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Feud: Truman Capote Vs The Swans
Pari Dukovic/FXNaomi Watts em ‘Feud: Truman Capote Vs The Swans’

Ascensão e queda do escritor e das socialites

‘Feud: Truman Capote vs. The Swans’ (HBO Max) é o regresso de Ryan Murphy a esta série de antologia – e é um dos pontos altos do ano no streaming.

Escrito por
Eurico de Barros
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★★★★☆

Depois da história da lendária inimizade entre Bette David e Joan Crawford em Hollywood, Ryan Murphy instalou-se em Nova Iorque para, na segunda série da sua antologia Feud (HBO Max), recriar a história da amizade, e da ruptura, entre o escritor Truman Capote (Tom Hollander) e o grupo de mulheres do topo da alta sociedade da Big Apple (Naomi Watts, Diane Lane, Chloë Sevigny e Calista Flockhart) que ele frequentava e que baptizou de “Cisnes”, passadas entre os anos 60 e 90, e alicerçada no livro Capote’s Women, de Laurence Leamer.

Alçado a celebridade literária e mediática, sobretudo pelo seu livro de A Sangue Frio, Truman Capote passou a fazer parte integrante do mais exclusivo círculo social nova-iorquino, e a acompanhar o quarteto de mulheres riquíssimas, famosas e influentes que ditavam as modas e as tendências, liderado por Babe Paley (Watts), mulher do poderosíssimo Bill Paley (o malogrado Treat Williams), presidente da CBS. Capote era parte “amigo gay” devotadíssimo e de estimação, parte bobo da corte de luxo e com cachet cultural, que as entretia com os seus mexericos picantes, histórias escandalosas e uma língua viperina até ao friamente cruel, e lhes servia de ombro para se lamentarem de maridos e amantes, e confessarem angústias e temores; elas, pelo seu lado, satisfaziam-lhe o enorme ego, davam-lhe acesso a um mundo de privilégios e sofisticação, entre almoços nos melhores restaurantes, viagens e fins-de-semana de sonho, festas e outros grandes acontecimentos sociais, e proporcionavam-lhe uma companhia, e uma atenção e um afecto femininos de que ele era avidamente carente.

Tudo acabou em 1975, quando Truman Capote publicou, na revista New Yorker, La Côte Basque, um excerto do seu futuro livro Súplicas Atendidas (que acabaria por ser só publicado postumamente), em que traía a confiança e expunha a intimidade dos seus “Cisnes”, retratando-as em personagens com nomes ficcionais, mas sendo mesmo assim facilmente reconhecíveis. Capote caiu em desgraça, foi banido do convívio do quarteto, viu-se limitado no acesso à circulação social nova-iorquina e nunca mais conseguiu acabar a obra. 

Em Feud: Truman Capote Vs The Swans, cujos episódios foram quase todos assinados por Gus Van Sant, Ryan Murphy e o argumentista Jon Robin Baitz vão muito para além das superficialidades da mera crónica social e do sensacionalismo das bisbilhotices, dos escândalos e das misérias dos abastados e famosos, mostrando quão forte, genuína e importante para ambos era a amizade entre Capote e Babe Paley; detalhando a promíscua vida sentimental do escritor e a sua desconcertante personalidade, revelando como os dramas da sua infância e a relação com a mãe (interpretada por Jessica Lange e que aparece ou depois de morta ou em flashbacks) o marcaram para sempre, as suas inseguranças, medos e a dependência da bebida e dos fármacos, assim como o seu insólito estatuto de autor consagrado e personalidade pop e camp; desvendando o vazio, a solidão e as frustrações íntimas e familiares das vidas dos “Cisnes”, escondidas pelas enormes casas de campo, os apartamentos luxuosos, as colecções de arte, as galas de beneficência e as festas particulares; e retratando o apogeu do mundo social de Nova Iorque nos meados do século XX, até ao fim dessa era na década de 80. E a série consegue ser tanto mais verista, grave e pungente, quanto se nega a tombar no espalhafatoso e no caricatural, e a fechar as personagens em estereótipos fáceis, complacentes ou reducionistas. 

Os oito episódios têm quase uma hora cada um, e sente-se por vezes que Murphy e Maitz podiam ter sido mais sintéticos e largado algum lastro de palha. O episódio – ficcional – em que James Baldwin e Truman Capote passam um dia inteiro juntos, e aquele diz várias verdades duras ao seu amigo e colega de escrita, entre um almoço gourmet, uma visita ao Met e um copo num bar gay acanalhado, destoa bastante dos demais, porque muito e insistentemente demonstrativo e sentencioso sobre os temas da homossexualidade e do racismo; e se a série tivesse acabado no sétimo, também não teria ficado mal. 

O expansivo e atormentado Truman Capote de Tom Hollander, que consegue transportar a personagem do ligeiro ao patético sem tiques, histrionismo ou abuso de afectação e maneirismos, não fica a dever nada ao de Philip Seymour Hoffman em Capote, de Bennett Miller, nem ao de Toby Jones no menos conhecido Infame, de Douglas McGrath. E as intérpretes dos “Cisnes” são uniformemente óptimas, embora Naomi Watts em Babe Paley e Chloë Sevigny em C.Z. Guest se destaquem mais, devido à sua maior intimidade com Capote. Posto tudo isto, é inegável que Feud: Truman Capote Vs The Swans é um dos pontos altos do ano no streaming. E esperemos que não tenhamos que aguardar mais sete anos para vermos a próxima série da antologia, como sucedeu entre a primeira e esta.

Mais críticas de televisão

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  • Filmes

★★★

O melhor elogio que podemos fazer a ‘Chorus Girls’ (TV Cine Edition) é que pede meças às séries inglesas do mesmo formato e matriz narrativa.

 

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