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Tomás Wallenstein
© Matilde TravassosTomás Wallenstein

A ‘Vida Antiga’ de Tomás Wallenstein

‘Vida Antiga’ marca a estreia a solo de Tomás Wallenstein, cantor e um dos compositores de Capitão Fausto. É o retrato de uma fase de transição na sua vida.

Luís Filipe Rodrigues
Escrito por
Luís Filipe Rodrigues
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No princípio, havia um piano. Muito antes de Tomás Wallenstein começar a estudar violino, quando era novo, e de aprender a tocar guitarra para rockar com os seus dudes, os Capitão Fausto, quando era pouco mais velho, já “as cordas do piano estavam lá. Sempre ao [seu] lado”. É por isso que, quando lhe perguntam se Vida Antiga, o disco de estreia a solo, que vai apresentar a 24 de Fevereiro, na Culturgest de Lisboa, é mais um bebé da pandemia – como a sua filha, como tantos outros –, ele torce o nariz. “Não sei, não sei... Não sei dizer. A minha relação com o instrumento já vinha a ficar mais intrincada há uns anos”, afiança. “Mesmo que não fosse desta forma, mais tarde ou mais cedo ia aparecer algo parecido.”

O cortejo tinha começado em miúdo, quando Tomás e um velho piano, que pertencera à bisavó, partilhavam um quarto em casa dos seus pais. “Às vezes devia estar a estudar violino e em vez disso sentava-me ao piano”, lembra. Anos mais tarde, primeiro nos ensaios e depois nos discos e nos concertos da banda, os dedos do cantor e compositor fugiram de novo para as teclas. Até que, durante a pandemia, a relação entrou em velocidade cruzeiro. Fechado em casa, passou “muito mais tempo a tocar. Peças clássicas, como a do Debussy, que levou meses a decifrar. Mas também músicas que andava a ouvir ou tinha ouvido.”

“Muito rapidamente, apareceu um desafio para aquela coisa dos lives do Instagram. E fiz um concerto ao piano. Foi uma coisa curtinha, mas lembro-me que toquei logo aí ‘O Mundo é Um Moinho’, do Cartola, e algumas dos Capitão Fausto. Não sei se toquei o ‘Cantar Alentejano’ [de José Afonso], mas acho que não”, recorda. Pouco tempo depois, mais um convite, desta feita para um concerto do Lux, “naquela altura em que as coisas começaram a abrir e dava para ter espectáculos mas tinha de se comer ao mesmo tempo”. A esta estreia ao vivo, seguiu-se uma pequena digressão e algumas apresentações em festivais. “E a meio do ano passado achei que devia fazer um registo deste período. Estas músicas acompanharam-me por muito mais tempo do que aquele primeiro momento em que estive a aprendê-las ao piano. Por isso, resolvi tirar-lhes a fotografia e fui para os estúdios Arda, no Porto.” 

A escolha não foi inocente. “Eles têm um piano muito bom, um Fazioli de concerto, que é muito mais raro de encontrar. Tem características diferentes”, detalha. Já o repertório que acabou por gravar foi escolhido “de uma forma muito fácil e muito instintiva”. Num primeiro momento, limitou-se a tocar canções que estava a ouvir e queria aprender. “E aí não tinha sequer de haver critério. Depois, quando começo a construir concertos e espectáculos, há uma coisa que liga todas, que é a língua portuguesa – ou o facto de serem só instrumentais. Há também o facto de me rever nelas. Tenho um bocadinho de inveja, porque gostava de ter sido eu a compor aquelas canções, a compô-las.”

“Senti que as músicas se escolheram umas às outras”, continua. “Apesar de virem de décadas diferentes, sítios diferentes, culturas diferentes, chegam todas ao mesmo sítio.” Onde, ao certo? Há algum tema ou ideia transversal ao disco, indagamos. “Este repertório fez-me companhia numa fase de transição forte, que tem a ver com o facto de ter sido pai, mas não só. O mundo mudou muito depressa enquanto nós estivemos sentados”, reflecte. “Houve muitas circunstâncias da minha vida às quais tive de me adaptar rapidamente.” De certa forma, o disco é todo sobre isso. “Sobre essa adaptação, sobre uma pessoa conseguir ter recordações do seu passado, boas recordações, e ao mesmo tempo aproveitar as coisas novas que nos vão chegando e largar as antigas de uma forma pacífica”, conclui. 

Nem todas as mudanças foram bruscas, porém. Além de peças de Satie e Debussy e temas de José Afonso, José Mário Branco, B Fachada e Luís Severo, há três canções escritas e popularizadas por autores brasileiros – Erasmo Carlos, Tim Bernardes e Cartola – no disco. A aproximação ao Brasil já tinha começado no último álbum da sua banda, A Invenção do Dia Claro (2019), parcialmente lá gravado. “O Cartola, por exemplo, vem daí”, comenta. “Foi uma das nossas grandes referências nessa altura. Estivemos também a tentar estudar um bocadinho mais o que era o choro e o samba e por aí fora.” Este álbum a solo também é uma consequência disso. Contudo, o músico lisboeta faz questão de separar as águas. Vida Antiga foi um período concreto da sua vida que quis imortalizar, enquanto os Capitão Fausto são o seu passado, presente e futuro. “São coisas diferentes”.

Culturgest. Sex 24. 21.00. 18€

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