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David Bruno
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David Bruno: “Sempre apreciei as coisas menos boas da vida”

É um dos protagonistas do Super Bock em Stock, que ocupa a Avenida da Liberdade no final de Novembro. Falámos sobre a áudio-novela ‘Sangue & Mármore’.

Luís Filipe Rodrigues
Escrito por
Luís Filipe Rodrigues
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Seja como metade do Conjunto Coruna, enquanto o David do duo romântico David & Miguel ou em nome próprio, David Bruno não pára de surpreender. E de dar a ouvir o Portugal que resiste à sombra das elites culturais de Lisboa e do Porto, e raramente tem espaço mediático. A mais recente prova de vida e criatividade é a áudio-novela Sangue & Mármore, escrita, narrada, composta e cantada por ele (com participações especiais de Gisela João, Rui Reininho e o Marlon Brandão de Os Azeitonas). Entre a chegada de Sangue & Mármore às plataformas de streaming, em meados de Setembro, e o concerto de 25 de Novembro, durante o Super Bock em Stock, trocámos dois dedos de conversa.

Da última vez que falaste com a Time Out, dizias que durante a pandemia, fechado em casa, não observavas nada, por isso a tua criatividade era nula. Mas no texto de apresentação do Sangue & Mármore lê-se que este disco nasceu precisamente por estares fechado em casa. Em que ficamos?
É engraçado colocares essa questão. Como estava fechado em casa, comecei com o tempo a reparar em coisas que até à data não tinha reparado, como por exemplo uma casa muito exótico-portuguesa em frente à minha (com direito a fonte no jardim com o menino em mármore a fazer xixi e tudo). Ao ver aquela casa comecei a imaginar coisas que poderiam acontecer lá dentro e comecei a criar o enredo que deu origem ao Sangue & Mármore, inspirado num misto de coisas que observava da minha janela e memórias, lugares e pessoas da minha infância. Foi um processo misto que nunca tinha feito até à data mas que posso dizer que me salvou enquanto criador preso em casa durante a pandemia.

Isso quer dizer que este disco não é completamente fictício?
Embora não pareça, [o Sangue & Mármore] é muito inspirado em memórias e observações. Um exemplo: o Sequeira é inspirado no meu vizinho do 4.º andar durante a minha infância no Candal. Ou a Sandra Isabel, que é inspirada na “Paris Hilton de Arouca” que tive a oportunidade de conhecer numa noite na baixa do Porto.

O país sobre o qual falas e as pessoas que o habitam não costumam estar representadas na música portuguesa que é destacada na imprensa nacional. Porque achas que a tua música consegue chegar a gente e sítios que normalmente não dão espaço a estas histórias e vivências?
Porque é uma cultura que existe, e as pessoas, [quer] gostem ou não, reconhecem. Os lugares e estereótipos de que falo podem muitas vezes não ser considerados suficientemente interessantes para serem vistos como inspiração para objectos artísticos, mas sempre fui uma pessoa que aprecia as coisas menos boas da vida.

Tens-te referido ao Sangue & Mármore como uma áudio-novela e não tanto como um disco. Percebo a distinção. Só há aqui quatro canções propriamente ditas, o resto são faixas instrumentais, contigo a contar uma história por cima. Dirias que é uma continuação do que vinhas a fazer, ou uma coisa diferente?
É algo completamente diferente que nasceu numa altura completamente diferente da minha vida. Foi um exercício um pouco esquizofrénico que não era suposto sequer ver a luz do dia e que achei por bem lançar para lembrar às pessoas que sou mais do que um gajo de Gaia que escreve umas quadras engraçadas sobre coisas portuguesas. Aqui há densidade, há pensamento e há criatividade a um nível nunca por mim mostrado ao público. Sou um gajo que inventa ao mais alto nível.

Mesmo musicalmente, as faixas são muito diversas. Há as tais quadras engraçadas, que podiam estar em álbuns anteriores, mas depois há composições mais ambientais, incluindo algumas que lembram as bandas sonoras do Carpenter. Quais foram as tuas influências para este disco?
As minhas influências foram os meus avós e as suas histórias de lareira. A nível musical não tive nenhuma influência específica, criei uma banda sonora à imagem dos personagens. Mas posso dizer que indirectamente o filme Perdita Durango, de Alex de La Iglesia, foi uma grande ajuda para me ajudar a criar um espaço na minha mente para dar início a esta áudio-novela.

Há três convidados em Sangue & Mármore: o Rui Reininho, o Marlon Brandão e a Gisela João. Como é que eles aparecem aqui?
Já há algum tempo que queria trabalhar com [eles] e quando me surgiu a ideia para este projecto pareceu-me bem convidá-los. O não era garantido e de certeza que nunca tinham recebido um convite para algo tão fora da caixa. Pensei que iam recusar, mas aceitaram à primeira. Fiquei radiante.

O “Tema do Crespo” é a única canção sem nenhum convidado. Porquê?
Há demasiada dor nessa faixa para conseguir explicá-la a um convidado ou convidada. Essa é minha. É um exercício terapêutico.

Narras o disco com um sotaque francês. É para ser mais fácil separar a personagem do narrador e o David Bruno que canta nos quatro temas?
A narração em francês deve-se ao repórter Olivier Bonamici – de quem sou fã. Conheci-o na Eurosport a comentar o Campeonato Aficano das Nações em 2000 e poucos, e desde aí aquela pronúncia ficou-me gravada na mente. Achei que ajudaria bastante a dar o toque noir que eu pretendia.

Ao vivo reproduzes a história do princípio ao fim, com as quatro canções pelo meio? Ou interpretas apenas os quatro temas e o resto são malhas antigas?
Nos próximos tempos vou tocar estes quatro temas e outros clássicos que as pessoas já conhecem, porque – como aprendi numa entrevista do Quim Barreiros – “um músico deve tocar o que as pessoas querem ouvir, porque no fim foram os fãs que te meteram onde estás”. Se eu fosse fã de mim próprio não gostaria de pagar bilhete para ir ver um concerto com um alinhamento muito restrito de músicas só de um álbum e sair sem ouvir as músicas que andei a ouvir em loop nos últimos tempos.

Sei que vais ter vários convidados no Super Bock em Stock. São os três do disco ou outras pessoas?
Irei levar dois destes três novos convidados ao Super Bock em Stock, e ainda o meu amigo Mike El Nite. E, claro, o grande Marquito e o António Bandeiras.

Conversa afinada

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A cumplicidade entre os portugueses adoptivos Noah Lennox, também conhecido como Panda Bear, e Sonic Boom, vulgo Pete Kember, já era evidente há uns anos. Não só pelo trabalho que fizeram juntos nos álbuns Tomboy e Panda Bear Meets The Grim Reaper, do americano, como pela maneira como falam um do outro em entrevistas e com os gravadores desligados. Mas em Reset, editado em Agosto pela Domino, essa sintonia é ainda mais clara, com ambos a partilharem a autoria dos temas e as vozes a ouvirem-se juntas. E isso reflecte-se ao vivo.

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Desde 2011 que acompanhamos, nestas páginas e fora delas, a carreira de Maria Reis. Vimo-la e ouvimo-la a crescer, a alargar horizontes, a apurar a lírica e a composição, a impor-se como uma das melhores escritoras de canções que este país já teve, independentemente do género. Benefício da Dúvida, o quarto registo a solo, entre mini-álbuns e EPs, é o mais recente marco de uma obra que se recusa a perder a relevância e inventividade.

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O mais recente álbum de Tim Bernardes, Mil Coisas Invisíveis, é mais despojado do que o anterior registo a solo, Recomeçar. Há uma leveza que atravessa o álbum que o líder de O Terno descreve como uma coisa quase de cantor e compositor de mpb.” Mas não só. “Dizia que o Recomeçar era como um filme. Este agora vejo mais como um livro de ensaios, de reflexões.”

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