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Os Demónios do meu avô
José Frade/EGEAC.Os Demónios do meu avô, de Nuno Beato

Há uma aldeia transmontana para ver na Rua da Esperança

A nova exposição temporária do Museu da Marioneta mostra os bastidores da primeira longa-metragem em stop motion de Nuno Beato.

Raquel Dias da Silva
Escrito por
Raquel Dias da Silva
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Rosa, uma profissional de topo, leva uma vida inteiramente dedicada ao trabalho. Mas a morte do avô, de quem se tinha progressivamente afastado, provoca-lhe um súbito ataque de ansiedade e uma inesperada reflexão sobre o que, afinal, quer para si. Partindo ao encontro do lugar e das memórias da sua infância, é no imaginário Vale de Sarronco que, sempre acompanhada, encontrará um novo rumo. Com data de estreia ainda por anunciar, Os Demónios do meu avô acompanha o regresso às origens da jovem protagonista e o seu confronto com a realidade, nostalgia e imaginação que habita em todos nós. De 11 de Fevereiro a 27 de Março, poderá ver no Museu da Marioneta parte da aldeia transmontana onde tudo acontece, bem como várias personagens e adereços utilizados no filme, que é a primeira longa-metragem de animação de Nuno Beato.

“Gostava de começar por chamar a atenção para uma questão, que é a do tempo de construção, no qual as pessoas hoje em dia não pensam muito, porque vêem uma hora de cinema e não compreendem imediatamente que, por trás, está quase o trabalho de um iluminador medieval”, diz a directora do Museu da Marioneta, Ana Rebelo Correia, em visita à nova exposição temporária “Do outro lado da câmara, os demónios do meu avô”, realizada em parceria com a MONSTRA – Festival de Animação de Lisboa. “Foi feito um estudo muito aprofundado da topografia, da geografia, dos personagens, das personalidades, dos movimentos, dos gestos. Para estarmos perante o resultado final, aquela tal hora de cinema, houve vários anos de bastidores. Esta questão do tempo é fundamental, é o tempo que nos permite construir coisas que tenham sentido.”

Os Demónios do meu avô
José Frade/EGEACOs Demónios do meu avô, de Nuno Beato

O projecto começou em 2014 como tudo começa: com uma ideia. O realizador Nuno Beato, que assina o argumento com Possidónio Cachapa, imaginou uma história sobre alguém que, em confronto com um momento de particular desassossego, decide mudar de vida. Entre a pesquisa e algumas visitas a Trás-os-Montes, passaram-se três anos. A pré-produção teve início em 2017, com a produção a arrancar apenas em 2021. Ainda em fase de conclusão, a longa-metragem, que cruza realidade e lenda, fala-nos, por um lado, da vontade e importância de não perder raízes e, por outro, das relações que cultivamos com os outros mas também connosco próprios. A acção decorre na tal aldeia transmontana, o imaginário Vale de Sarronco, povoado por humanos, animais e até assombrosos seres fantásticos, criados à imagem da tradição da arte naïf de barro do norte de Portugal, em particular do universo singular da ceramista Rosa Ramalho (1888-1997).

Foram precisos mais de 400 quilos de massa modelar DAS, semelhante à argila, para o revestimento principal dos cenários do filme, inclusive da aldeia em miniatura, que agora encontramos no Museu da Marioneta. Das micro-árvores de diferentes espécies, passando pelos caminhos, telhados, alpendres e hortas, até à carrinha da padaria O Galego, o nível de detalhe é impressionante. “Durante a fase de pesquisa, estudámos quer os ambientes quer a relação de toda a paisagem com a história. Esta cor de barro [predominante em todos os cenários] é muito importante, porque evoca as figuras de cerâmica inspiradas nas de Rosa Ramalho, os tais demónios do avô, que também constrói criaturas de argila para mistificar quem o rodeia. Tentei trazer isso para o filme, até porque em português temos a palavra ‘terra’ e a expressão ‘vou à terra’, e houve depois um trabalho de desenvolvimento neste sentido, de texturas”, desvenda Nuno Beato.

Rosa de Os Demónios do meu avô
José Frade/EGEACOs Demónios do meu avô, de Nuno Beato

Além da construção dos vários cenários, construídos em três escalas diferentes, também foi preciso fazer cerca de 120 moldes e impressas cerca de 56 cabeças e 701 caras. Em exposição, é possível ver desde protótipos até várias versões de diferentes personagens e respectivos adereços, como a protagonista Rosa, que muda de roupa e deixa crescer o cabelo ao longo da narrativa; João, amigo de Rosa, para quem foi construído um segundo par de pernas por causa de uma determinada cena; e dois habitantes do Vale de Sarronco, Laura e o seu filho Chico, cujas expressões podemos observar em diferentes caras impressas em resina 3D. “As vozes foram gravadas antes das filmagens, para os animadores terem como referência o áudio das falas. Assim é mais fácil criar os movimentos e dar-lhes personalidade”, partilha o realizador e produtor, que começou a carreira como animador e é co-fundador do estúdio Sardinha em Lata.

Com fundos europeus e o apoio do Instituto do Cinema e do Audiovisual, Os Demónios do meu avô é uma co-produção internacional com Espanha e França, conta com um investimento a rondar os três milhões de euros e inclui cerca de 15% de animação digital, para retratar a vida na cidade, em contraste com a ambiência artesanal da técnica de stop motion. Apesar de ainda não ter data de estreia, já é possível ter um vislumbre do resultado final: a exposição inclui um vídeo, uma espécie de aperitivo, e está prevista a exibição de cerca de 15 minutos da longa-metragem na 21ª edição da MONSTRA, que se realiza de 16 a 27 de Março. “Quando estrear em Portugal, estreará também em Espanha e França, mas gostávamos de chegar a várias partes do mundo. Queremos alcançar um patamar europeu capaz de nos colocar dentro daquilo que é o cinema de animação para o público geral, razão porque também tentámos sair do nicho. Criámos um filme que tem uma componente autoral forte, mas que tenta quebrar o estigma do cinema português”, remata Nuno Beato.

Museu da Marioneta, Rua da Esperança 146. Ter-Dom 10.00-18.00. 2,50€-5€. Grátis nas manhãs de domingo e feriados, mediante comprovativo de residência em Lisboa.

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