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Carlos Souto
Fotografia: Mariana Valle Lima

Herói Local: Carlos Souto, o projeccionista

Os projeccionistas estão em vias de extinção. Felizmente, ainda há quem saiba mexer em fitas de todos os tamanhos e feitios.

Renata Lima Lobo
Escrito por
Renata Lima Lobo
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Fala-se da magia do cinema, mas há também algo de mágico que se sente na sala a partir de onde é projectado um filme. É lá que trabalha o projeccionista, profissional em vias de extinção que vive num ingrato anonimato. Felizmente, ainda há quem saiba mexer em fitas de todos os tamanhos e feitios, fundamental para salas como o Cinema São Jorge, a grande casa dos festivais de cinema da cidade, que tem ao serviço dois projeccionistas com experiência para dar e vender. Um deles é Carlos Souto, que não só conhece todos os parafusos, lentes e roldanas dos projectores de filmes, analógicos e digitais, como tem um currículo quase tão impressionante como espectador de cinema. A sua própria vida dava um filme.

Nascido e criado na colina do Castelo de São Jorge, o destino ditou que o cinema com o mesmo nome seria também a sua casa, pelo menos há 16 anos, quando aqui entrou. Mas o caminho foi longo. Em pequeno, conta, corria todas as salas de cinema da cidade, nomeadamente os chamados cinemas “piolho”, de entrada acessível. Lembra, por exemplo, o Salão Lisboa, no Martim Moniz, que passava dois filmes por dia em sessões contínuas; o Cinema Arco-Íris (anexo ao Coliseu dos Recreios), que tinha apenas uma cortina a separar a rua da sala; ou um dos seus preferidos, o Jardim Cinema, na Avenida Álvares Cabral, que tinha umas cadeiras de verga com uma “almofadinha”, além de cinema ao ar livre no Verão.

A primeira experiência atrás do projector aconteceu na escola, quando ajudava os professores a projectar os filmes didácticos numa 16 mm. Depois foi para a tropa, mas levou o bichinho do cinema com ele: numa garagem do RALIS – Regimento de Artilharia de Lisboa chegou a projectar filmes para quem ali ficasse no fim-de-semana. Uma antecâmara do que viria a seguir: um primeiro emprego como projeccionista no Cine-Pátria, um “piolho” do Beato, propriedade de Baldomero Charneca, empresário que detinha várias salas na zona de Lisboa, por onde Carlos também passou. Como o Cinema Popular, no Poço do Bispo, ou o Cine-Teatro de Mafra. Pelo meio, Carlos foi contratado pela Lusomundo, tendo trabalhado no Cinema Berna e no Caleidoscópio, uma aventura que durou apenas seis meses, já que Baldomero pediu a Carlos que regressasse.

Depois os cinemas começaram a fechar e Carlos teve de se reinventar. Começou a trabalhar numa empresa que fazia a manutenção dos edifícios da EGEAC e o destino deu sinais de vida. “Eu a falar com o encarregado comentei que só me faltava passar filmes neste cinema [São Jorge], mas foi uma piada. O director técnico ouviu e disse que precisava de um projeccionista”, conta Carlos. Um dos últimos moicanos das bobinas e das fitas a rolar na cidade de Lisboa estava de volta aos bastidores. E por lá continua.

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