Club, coisas que aconteceram em hotéis, em saídas à noite. Mas isso não é pessoal, são episódios engraçados que nos aconteceram. Todas as histórias que contei têm um lado verdadeiro e um ficcionado para fins cómicos. Mas posso-te dizer que nunca ficcionei tão pouco como neste solo. A dose de realidade é muito grande. 

Luís Diogo é um nome verdadeiro?
É sim. Essa parte gostaria imenso que fosse ficcionada, infelizmente é real. É muito verdade que a ficção não supera a realidade. Por muito que se tente escrever ou criar, a vida é mais engraçada ainda. 

Há uns anos dizias que as pessoas ainda não estavam preparadas para que falasses de temas mais pessoais, como a morte dos teus pais. Porque é que achas que agora estão?
Essa frase é minha.

Colocavas o ónus nas pessoas porque tu te sentias preparado.
Exato. Mas, de facto, a minha frase não estava correcta. Não eram as pessoas que não estavam preparadas, porque muitas das pessoas que vão ver o espectáculo nem sequer sabiam. Não é do estilo “os meus pais morreram, só daqui a 10 anos é que as pessoas podem achar graça porque já foi há muito tempo”. Não, o tema é sempre pesado na mesma. Podia ter sido há um ano, há uma semana, não é por aí. Dizia que as pessoas não estavam preparadas e que eu já estava. Não era bem assim. Não tinha era tido tempo nem skill para criar os ângulos certos e o material certo sobre o tema. Então aquilo causava mais desconforto do que riso. 

O que é que precisaste para lá chegar?
Tempo. Precisava de evoluir, de prática, de trabalhar mais. Acho que tinha 32 [anos] quando comecei a trabalhar neste material. Não tem a ver necessariamente com idade, mas passaram anos, continuei a fazer stand-up, continuei a desenvolver-me e apercebi-me que tinha ângulos melhores. Tudo somado, o material e a minha perspectiva sobre as coisas, e a minha capacidade de fazer humor sobre aquilo que eu sei e sobre aquilo que me acontece, chegou a um ponto em que foi possível criar um espectáculo que já acho que é suficientemente engraçado para que as pessoas se riam daquilo que estou a falar. Gostaria de reformular a minha frase do passado: não eram as pessoas que não estavam preparadas, era eu que não estava preparado. Não do ponto de vista emocional, mas ainda não estava no ponto em que conseguia fazer o melhor humor possível sobre aquilo de forma a ter resultados humorísticos. 

Na estreia de Diogo, no Coliseu de Lisboa, no momento em que falaste sobre o assunto, uma pessoa da audiência sentiu-se mal. O espectáculo foi interrompido, a equipa médica entrou, a sala fez absoluto silêncio, e tu disseste: “Mãe, pai, recebam-nos bem.”

Essa nem foi a pior [coisa] que eu disse.

Mas foi a primeira. Questionamo-nos muitas vezes sobre como reagimos em situações-limite, sob stress. A tua reacção é sempre uma piada? 
Pretty much, sim. Há uma afirmação de que gosto bastante, de um artista de que eu gosto muito que é o Ivo Canelas. Vi [a peça] Todas as Coisas Maravilhosas e adorei, ele é brilhante, e o espectáculo em si também é brilhante. Ele tem uma frase, quando estava a ser entrevistado sobre o cariz do espectáculo, que é: “as pessoas que diante de uma adversidade reagem com sentido de humor são as que sobrevivem”. É o que tu podes fazer. As adversidades vão surgir, os momentos maus vão acontecer, podes escolher deixar-te ir completamente abaixo, porque somos sensíveis e somos humanos, mas pelo menos uma parte de nós está a ver o lado engraçado da situação. Isso é o essencial para a nossa sobrevivência.

O humor anestesia.
Anestesia. Nem é daquelas anestesias que são enganosas. Às vezes os problemas não têm solução e tu rires-te deles é a única pseudo-solução que existe. É como dares morfina a uma pessoa que não tem cura. Pelo menos garantes que ela morre confortável. No fundo, é isso que o humor faz. Faz-nos morrer de forma confortável. Vamos todos fazê-lo. Que seja a rir. Não confundir isso com não levar as coisas a sério e não ter noção que elas são sérias, mas acho que é uma forma bastante mais elevada de viver. 

O humor, e o amor também, ajuda-nos a viver melhor? 
O humor acho que ajuda bastante mais do que o amor na generalidade das situações. Ajuda, sim, sem dúvida. O Ricardo Araújo Pereira também fez uma analogia de que gostei muito com o Muhammad Ali. Um pugilista rival dele que era conhecido por ter o soco mais forte dizia: “estava a dar-lhe um soco com o meu máximo de força, e Muhammad Ali com uma grandessíssima cara de pau dizia-me 'então, é só isso que tens?'”. O RAP diz que isso é o que nós fazemos à vida quando temos sentido de humor. Pode-nos atingir com o mais forte que tiver, mas se nos conseguirmos rir, pelo menos conseguimos manter aquela postura de “o que é que tens mais?”. Não quero gabar-me, mas acho que é mais fixe viver assim do que deixares-te consumir pelas tragédias. Dá-te a pontinha de superioridade perante as tragédias que é a única que podes ter. Somos humanos, somos finitos, mas rimo-nos um bocado. 

Por ser um solo confessional é tentador supôr que seja também terapia, desabafo e catarse. Mas pareces muito racional e possivelmente orquestraste o Diogo sem nenhuma destas coisas. 
Sim, é para fazer dinheiro, essencialmente. O propósito é ter uma casa para pagar, ter uma filha, gostar de ir a restaurantes bons, por isso, olha, vou falar da morte dos meus pais para poder sustentar todos estes luxos (risos). Mais a sério, sim, podia dizer que é terapêutico, mas não. O humor é uma maneira de descarregar e de processar a coisa, claro que sim, mas não fiz este espectáculo para ser terapêutico. O intuito do show não é libertar-me dos meus fantasmas ou querer inspirar pessoas que tenham passado ou que estejam a passar por coisas complicadas. Se isso tudo acontecer fixe, mas o objectivo do espectáculo era: eu sou humorista e a minha motivação para viver é fazer os outros rir. Encontrei graça nestas coisas e usei-as. Mas podia ter sido uma ida minha à Worten e uma torradeira que vinha estragada. Estou a ser o mais honesto possível.

Quem sai do espectáculo, sai a conhecer-te melhor? 
Acho que sim, é inevitável. Não só passo muitas opiniões que tenho sobre coisas e sobre o que me aconteceu, como o facto de as pessoas saberem que eu até ao dia de hoje vivi o que vivi, sabem a minha história. O verdadeiro motivo nem foi do estilo “olha, é estratégico agora dar-me a conhecer melhor, as pessoas gostam disso e vai bater”, mas tenho constatado que as pessoas gostam especialmente por causa disso. Também gostam porque eu nunca o fiz. Se estivesse há 15 anos a falar de questões super-pessoais, se calhar agora preferiam que fizesse outras coisas. As pessoas gostam de ser surpreendidas.

Fenómenos recentes como Bo Burnham’s Inside ou mesmo Hannah Gadsby: Nanette vão além do humor. O humor que só faz rir hoje não chega?
Não, de todo. Apesar de este espectáculo ter ido para estes temas mais pessoais e mais profundos, e podendo ter este bónus de ajudar algumas pessoas a problematizar e desconstruir as suas tragédias pessoais, e acho fixe que isso aconteça, sempre disse e continuo a dizer que a única função que o humor tem que ter é fazer rir. A única coisa que as pessoas não perdoam é sair de casa para ver um espectáculo de humor e esse espectáculo não as divertir. Se me disseres que existe uma certa tendência, porque na arte há sempre tendências, para que o humor actualmente traga mais qualquer coisa, sim, há uma tendência. Mas não quer dizer que as outras coisas não sejam super-válidas. Continuo a adorar e a consumir humor que não vá para aí. Desde que seja bem feito. Às vezes a coisa mais aparentemente parva no humor é extremamente bem feita e cheia de valor e de mérito.

O Bruno Nogueira diz que “no humor intelectualizam-se coisas muito simples”.
É verdade. Às vezes a piada mais parva é uma coisa super-trabalhada. Isso acontece-me muito quando estou a escrever o Hotel, a minha série de ficção em podcast [cuja sexta temporada chega no início de 2023]. Há momentos que são de estupidez pura, às vezes perco um bom bocado a encontrar a referência mais estúpida que posso fazer. Não acho que o humor que só faz rir não seja suficiente, pelo contrário. Desde que faça rir é mais que suficiente. Neste caso e nesta fase isto era o que eu achava mais interessante e quis fazer. Deixa-me numa questão que é: se a seguir voltar logo de cabeça para uma coisa que seja muito genérica pode parecer que sabe a pouco em relação ao que fiz antes. Neste espectáculo abro-me tanto e dou tanto que se for só falar de torradeiras pode parecer superficial e desinteressante. Terá que ser muito bem pensado. Mas isso será um problema para o Luís do futuro resolver. 

Luís Franco Bastos
Fábio Teixeira

Pensas sempre com essa visão macro na carreira?
Sempre, sempre. É uma coisa muito minha e que está muito enraizada na Bridgetown, a minha agência, e na maneira como as pessoas de lá trabalham com os artistas. Não tomamos decisões hoje que nos possam prejudicar daqui a 10 anos. Temos sempre isso em consideração. Queremos fazer isto durante o máximo de tempo possível, portanto nunca vamos comprometer o futuro com coisas do imediato.

Isso não adiciona uma camada de pressão e ansiedade a tudo o que se faz? 
Bastante. Sem dúvida nenhuma. Mas tentamos viver com isso. Acho que é a maneira mais correcta de o fazer. Queres fazer isto durante 10 anos ou durante uma vida? Então o que estás a fazer agora não pode prejudicar o que venha aí. Há uma grande dose de futurologia e especulação, mas temos de o saber fazer.

Portanto, ao contrário do Salvador Martinha que diz que aos 40 se retira, imaginas-te a fazer uma carreira até ao fim da vida? 
Sim, inclusivamente já lhe disse “giro que tenhas desistido, mas eu vou continuar se não te importas”. Estou a gozar, claro. As pessoas são todas diferentes e têm direito aos seus approaches e às suas vontades. Eu vejo-me a fazer stand-up até morrer. Se puder morrer com espectáculos marcados nesse momento, é isso que eu desejo. 

De que forma é que te vais reinventar para o próximo solo? 
Não faço ideia. Acho até criminoso perguntares-me isso. Nem sei bem o que dizer sobre este e já me estás a perguntar sobre o próximo. O que te posso dizer é que terei de ter a mesma preocupação de parecer fresco e de surpreender de alguma maneira. Não pode nunca dar a sensação de que é mais do mesmo. Sim, honestamente, já penso nisso.

Vês-te a fazer humor político ou com um cariz activista? 
Eu até tenho anticorpos com a palavra activista. 

Porquê?
Não vou me alongar, mas acho que é um trabalho muito complicado. Não vou dizer que é impossível, mas acho um trabalho extremamente complicado misturar humor e activismo de maneira a que qualquer uma das duas saia beneficiada. Quando isso acontece acabas por não ser nem humorista nem activista. Tens de ter uma grande bagagem cultural e emocional e um grande talento. Essa junção acaba por não sair devidamente defendida. 

Achas que é sequer possível? 
Não digo que seja impossível. Se calhar o melhor exemplo que tens disso, ou um dos, é o Dave Chappelle. Nomeadamente em questões raciais. Mas, lá está, tens uma diferença muito grande em relação a muitas pessoas que é: ele está a falar de uma realidade que é a dele, de questões pelas quais ele passou, de coisas que lhe aconteceram, que ele testemunha na primeira pessoa e sente na pele. Nem sequer acho que ele esteja a fazer activismo, ele está a fazer um humor excelente sobre coisas que lhe aconteceram e que ele viveu. Racismo, ser negro na América, entre outras coisas. Está a fazer humor do mais perfeito que pode existir e ao fazê-lo indirectamente acaba por fazer activismo porque está a abordar temas supercomplexos e relevantes. Ele não pensou "deixa-me cá fazer activismo e de que maneira é que isto pode ter resultados”. Que é uma lógica invertida que é a que muitas vezes é seguida. Acima de tudo está preocupado em fazer rir as pessoas. Não está a construir a casa pelo telhado. 

Tens colocado online solos anteriores, como Consciente ou Voz da Razão. O que é que falta para fazeres um especial Netflix? 
Não sei, sinceramente. Acho que o mercado português ainda não está bem aí. Já tiveste o do Salvador [Martinha, Na Ponta da Língua], que até agora foi o único [a chegar à Netflix], e com todo o mérito. Desde esse não tiveste mais nenhum a ir lá parar. Gosto de acreditar que não é um problema comigo, é um problema de o mercado português ainda não ter propriamente ganho uma expressão que tenha o que é necessário para que a Netflix repare tanto ou venha cá explorar isso. No dia que o faça, se me calhar, espectacular.

O Na Ponta da Língua chegou à Netflix antes mesmo das séries portuguesas. Criou a expectativa que se seguiriam outros?
Criou, claro. Acho que todos estamos um pouco expectantes que as coisas cheguem a esse ponto que nós sonhámos. Mas só agora é que tiveste quatro ou cinco conteúdos, numa plataforma com uma variedade de conteúdos como é a Netflix. É muito pouco ainda. A coisa está mesmo no início. O humor lá chegará.

A televisão é um meio no qual tens interesse?
Tenho sim. Não tenho qualquer tipo de ódio ou desprezo pela televisão. Pelo contrário. Odeio pessoas que acham que a televisão já não existe, acho isso uma falácia gigantesca. A televisão continua a ter muito impacto, e continua a ter impacto não só em antena como na sua ramificação para o digital. A questão é, como existem outras ferramentas, eu e outros humoristas não temos a necessidade de fazer uma televisão que não gostemos ou que não achemos que nos beneficia realmente. 

As incursões de humoristas na televisão tem acontecido através da criação dos seus próprios projectos. Tens planos de fazer um que se adapte à televisão? 
Eventualmente sim. As pessoas têm a ideia que só se faz televisão em Portugal se fores convidado e não é bem assim. Até há relativamente pouco tempo talvez não tivesse real noção disso, mas muitos dos projectos que se fazem em televisão, tanto no humor como na ficção, partem das produtoras, dos autores, dos artistas, que tentam criar e solicitar um espaço para que isso seja colocado em antena. Tentam vender. Fazem pilotos, apresentam ideias, fazem pitch dos conceitos que querem, porque as televisões estão na vida delas. Depende também dos criadores de conteúdo quererem estar lá e tentarem furar. O que sucede é que a Internet é uma ferramenta tão útil e com tantas possibilidades que muitas vezes não se justifica tu estares a querer envolver uma televisão ou a querer submeter o teu conteúdo a outros pareceres criativos. 

Participas na série do Salvador Martinha, Sou Menino para Ir, fizeste durante muito tempo o programa Erro Crasso, com o Pedro Teixeira da Mota. Quando se fala de humor fala-se muito dos solos. O humor é um meio solitário? 
Há sempre um lado muito solitário. Stand-up é um trabalho solitário. Mas não o é noutros aspectos, sobretudo quando começaste a criar um circuito de stand-up muito mais dinâmico. Tens um sentido de comunidade. Tens as noites de humor em que muita malta actua junta. Um de cada vez, mas juntos. Tens muita partilha de opiniões e feedback. Os colegas vêem o trabalho uns dos outros e opinam. 

Isso é bem recebido? 
Sim, pelo menos por quem não é um otário (risos). Tens uma comunidade e sabes que vais ao Lisboa Comedy Club e vais testar não só as ideias novas que tiveste como vais estar com malta que faz o mesmo que tu e trocas ideias e tens uma noite porreira. Bebes uns copos, falas de stand-up e divertimo-nos uns com os outros. Ou seja, é solitário e não é. É um trabalho solitário porque em último caso cada um tem o seu próprio nome e a sua própria marca, tens que a gerir e que fazer o teu caminho. 

O que é que mais gostas de fazer? 
Stand-up, de longe. É o centro. Tudo o resto são ramificações que ajudam não só a alimentar o stand-up como outras maneiras de me expressar artisticamente.

Teatro Sá da Bandeira (Porto). 14 Jan, Sáb, 22.00. 15€-20€ | Fórum Luísa Todi (Setúbal). 20 Jan, Sex, 21.00. 14€-16€

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