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Tal como no arquivo de João Machado, doado ao MUDE pelo designer em 2023, a cor é um elemento vibrante logo à entrada do quarto piso do museu. Até Outubro, este é o espaço dedicado a expor 50 anos de trabalho de um dos mais proeminentes e internacionalmente reconhecidos designers gráficos portugueses. Dezenas de propostas sucedem-se por ordem cronológica e, entre diferentes suportes, há um que se destaca em absoluto: o cartaz.
"O João não é só um dos designers mais prolíferos em termos da sua produtividade, produzindo para os mais diferentes sectores da economia e da cultura, desde festivais de animação, câmaras municipais, empresas, marcas, indústrias, mas também por ser dos mais ricos na sua diversidade – desenhou livros, selos, catálogos. Mas a paixão é o cartaz", começa por contextualizar Bárbara Coutinho, directora do museu.
Uma selecção feita entre mais de um milhar de itens, com Francisco Providência a assinar a curadoria. O mesmo curador escolheu a expressão "poética visual" para definir a obra de Machado, autor que criou uma linguagem própria e inconfundível, assente no optimismo cromático e num trabalho de formas que dispensa o texto escrito, embora a inclusão da palavra tenha sido, ao longo destas cinco décadas, quase sempre uma inevitabilidade. Não é por acaso: mais do que um designer gráfico, João Machado considera-se até hoje um artista gráfico.

"Este texto não era preciso, mas era obrigatório", exclama Machado, voltado para um dos muitos cartazes da exposição. "A mensagem já está lá", completa o autor, hoje com 83 anos e ainda no activo. A sensibilidade artística acompanha-o desde sempre, talvez por culpa da formação em Escultura, na Escola Superior de Belas-Artes do Porto. "Nas Belas-Artes fui obrigado a fazer as cadeiras de Pintura e Escultura. Depois, tinha de cair para qualquer lado, mas não caí para nenhum dos dois. Nunca perdi o vício de desenhar. Com o passar do tempo, fui pondo de parte a escultura e aproveitei para fazer aquilo de que mais gostava, que era o desenho e a ilustração", resume.
"Há uma dimensão lírica nos cartazes. Se calhar, vem do facto de não ser formado em design gráfico ou design industrial. E vários autores referem que a identidade do João é tão forte que, como na pintura, se pode dizer: isto é um João Machado. Há uma gramática recorrente, que vai sendo reinterpretada à luz de uma série de outras influências – de conhecimentos, partilhas, colaborações", acrescenta Bárbara Coutinho.
A viagem no tempo e na obra é aqui facilitada pelo design expositivo de Miguel Palmeiro, do estúdio united by. Através do vidro de uma vitrine, vemos velhas figuras a preto e branco, desenhadas para a tele-escola. Jogos infantis exibem cor e geometria, o duo que acompanhou o trabalho do autor durante décadas. Destaque para o cartaz do 1º Congresso Internacional de Estudos Pessoanos, em Abril de 1978, um belíssimo exemplo de como a manchas de cor sólida de João Machado foram também sintomas de frescura e modernidade.

Ao longo do tempo mudam os temas, mas também as influências estéticas. Se os anos 80 ficaram marcados pelo trabalho com as indústrias portuguesas, visualmente marcado pela força da escola polaca, entre outras, os anos 90 e 2000 trouxeram à tona as preocupações ambientais e humanitárias, juntamente com uma forte vaga de inspiração na cultura visual japonesa. O branco conquistou território às cores eléctricas e as formas tornaram-se mais orgânicas. A cultura, essa, acompanhou-o sempre. O exemplo mais flagrante é o Cinanima – Festival Internacional de Cinema de Animação, que chega este ano à 49.ª edição. João Machado é o autor do cartaz desde o primeiro ano.
As ferramentas digitais bateram à porta e o designer artista, outrora também conhecido pelo experimentalismo analógico, explorou-as em benefício da criatividade. Reforçaram-se as ligações institucionais – o primeiro selo de Timor como Estado independente, os Jogos Olímpicos de Londres em 2012, a estreita ligação com o Museu do Poster de Ogaki, no Japão. Foi ainda nos anos 90, aliás, que Machado aterrou no outro lado do mundo, com uma primeira exposição, e se tornou próximo do designer Shigeo Fukuda.

A retrospectiva traz-nos até aos dias de hoje. No final, encontramos também um artista designer que não resiste à tentação que é o auto-retrato. A visita não acaba aqui, alguns dos originais podem ser vistos de perto na sala das reservas visitáveis, também no quarto piso. Esses cartazes, à semelhança de todos os outros, não vão a lado nenhum. O autor confiou-os ao MUDE e aqui ficarão.
Rua Augusta, 24 (Baixa). Até 12 Out. Ter-Qui, Dom 10.00-19.00. Sex-Sáb 10.00-21.00. 11€-15€ (entrada gratuita para residentes no concelho de Lisboa Sex 17.00-21.00 e Dom 10.00-14.00)
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