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Polícia Sinaleiro
©Arquivo Municipal de Lisboa Colecção Ferreira da Cunha, PT/AMLSB/EFC/000975

Lisboa perdida: o roteiro de uma cidade que já só existe em imagens

Trazemos-lhe um roteiro de uma cidade que desapareceu e já só existe em imagens antigas a preto e branco.

Escrito por
Eurico de Barros
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Um café forrado a espelhos; um cine-teatro de dimensões colossais; uma perfumaria onde se filmaram cenas de uma comédia clássica portuguesa; uma loja com uma rampa; um hotel no qual se hospedaram Frank Sinatra, Maria Callas e Calouste Gulbenkian. Estes são apenas alguns dos muitos locais que Lisboa perdeu para sempre e que se evocam neste roteiro de uma cidade que já só existe em imagens. Liberte o lado saudosista que há em si e, se no final da viagem ficar com a sensação de que soube a pouco, não dramatize. Sugerimos-lhe ainda algumas lojas antigas cujos negócios vão de vento em popa para visitar.

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A Lisboa que já se perdeu

O Café Que Reluzia
©Luis Pavão - Biblioteca de Arte Fundação Calouste Gulbenkian

O Café Que Reluzia

Café Cristal

Diz quem o frequentou que era um dos cafés mais bonitos de Lisboa. E seria um dos mais originais, de certeza. O Café Cristal era totalmente revestido a espelhos e abriu as suas portas, nos números 131 a 137 da Avenida da Liberdade, em Novembro de 1941. A sua decoração não se limitava à profusão de espelhos. Incluía também pinturas de esmalte sobre vidro da autoria de Jorge Barradas, bem como um relógio de cuco rodeado por abelhas luminosas, que foi muito comentado e elogiado pela imprensa aquando da inauguração do estabelecimento. O restaurante do Café Cristal, que ficava numa sala ao lado da do café propriamente dito, também se distinguia pela sua decoração superabundante em espelhos, mais ainda do que a daquele. Fechou nos anos 60 e o interior foi todo destruído.

Bica, Bilhar e Jogo
©Luis Pavão - Biblioteca de Arte Fundação Calouste Gulbenkian

Bica, Bilhar e Jogo

Café Portugal

A grande sala dos bilhares do Café Portugal, no Rossio, aberto em 1938, não servia só para dar umas tacadas. Podia-se também ficar sentado numa das mesas existentes a tomar a bica ou a lanchar e a ver as partidas. Durante anos, o Café Portugal teve um frequentador que se sentava sempre na mesma mesa, na sala dos bilhares, e ali ficava horas a fio, a ler livros, a beber café e a fumar. Quando um dia alguém lhe perguntou se o ruído dos tacos não o incomodava, respondeu: “É a minha música de fundo”. Decorado com uma estátua de Leopoldo de Almeida, frescos de Jorge Barradas e uma magnífica pintura de Roberto de Araújo, o Portugal tinha ainda, a um canto, uma mesa reservada para os jogos de cartas. Fechou nos anos 70 e foi um salão de jogos e uma megastore da Valentim de Carvalho. Hoje, está lá uma sapataria.

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Europa Duas Vezes
©Luis Pavão - Biblioteca de Arte Fundação Calouste Gulbenkian

Europa Duas Vezes

Cinema Europa

Parafraseando Vasco Santana, o Cinema Europa não foi só um, foram dois, sempre no mesmo sítio de Campo de Ourique. O primeiro Europa funcionou entre 1931 e 1957, quando seria demolido para dar lugar, em 1966, a um Europa maior e mais moderno, sentando cerca de 850 espectadores (já antes tinha recebido obras de remodelação). O destaque da nova decoração, feita num estilo que combinava elementos clássicos e modernos, era o belíssimo painel de azulejos de Fred Kradolfer, que ocupava uma parede inteira junto ao bar. Deixou de funcionar como cinema em 1981, passando a servir de espaço para gravar programas de televisão. Hoje é um prédio residencial, que conserva na fachada a escultura de Euclides Vaz representando Europa e o Touro.

Comprar Com Chique
©Arquivo Municipal de Lisboa Colecção Armando Maia Serôrdio PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/SER/S04997

Comprar Com Chique

Grandes Armazéns do Chiado

Antes de ser um dos maiores templos do comércio de Lisboa, o edifício dos Grandes Armazéns do Chiado foi ocupado, entre os séculos XVIII e XIX, por uma ordem religiosa, por um aristocrata, o barão de Barcelinhos, que ali instalou o palácio com o seu nome, e finalmente por dois hotéis. Inaugurados em 1894 por dois franceses, que o conceberam à imagem dos grandes e luxuosos estabelecimentos comerciais parisienses, os Grandes Armazéns do Chiado ofereciam uma vasta e distinta gama de produtos aos clientes, e vieram transformar o comércio na Baixa. Foram destruídos no grande incêndio do Chiado, a 25 de Agosto de 1988, quando estavam à beira da falência técnica. O edifício foi reconstruído, com projecto de Álvaro Siza Vieira, e reabriu em 1999, de novo como espaço comercial.

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Orpheu Era Na Baixa
©Luis Pavão - Biblioteca de Arte Fundação Calouste Gulbenkian

Orpheu Era Na Baixa

Livraria Ática

Livraria mais bonita e mais acolhedora não houve antes na Baixa, nem voltou mais a haver, segundo a opinião de quem frequentou a Ática, situada na esquina da Rua do Carmo com a Rua Garrett, e que levou o nome da editora de Fernando Pessoa, Almada Negreiros, Mário de Sá-Carneiro e Jorge de Sena, entre muitos outros. Inaugurada em 1946, 16 anos depois da editora, a luxuosa e moderna Livraria Ática foi um projecto do poeta e editor Luís de Montalvôr, fundador e director da revista Orpheu, também responsável por aquela. A trágica morte de Luiz de Montalvôr, da mulher e do seu único filho, afogados no Tejo num desastre de carro em 1947, levaria ao encerramento da livraria, em 1950. O seu espaço está agora ocupado por uma loja de cafés.

Maior Não Houve
©Luis Pavão - Biblioteca de Arte Fundação Calouste Gulbenkian

Maior Não Houve

Cine-Teatro Monumental

Juntar no mesmo edifício, no centro de Lisboa, um cinema e um teatro, ambos de grandes dimensões, requintados e inseridos num conjunto arquitectónico de referência na cidade, foi a intenção dos responsáveis pela construção do Cine-Teatro Monumental, no Saldanha, que marcou várias gerações de espectadores. Incluindo ainda um café-restaurante e um salão de chá, e dotado do mais moderno equipamento técnico da altura, o Monumental, projectado pelo arquitecto Raul Rodrigues Lima e inaugurado em 1951, fazia bem jus ao seu nome, sendo único no seu género em todo o mundo. Em 1971, ganhou uma sala-estúdio, o Satélite. Fechado em 1983, em plena crise de público nas salas, o Monumental seria demolido em 1984, causando uma enorme comoção entre os lisboetas.

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Luxo Digno De Reis
©Luis Pavão - Biblioteca de Arte Fundação Calouste Gulbenkian

Luxo Digno De Reis

Hotel Aviz

Frank Sinatra, Maria Callas, Marcello Mastroianni, Amália Rodrigues, Ava Gardner, Eva Perón, os duques de Windsor, o rei Humberto de Itália, o general Dwight Eisenhower, Somerset Maugham ou Calouste Gulbenkian, que lá morou durante os últimos anos da sua vida, estão entre os hóspedes mais ilustres do Hotel Aviz, instalado em 1933 num palacete projectado por Ventura Terra em 1904 sob encomenda de José Joaquim da Silva Graça, dono e director do diário O Século, que lá morou durante vários anos. O Hotel Aviz e o Palace Hotel do Buçaco foram, durante muito tempo, os dois únicos hotéis de luxo em Portugal. O hotel e o jardim que o rodeava foram arrasados em 1962. No espaço que ocuparam erguem-se, desde o princípio da década de 70, o Edifício Aviz e o Hotel Sheraton.

O Campo Vinha À Cidade
©Arquivo Municipal de Lisboa Colecção Eduardo Portugal, PT/AMLSB/CMLSBAH/PCSP/004/EDP/000728

O Campo Vinha À Cidade

Mercado da Praça da Figueira

Começou por ser um espaço de venda de frutas e legumes, em 1755, no terreno das ruínas do Hospital de Todos os Santos, ainda no tempo do Marquês de Pombal. Passaria depois a praça fixa, sendo sucessivamente alterada e melhorada, até que em 1855 foi inaugurado, com grande pompa, o novo Mercado da Praça da Figueira, um enorme edifício rectangular em estrutura metálica, onde se comerciavam, em pleno centro da cidade, todos os produtos alimentícios necessários aos lisboetas, da fruta e das hortaliças à criação e ao gado. Em 1947, por questões ligadas à circulação de veículos, mas também de higiene pública, a vereação decidiu a demolição do mercado, com grande resistência interna e da opinião pública. O fim chegou em 1949 e a estrutura foi comprada em leilão por um sucateiro.

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Elevador, Meias e Jeans
©Luis Pavão - Biblioteca de Arte Fundação Calouste Gulbenkian

Elevador, Meias e Jeans

Loja das Meias

Foi a primeira a instalar um elevador, em 1925, a vender meias de vidro e a ter uma secção de perfumaria, nos anos 30, e blue jeans, na década de 60. Fundada em 1905, a Loja das Meias começou por vender só meias e espartilhos. Em 1925, fez obras de ampliação e 1933 foi o ano da remodelação das fachadas, de uma nova ampliação e da criação de novas secções, com projecto de Raul Lino e a colaboração de vários grandes artistas plásticos da época. Nos anos 60, dá-se mais uma remodelação, em que participaram o arquitecto Carlos Tojal e Querubim Lapa. Loja das Meias era sinónimo de luxo e prestígio, e entre os seus clientes estiveram Orson Welles, Elsa Schiaparelli, e o Barão de Rotschild. A loja mãe da Rua Augusta fechou em 2007, mas a marca mantém lojas em Lisboa e Cascais.

Comer À Moderna
©Luis Pavão - Biblioteca de Arte Fundação Calouste Gulbenkian

Comer À Moderna

Restaurante e Snack-Bar Pam-Pam

“Servir ao gosto moderno” era a intenção do restaurante e snack-bar Pam-Pam, pelo que muitos dos seus habitués passaram a dizer que iam “comer à moderna” quando lá se dirigiam para matar a fome. Aberto na Avenida Almirante Reis em Fevereiro de 1956, e distinguindo-se logo pelo seu letreiro de néon representando um tambor estilizado, o Pam-Pam foi projectado pela dupla de arquitectos Bento de Almeida e Victor Palla. Dez anos mais tarde, eles seriam também os pais do Galeto, que ainda continua de pedra e cal na Avenida da República. Moderno, bonito, luminoso e arejado, o Pam-Pam, que tinha também serviço de pastelaria e salão de chá, apresentava, entre outras novidades, um balcão para refeições rápidas. Fechou algures entre as décadas de 60 e 70 e no seu lugar encontra-se agora outro restaurante.

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Rampa, Roupa E Arte
©Luis Pavão - Biblioteca de Arte Fundação Calouste Gulbenkian

Rampa, Roupa E Arte

Loja Rampa

“Uma loja com uma rampa lá dentro? Mas que disparate!” era um dos comentários negativos que se ouviram aquando da abertura da original e sofisticada Loja Rampa, em Junho de 1956, no Largo Rafael Bordalo Pinheiro, e cuja atracção era a elegante rampa em espiral que unia os seus três pisos. Mas houve também que não poupasse elogios a este projecto do arquitecto Conceição Silva, que também se encarregou da concepção de todo o mobiliário, confiando o pórtico do estabelecimento a Querubim Lapa. Além de roupa para homem, senhora e criança, a Loja Rampa vendia ainda obras de arte, incluindo cerâmica e mobiliário, de nomes como Almada Negreiros, Júlio Pomar, Cargaleiro, Carlos Calvet ou do próprio Querubim Lapa. Foi demolida nos anos 80, com o prédio onde estava instalada.

A Loja Do "Pai Tirando"
©Luis Pavão - Biblioteca de Arte Fundação Calouste Gulbenkian

A Loja Do "Pai Tirando"

Perfumaria da Moda

António Lopes Ribeiro imortalizou a Perfumaria da Moda no seu filme O Pai Tirano (1941). É lá que atende ao balcão a bela Tatão (Leonor Maia), pela qual está apaixonado Francisco Mega (Ribeirinho), que trabalha mesmo lá ao pé, no Grandella; mas que também é cobiçada pelo “cínico” da fita, o ricaço, elegante e bem-falante Artur Castro (Arthur Duarte). Essas cenas de O Pai Tirano permitem-nos saber como era então a perfumaria mais bonita, mais conhecida e com mais luxo de Lisboa, que se chamava originalmente Au Bonheur des Dames, como a loja homónima do romance de Émile Zola publicado em 1883. Em 1917, foi rebatizada Perfumaria da Moda. Requintadamente decorada em talha por Jorge Pereira, foi destruída no incêndio do Chiado. Reabriu mais tarde como loja de roupa, com a entrada reconstruída e o nome original.

Ai, Lisboa

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  • Livrarias

A cidade tem pano para mangas e muitas histórias para contar. E são muitos os que partilham as suas investigações, talentos, experiências e sapiência nas páginas destes livros sobre Lisboa. As edições que se seguem têm a cidade das sete colinas como pano de fundo, embora a tratem sob diferentes perspectivas, de transportes públicos, arte, cultura e roteiros a histórias de tempos idos ou até a um gato aventureiro. Mas se há conclusão comum a todos estes livros sobre Lisboa, é que a cidade tem um grande potencial no papel.

  • Atracções

Responda rápido, por favor: qual é a pata direita do cavalo de D. José? Se precisa de ir ao Terreiro do Paço confirmar é porque preciso mesmo da nossa ajuda. Aqui na Time Out gostamos de sugerir pratos e restaurantes mas não somos os melhores do mundo a alimentar as dúvidas. Aliás, se dependesse de nós andava toda a gente com a curiosidade saciada. Há, no entanto, aquelas questões que nos assombram quando vamos no trânsito, aquele ponto de interrogação que paira sobre nós à saída do duche — o trocadilho da para é só um dos muitos que nos interpelam. 

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