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Mikhail Pletnev
©DRMikhail Pletnev

Oito sonatas para piano de Beethoven que precisa de ouvir

O pianista russo Mikhail Pletnev propõe um programa que alterna sonatas de Mozart e Beethoven. Escolhemos oito indispensáveis

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Em 1792, o Conde Ferdinand von Waldstein, um dos principais mecenas e mentores de Beethoven, despediu-se deste, que tinha então 22 anos e deixava a sua cidade natal Bona para ir estudar em Viena, com esta recomendação: “Através de inabalável diligência, recebereis o espírito de Mozart das mãos de Haydn”.

Mozart, falecido um ano antes deste episódio, terá sido o modelo de Beethoven na juventude: quando Ludwig tinha sete anos, o pai tentara promovê-lo como pianista-prodígio, como Leopold Mozart fizera com o filho, e nos seus primeiros tempos em Viena Beethoven estudou atentamente a obra de Mozart e compôs ao seu estilo. Já as aulas que teve com Haydn a partir de 1792 parecem ter sido pouco profícuas e Beethoven terá visto na partida de Haydn para Londres, em 1794, um bom pretexto para lhes pôr termo sem magoar o velho mestre.

Mas se Beethoven começou por ter Mozart como modelo, em breve desenvolveu uma voz própria, que culminou nas suas derradeiras sonatas, as n.º 29-32, compostas entre 1818 e 1822, e cuja monumentalidade, dramatismo e turbulência poucos vínculos evidentes têm com o universo amável e elegante das sonatas de Mozart.

Beethoven e Mozart por Pletnev

Fundação Gulbenkian. sáb 8 19.00. 24-58€

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Oito sonatas para piano de Beethoven que precisa de ouvir

n.º 8 op.13 “Pathétique”

Ano: 1798

Composta aos 27 anos, é uma das mais belas sonatas do chamado “primeiro período” (1794-1800) de Beethoven, cujas peças para piano se inscrevem sob a influência de Haydn e Mozart (há afinidades com o lirismo mozartiano no Adagio cantabile desta n.º 8).

Como é usual nas sonatas de Beethoven, o título não foi responsabilidade do compositor: foi o editor que a designou como “Grande Sonate Pathétique”, a que se seguia a indicação que se destinava “ao cravo ou ao pianoforte”, o que demonstra que o cravo ainda não estava completamente extinto em Viena no dealbar do século XIX. A partitura foi dedicada ao príncipe Karl von Lichnowsky, amigo e mecenas de Beethoven.

[II andamento (Adagio cantabile), por Yundi Li]

n.º 14 op.27/2 “Ao Luar”

Ano: 1801

A Sonata “Ao Luar” é uma das primeiras do “segundo período” (1800-1815) de Beethoven e, mais uma vez, o compositor é completamente alheio ao título, que foi uma pura invenção do poeta Ludwig Rellstab, que proclamou, após a morte de Beethoven, que a sonata seria a evocação de um passeio ao luar pelo Lago dos Quatro Cantões, na Suíça, onde, de resto, Beethoven nunca esteve. O título da edição original, de 1802, em Viena, refere-a como “Sonata quasi una fantasia, dedicada à Condessa Giulietta Guicciardi”, uma aluna do compositor. O hipnótico e melancólico I andamento (Adagio sostenuto) tornou-se tão popular que muitos ouvintes distraídos desconhecem a existência dos outros dois – um Allegretto despretensioso e bem-humorado e um Presto agitato tempestuoso, cujas enxurradas de notas e ímpeto descontrolado podem ser vistas como a libertação das tensões secretamente acumuladas durante o Adagio sostenuto.

[I andamento (Adagio sostenuto), por Paul Lewis (Harmonia Mundi)]

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n.º 21 op.53 “Waldstein”

Ano: 1804

Outra das obras-primas do “segundo período” de Beethoven. Deve o nome ao facto de ter sido dedicada ao conde Ferdinand von Waldstein, que tinha sido um dos primeiros mecenas do jovem Beethoven, quando ainda vivia em Bona e que foi dedicatário de outras obras relevantes do compositor. A sua elevada exigência técnica marca um novo patamar na carreira de Beethoven: os destinatários das suas sonatas já tinham deixado de ser os “conhecedores” (isto é, amadores de bom nível), mas mesmo boa parte dos dos “profissionais” será incapaz de executar rigorosamente a temível Sonata n.º 21.

[I andamento (Allegro con brio), por Daniel Barenboim, ao vivo em Berlim, 2006]

n.º 23 op.57 “Appassionata”

Ano: 1805

A Sonata n.º 23 é contemporânea da Sinfonia n.º 3 e foi dedicada ao conde Franz von Brunswick, um membro do círculo de amizades aristocráticas de Beethoven e um competente violoncelista amador, que acabaria por casar-se com uma pianista. O título foi inventado por um editor, vários anos após a morte de Beethoven.

Tal como na Sonata n.º 14, o III andamento é varrido por um vendaval desabrido.

[III andamento (Allegro ma non troppo), por Valentina Lisitsa, em ensaio antes de um recital no Musikverein de Viena]

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n.º 29 op. 106 “Hammerklavier”

Ano: 1818

É a segunda sonata do “terceiro período” (1815-1827) de Beethoven, marcado por variações bruscas de humor e por um fascínio pela fuga, cuja presença na música de tecla declinara desde o final do período barroco.

O título original – que Beethoven fez questão que fosse em alemão, ao contrário das sonatas anteriores, que receberam títulos em italiano ou em francês – é “Grosse Sonate für das Hammerklavier”. “Hammerklavier” (literalmente “teclado de martelos”) significa que se destina ao pianoforte, o que já acontecia, na prática, com todas as sonatas de Beethoven desde a n.º 15 op.28, pelo que não diz nada de particular sobre esta sonata. Já “Grosse” (grande) faz sentido: nunca ninguém tinha composto uma sonata desta envergadura: a extensão total ronda 42-52 minutos e só o Adagio sostenuto dura tanto (17-20 minutos) como toda uma sonata de Haydn ou Mozart.

A obra foi dedicada ao arquiduque Rodolfo da Áustria, um ex-aluno de piano e um zeloso mecenas de Beethoven (foi também aquele a quem Beethoven dedicou mais obras de primeira grandeza).

[III andamento (Adagio sostenuto), por Wilhelm Kempf]

n.º 30 op. 109

Ano: 1820

As três derradeiras sonatas foram compostas em 1820-22, pela mesma altura em que Beethoven trabalhava noutra obra-prima, a Missa Solemnis.

Após a agitação do Prestissimo, o III Andamento (Andante molto cantabile ed espressivo) traz a indicação Gesangvoll, mit innigster Empfindung (cantável e com a mais íntima expressão) e apresenta-se como uma série de seis variações de prodigiosa invenção e lirismo. Foi dedicada a Maximiliane Brentano, filha de Antonia Brentano, uma amiga do compositor.

[III andamento (Gesangvoll, mit innigster Empfindung) por Mitsuko Uchida (Philips/Decca)]

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n.º 31 op. 110

Ano: 1821

Quem associe o Beethoven dos últimos anos a sisudez tem um desmentido na traquinice e nas irregularidades rítmicas do II andamento (Allegro molto) da Sonata n.º 31.

[II andamento (Allegro molto), por Rudolf Serkin, 1987]

n.º 32 op.111

Ano: 1822

Foi novamente ao Arquiduque Rodolfo que Beethoven dedicou a sua última sonata, que se compõe apenas de dois andamentos. O II (Arietta), com a indicação Adagio molto semplice e cantabile, contrasta o ardor e agitação do andamento precedente ao abrir com uma melodia de uma beleza e singeleza inefáveis, que depois é alvo de oito variações de uma inventividade prodigiosa (na III variação até emerge uma surpreendente prefiguração de um boogie-woogie).

[II andamento (Arietta), por Mikhail Pletnev, ao vivo no Carnegie Hall, Nova Iorque, a 1 de Novembro de 2000, do álbum Live at Carnegie Hall (Deutsche Grammophon)]

Piano, piano

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