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Tiago Bettencourt
© Francisco Romão Pereira / Time OutTiago Bettencourt

Tiago Bettencourt: “Não pensei em viver da música”

Tiago Bettencourt começou a celebrar os seus 20 anos de carreira este mês. Metemos conversa com o cantor e compositor antes do concerto no Coliseu dos Recreios.

Luís Filipe Rodrigues
Escrito por
Luís Filipe Rodrigues
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Quando um amigo o “convidou para fazer uma banda”, há mais de duas décadas, Tiago Bettencourt não imaginava o que o esperava. “Estava a divertir-me, no fundo. Nunca pensei em seguir carreira, em viver da música. Mas depois lançámos uma maquete e fomos para um concurso”, começa a contar o cantor e compositor outrora dos Toranja. “De repente as pessoas interessaram-se pelo que estávamos a fazer. Talvez porque era em português, tinha umas letras porreiras. Na altura não havia muita gente a cantar na nossa língua. Por isso tivemos logo propostas para fazer coisas.” Dois discos e cinco anos depois da primeira maquete e dos concertos iniciais, os Toranja separaram-se, mas Tiago Bettencourt nunca parou de tocar e começou a comemorar os seus 20 anos de carreira no domingo, 18 de Dezembro, na Casa da Música (Porto). As celebrações continuam na quinta-feira, 22, no já habitual concerto de Dezembro no Coliseu dos Recreios. E continuam em 2023.

Passados todos estes anos, Tiago não se imagina a fazer um trabalho das nove às cinco. Mas nem sempre foi assim. “Pensava que ia ser arquitecto. Para a minha família era um bocado impensável eu ser artista”, recorda. “Acho que agora é muito mais aceitável ser-se artista, mas na altura não era. A única profissão dentro das artes que seria aceitável, para um pai e para uma mãe, era arquitectura. Ainda pensei em ser pintor, e até estive pré-inscrito em Belas Artes, em Pintura. Mas acabei por ir para Arquitectura, que foi um curso que adorei.” No entanto, nunca chegou a exercer a profissão. “Gravei o primeiro disco [dos Toranja] em 2003, quando estava no 5.º ano. Ainda consegui estagiar com o meu tio em Paços de Ferreira, mas nunca me dediquei muito a isso. Deixei de ter tempo”, conta. “Mas também nunca disse a ninguém que ‘agora vou ser músico e não quero saber’. Nunca assumi. Acho que esse desprendimento também me ajudou a não me levar muito a sério.”

Depois do final dos Toranja, em 2006, ainda editou alguns discos como Tiago Bettencourt & Mantha. Mas o nome da banda acabou por cair. “Mudei de manager e ele disse: ‘Tiago isto não interessa nada, só confunde as pessoas’ [risos]. Porque ao princípio a minha ideia era isto ser tipo Nick Cave & The Bad Seeds. Mas aquilo, realmente, era um bocado confuso. Nas entrevistas perguntavam sempre quem eram os Mantha, e não sei quê. Então ficou só Tiago Bettencourt. Mas continuei a tocar com as mesmas pessoas.” Desses músicos, João Lencastre é o único que continua com ele. “O [também Tiago] Maia saiu há pouco tempo, para ir tocar com a Carminho. Esses dois sempre foram um bocado a espinha dorsal. Aliás, no primeiro [disco, O Jardim] éramos um power trio. Depois é que vieram vários teclistas diferentes. Fomos precisando de cada vez mais gente.”

E no Coliseu vai estar em palco ainda mais gente. Tiago Bettencourt e sua banda estarão acompanhados pela Orquestra Clássica do Centro. Não é a primeira vez que tocam juntos, mas desta vez, nos ensaios que começaram já em Dezembro, estão a experimentar “novos arranjos” para adicionar músicas ao repertório. Estas não são canções novas, mas algumas já não eram tocadas há muitos anos e tiveram de voltar a ser aprendidas por todos. “Decidi recuperar alguns temas que nunca foram single mas que as pessoas começaram a pedir nos concertos”, conta. “Temas meus e de Toranja também. Se bem que as pessoas já não pedem Toranja. Aliás, pedem uma música que vou tocar. Mas só muito pontualmente.” Recusa-se a revelar qual é a canção, adiantando apenas que o alinhamento “vai ser muito variado. E é possível que seja longo, por isso é melhor não levar crianças que depois ficam cheias de sono e querem ir-se embora.” Fica o aviso.

Até porque haverá mais oportunidade para os petizes se juntarem às celebrações dos 20 anos de carreira do cantor e compositor. Mais uma vez sem adiantar muitos detalhes, o músico reconhece que 2023 “é o ano em que se celebram os 20 anos [do Esquissos, o álbum de estreia dos Toranja], por isso hão-de acontecer várias coisas pontuais. E uma tour mais temática dos 20 anos.” Pode também haver um disco novo. Afinal, 2019 Rumo ao Eclipse já saiu em Outubro de 2020 e este homem não costuma passar mais de dois anos sem editar qualquer coisa. “Não trabalho muito em material novo quando não preciso de gravar um álbum. Mas estão a nascer-me músicas naturalmente, que é uma coisa que não costuma acontecer”, confessa. “É que depois de gravar um álbum fico completamente vazio de criatividade, a achar que nunca mais vou conseguir gravar na vida. Respeito muito essa fase. Vou a exposições, vou ver filmes, vou viajar, vou fazer coisas que me inspiram e que sei que mais tarde vão ser reflectidas nas letras.”

Antes de a conversa acabar, pergunta-se onde o cantor se imagina daqui a outros 20 anos. “Imagino o que não quero ser daqui a 20 anos. Quero ser um artista em paz. Nós vivemos num país onde os artistas não são bem tratados, a todos os níveis. Económico, obviamente, porque somos um país pequeno. Mas no geral não somos muito acarinhados. De cada vez que tens uma entrega de prémios há um artista a pedinchar qualquer coisa, porque realmente não temos apoios”, lembra. “Vivemos num país onde a cultura é pouco celebrada. E isso como consequência tem que muitos artistas, à medida que começam a envelhecer, ganham uma mágoa. E eu não quero ter essa mágoa daqui a 20 anos. Quero estar em paz comigo. Quero viver desprendido dessa falta de carinho que o país tem pelos seus artistas”, confessa. E o que se vê a fazer no futuro, para lá da música, talvez numa área onde seja mais acarinhado? “Penso bastante [em fazer outras coisas]. Não passa do pensamento, mas há-de acontecer. Sempre tirei muita fotografia, por exemplo”, sugere. “Mas são coisas que dão muito trabalho. E eu não quero ter muito trabalho [risos].”

Coliseu dos Recreios. Qui 22. 21.00. 18€-40€

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