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José Condessa
Fotografia: Arlei LimaJosé Condessa

José Condessa: “Não quero ser o homem que só faz galãs”

José Condessa é um dos protagonistas da série ‘Rabo de Peixe’ e o primeiro actor português a trabalhar com Almodóvar.

Renata Lima Lobo
Escrito por
Renata Lima Lobo
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Entrevista originalmente publicada em Maio, na edição especial da Time Out Lisboa dedicada ao Barreiro.

Começou no teatro e chegou à televisão aos 18. Este ano a carreira está a ganhar ainda mais fôlego. Após ter sido Hamlet (2021) pelo Teatro Experimental de Cascais e protagonista da série O Crime do Padre Amaro (2023), na RTP, José Condessa veste a pele de Eduardo em Rabo de Peixe, a segunda produção portuguesa da Netflix, e integra o elenco de Estranha Forma de Vida, de Pedro Almodóvar.

Já andas nisto há algum tempo, mas sentes que Maio é um ponto de viragem na tua carreira?
É inegável que é um mês importante. Estou muito nervoso, não sei bem como reagir. Estou confiante com o trabalho desenvolvido, isso estou, tenho plena consciência do que fizemos.

É que andei a cuscar o teu Twitter, onde partilhaste o trailer de Rabo de Peixe e escreveste: “Podem beliscar-me?” Como está esse braço?
Está muito beliscado. A seguir a esta fase toda do ano passado, quando filmámos, tive um tempo de paragem, que é muito importante a nível profissional. Estamos numa profissão em que parece que nos é exigida uma coisa atrás da outra. A pergunta é sempre: e a seguir, o que é que vem? E, às vezes, como actor, não reciclo o suficiente para poder realmente limpar e começar do zero uma personagem nova.

Tens medo de parar?
Acho que é um medo imposto, sabes? Pelas perguntas normais que te vão fazendo. “Agora acabou e a seguir o que vais fazer?” Normalmente é assim que acabam as entrevistas em qualquer lugar, não é? Que é normal, é uma ideia de continuidade. É sempre bom e é bom sentirmos que as pessoas gostam de nós e que querem que nos continuem a desafiar. Acho é que como actor preciso saber utilizar esse tempo para reciclar.

Por causa da construção dos personagens?
Para mim é isso. E a questão do belisca-me, às vezes, é sentir que está a acontecer, sentir que foi importante para mim, que agora é real. E sei que seria mentira se dissesse que não sei que Rabo de Peixe é um projecto diferente e que o próprio filme do Almodóvar também é um projecto diferente. São especiais de alguma forma.

Rabo de Peixe é um original Netflix. Notaste alguma diferença em relação ao que tens feito até agora?
Bastante diferença e acho que isso é muito bom. E o investimento passa logo por uma questão de tempo de preparação, que não é visível. Acho que não minto se disser que não existiu em Portugal, até Rabo de Peixe, uma preparação de três meses para começar um projecto. Nós, actores, tivemos três meses de preparação, desde a parte do guião a uma construção de personagem com a Ana Padrão, por exemplo, de encontrar este caminho das personagens. Eu fui para Rabo de Peixe duas semanas sozinho, depois fomos duas semanas com o núcleo duro da série, para conhecer aquela realidade. Para pescar, para conhecer as pessoas, as tradições, os medos, os sonhos, conhecer as crianças de lá, como é que pensam. Isto dá-nos bagagem. Sinto neste projecto uma coisa que eu luto muito para fazer, mas nem sempre me é permitido. De criar um personagem que existe para além daquilo que está escrito. Ou seja, se numa situação qualquer me pedirem para fazer uma coisa que não está no guião, eu sei como é que o meu personagem vive nesse contexto. Daí beliscar-me, de sentir que aquilo passou a ser real.

José Condessa
Fotografia: Arlei LimaJosé Condessa

Ao mesmo tempo, vai estrear este mês o filme do Almodóvar, Estranha Forma de Vida. Como é que o papel chegou às tuas mãos?
Através de casting. O que é bastante bom, no sentido em que foram várias fases de casting. No início não sabia bem o que era. Sabíamos que era um projecto em Espanha, mas pouco mais. E depois as fases de casting foram passando, até que fui a Madrid para um presencial. E foi quando tive a sensação que ia conhecer o Almodóvar.

Que relação é que tinhas com o trabalho dele antes disto?
Conheço muito bem. Ele criou um cinema, não é? Muitas vezes usamos essa referência quando vemos um filme ou alguma referência numa série em que “isto é muito Almodóvar”. Já vi praticamente todos os filmes dele, mas a mim agrada-me muito, acima de tudo, o lado revolucionário, principalmente depois da ditadura franquista. Ter oportunidade de falar com ele sobre isto também, a mim cultivou-me muito como artista. Ele começa com uma banda em que as letras eram... imagina os filmes dele, principalmente os primeiros, disruptivos, a quebrar completamente com a Igreja.

Como no filme Negros Hábitos [1983].
Isso, exactamente. Mas imagina isso em música, era essa a onda. E ele gosta muito de actores e eu também me identifico muito com essa forma de trabalhar. Podia simplesmente ser só um grande realizador e de repente termos formas diferentes e eu só aprender com ele. Mas ali há uma partilha grande, tem mesmo essa generosidade. Ele ama os actores que dirige, porque ama o cinema. E percebe que cada um de nós tem uma coisa a acrescentar, por mais pequena que seja. E não é de todo o que nós às vezes costumamos chamar de realizador pionés. Em que diz “faz isto” e estás preso neste ponto. É o contrário, tudo o que possas trazer para a personagem, ele bebe do que tu dizes.

Dizias que ele foi revolucionário e neste novo filme, um western queer, pega num tema que, infelizmente, continua a ser controverso.
É a resposta ao Brokeback Mountain, porque ele tinha sido convidado para o realizar e não teve a oportunidade. E gostaria de dar uma resposta ao filme que nunca fez. Por isso, é esse universo, mas a história de amor é muito mais do que isso, é muito bonita mesmo.

A propósito de Estranha Forma de Vida, o Almodóvar disse: “Não há existência mais estranha do que aquela que se vive dando as costas aos próprios desejos.” Tens essa leitura?
A ideia do filme e do título vem de ele gostar muito do poema e da música da Amália. Eu não consigo pôr palavras na boca dele, mas conhecendo o guião como conheço, é exactamente isso. É um western de época e a história de dois homens que sempre se amaram e que têm de fingir, porque “deve ser assim”. Até ao momento em que põem a questão se deve ser assim.

E o teu personagem é o mesmo do Pedro Pascal, mas em novo. Construíram o personagem juntos?
Tive essa sorte. Como é óbvio, foi ele que construiu o personagem e eu fui um bocadinho atrás do que ele criou. O Pedro foi das pessoas que mais me ajudou lá. O primeiro contacto que tive com ele foi através de Zoom, para trabalharmos algumas coisas, porque a personagem não é americana. Como íamos trabalhar a questão do sotaque. E no primeiro dia que eu fui visitar o set, fez questão de me ir receber, e de se apresentar. É mesmo, mesmo um coração extraordinário.

Não sei se também acontece no filme do Almodóvar, mas em O Crime do Padre Amaro [RTP] fazes cenas muito ousadas. É difícil para ti esse tipo de exposição ou sentes-te à vontade?
À vontade não sei se é a expressão certa. Para quem ouve, dizer que me sinto à vontade nas cenas de sexo, parece que há logo uma conotação de facilidade. Sinto-me da mesma forma como me sinto noutra cena de emoção. Servir a personagem é o mais importante, mas eu queria muito que as pessoas depois, para além disso, ficassem por outros motivos. E acho que conseguimos isso. A cena tem de ser construída como outra qualquer. Tem de ser a personagem que está ali, nunca é o actor, é uma premissa básica para mim, e seja quem for o colega com quem estou a contracenar, no caso do Almodóvar também, a personagem tem de ser servida. Na nossa vida, quando temos uma discussão, choramos, quando temos um momento de alegria, uma noite de sexo, são os momentos mais importantes da nossa vida. E a arte deve ser representativa disso. Sinto que é mais um dia de trabalho.

Há uns tempos, no 5 Para a Meia Noite, disseste que não gostavas de ser conhecido pelo exterior.
Quem não me conhece e me vê a fazer um galã numa telenovela não sabe que depois, por exemplo, faço um Hamlet no teatro e estou três horas todo ranhoso e desgraçado e a chorar. Daí eu não querer ser rotulado como o homem que só faz galãs. Mas também não quero ser o gajo que faz só personagens tristes ou de vilão. Acredito que trabalho todos os dias para ser mais versátil. E o actor é isso.

E sobre esse lado do actor. Tens uma formação muito completa, desde o curso profissional e depois frequentaste o curso superior.
Não acabei o curso superior...

Porque entretanto, a vida.
Sim, comecei a trabalhar.

Mas tens bases clássicas, fazes teatro, não sei se estás a pensar voltar aos palcos.
Desde que comecei a estudar teatro, esta foi a maior pausa que fiz sem estar a fazer teatro. Estive no Brasil [a filmar a telenovela Salve-se Quem Puder] e depois juntou-se o início da pandemia. Mas ainda assim acho que o Hamlet acabou em 2021, por isso há um ano e meio que não faço teatro. E sinto falta. Mas acho que isso é por ter interpretado o Hamlet. É muito difícil pôr por palavras o que aquilo foi. A forma como me mudou como actor, como pessoa, mexeu na minha própria forma de mergulhar longe demais e saber voltar. E, claro, trabalhar fora ou estar com a questão da Netflix, impossibilita-nos de fazer teatro durante a noite.

És adepto do “Método” de interpretação para os actores? Há colegas teus que fritam um bocado ao mergulhar tanto num personagem.
Já me aconteceu. É o Método, sim, mas a profundidade com que o fazemos é diferente. Se calhar também não temos tempo suficiente para fazer. Eu adorava fazer como Daniel Day-Lewis que teve um ano a aprender costura para fazer o Linha Fantasma, para ser um alfaiate.

Agora não te vou perguntar o que vais fazer a seguir. Mas onde te imaginas dentro de dez anos?
Essa pressão de onde é que eu vou estar, tenho tentado não a ter. O que eu faço é sentir-me preparado para, quando chegar a oportunidade, não viver só da sorte. Mas aos 35 anos gostava de olhar para trás e dizer que fiz parte de uma geração que abriu Portugal para o mundo. 

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Portugal no audiovisual

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Longe vão os tempos em que a ficção na televisão nacional se resumia às telenovelas. Nos últimos anos, a produção de séries cresceu e provou que o formato pode funcionar. A RTP tem sido a grande impulsionadora, investindo, promovendo co-produções internacionais e aliando-se até às maiores plataformas de streaming. Por vezes, basta uma boa ideia para nos colar à televisão, como em Último a Sair ou Odisseia. Ou uma equipa inatacável de criativos e intérpretes, como em Sara. Noutras, é a nostalgia que nos deixa pelo beicinho, seja a vintage Duarte e Companhia ou as ficções de época Conta-me Como Foi e 1986.

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