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Cláudia Gaiolas
Fotografia: Manuel LinoA Quinta dos Animais, de Tónan Quito

Tónan Quito põe as crianças a pensar em política com fábula de Orwell

Em Fevereiro, os animais dominam a agenda do LU.CA – Teatro Luís de Camões. Em palco, a primeira criação para os mais novos de Tónan Quito convida-os a reflectir sobre a tomada de poder.

Raquel Dias da Silva
Escrito por
Raquel Dias da Silva
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Major pressente-o, irá seguramente morrer dentro de pouco tempo. Antes, tem uma coisa a dizer aos seus camaradas. Está na hora de uma revolução, é preciso reivindicar felicidade e tempo de descanso. Para isso, têm de se unir contra o Homem – contra o senhor Reis em particular, que governa a Quinta do Infantado com mão de ferro. Só depois serão, finalmente, livres. A não ser, claro, que a história se repita e o poder volte a cair nas mãos erradas. Com texto de Inês Fonseca Santos, a partir de A Quinta dos Animais, de George Orwell, a primeira criação para a infância de Tónan Quito convida-nos, por um lado, a reflectir sobre a tomada de poder e a forma como nos relacionamos uns com os outros e, por outro, a estar atento, não perdendo a capacidade de questionar, sobretudo em tempos de incerteza e medo.

Publicada em 1945, após o combate de George Orwell na Guerra Civil Espanhola, ao lado dos anarquistas, a famosa fábula distópica conta a história de um grupo de animais que, fartos da exploração a que estão sujeitos, decidem encetar uma revolta. Infelizmente, quando uma outra elite astuta toma o poder, as promessas de fartura e liberdade são adiadas. “Lembro-me de o ler para aí com uns 18 ou 19 anos. Achei, desde logo, que poderia ser interessante adaptar para crianças da faixa dos 10-12. É um bom texto para começar a pensar na política e nos perigos da política, nestas pessoas capazes de manipular os outros e, de repente, criar regimes autoritários”, diz-nos o encenador ao telefone. “Imaginei sempre o espectáculo como uma espécie de assembleia. Não é exactamente o que acontecerá, mas a intenção está no tom e quando a Cláudia faz perguntas espera de facto respostas.”

animais em miniatura
Fotografia: Manuel LinoA Quinta dos Animais, de Tónan Quito

Em palco, uma versão miniatura da malfadada Quinta do Infantado surge deslumbrante, quase magnética, aos olhos dos pequenos espectadores, mesmo daqueles que já se acham muito crescidos. A actriz Cláudia Gaiolas assume não só o papel do narrador e dos diferentes protagonistas, como vira realizadora, de telemóvel na mão, a gravar em directo o mundo que a rodeia. “A introdução da tecnologia serve, por um lado, para criar um contraste entre a contemporaneidade e as miniaturas, que em comparação já são arcaicas; e, por outro, para facilitar a visualização de certas cenas através da projecção de vídeo em tempo real”, esclarece Tónan Quito. “É também uma maneira de incluir o público”, acrescenta a actriz. “Há um apelo à sua intervenção. Por exemplo, numa determinada cena, onde são chamados a votar. Nós queremos ouvi-los.” Ainda que, porventura sem o esperarem, venham a ser confrontados com o que acontece quando um único indivíduo cede às suas fraquezas e inclinações mais obscuras.

Quando Major exortou os seus camaradas contra os seres humanos, é provável que, apesar de todos os seus anos de experiência, não tenha pensado no que poderia acontecer se os seus ideais fossem traídos pela tirania e corrupção dos seus irmãos porcos. Muito menos, arriscamos dizer, de um único porco. Um único porco, sedento de poder, é quanto basta. “É curioso ver como o Napoleão, a certa altura, retira o próprio narrador de cena e a assume toda para ele, como o ditador que é. Ele ficciona o seu próprio caminho, num crescendo, até tomar o lugar de todos os animais, conquistando-os pelo discurso e enfraquecendo-os com a falta de comida”, partilha Cláudia, recordando como na primeira apresentação do espectáculo, em Torres Novas, algumas crianças se deixaram seduzir. Afinal, como resistir à promessa de uma manjedoura cheia?

Cláudia Gaiolas em palco
Fotografia: Manuel LinoA Quinta dos Animais, de Tónan Quito

É no rescaldo da vitória, superado o lugar de insatisfação, que devemos estar mais atentos. É importante, diz-nos o texto nas entrelinhas, não nos deixarmos amansar nem perdermos a capacidade de vigiar e questionar ‘quem manda aqui’ e, mais importante, ‘como’. “Temos de estar informados e não nos deixarmos ir por discursos populistas e fáceis. Não é o caminho mais rápido, mas é o certo”, alerta Tónan Quito. “Depois das últimas eleições em Portugal, estamos na altura perfeita para levar este espectáculo a palco”, remata, relembrando que está prevista uma conversa com os artistas a 5 de Fevereiro. A estreia no LU.CA – Teatro Luís de Camões está marcada para esta sexta-feira, 4 de Fevereiro, às 18.30. A peça fica em cena até dia 13.

LU.CA – Teatro Luís de Camões. Calçada da Ajuda 76-80. 4-13 Fev. Sex 18.30 e Sáb-Dom 16.30. 3€-7€.

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