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Uma viagem pela obra de Siza na Rua Augusta

A obra de Álvaro Siza vista pela lente de Nuno Cera está na Galeria Millennium até 26 de Maio e mostra poesia visual

Escrito por
Catarina Moura
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Há aquele comentário ligeiramente ofensivo que diz “calado és um poeta”, que no caso de Álvaro Siza deveria ser adaptada para uma coisa com mais respeito mas com um sentido semelhante: mesmo calado, é um poeta. É pelo menos assim que as fotografias de Nuno Cera vêem os projectos deste Prizker português. A Galeria Millennium, na Rua Augusta, mostra até 26 de Maio “A Pressão da Luz – Álvaro Siza por Nuno Cera”, um conjunto de fotografias das obras em território português que o próprio arquitecto considera essenciais na sua obra.

“O Nuno fez uma viagem de Inverno pela obra do Siza”, conta Maria Melo, da A+ABooks, na exposição que ocupa os três andares do edifício. A viagem partiu da necessidade de fazer um guia da obra de Siza que não fosse um livro técnico e hermético. O arquitecto fez uma lista daquelas que resumem a sua carreira e não estão adulteradas ou danificadas, como acontece com muitas, explica no texto de apresentação do livro Álvaro Siza – Projectos Construídos, financiado jundamente com a exposição pela Fundação Millennium BCP. Resultou neste livro que quase é de viagens e cujo modelo vais ser repetido em 2018 com o lançamento de um guia dos projectos de Eduardo Souto de Moura.

Esta primeira edição tem fotografias de 82 projectos, as plantas e as histórias que ajudaram a construir os edifícios, como aquela vez em que Siza viu um construtor naval trabalhar, perto do terreno que ia ser marcado, ficou maravilhado e lhe pediu que construísse ele mesmo a casa. Foi na habitação Alves Costa, em Caminha, e esse homem acabou por mudar de carreira – que melhor iniciação na construção civil?

As fotografias expostas em “A Pressão da Luz” “valorizam os edifícios num sentido mais lúdico, fogem da fotografia de arquitectura e entram numa dimensão poética, mostram a sua noção de luz”, diz Maria Melo. A luminosidade parece desenhar alguns edifícios e outros parecem ter sido feitos à medida da sua entrada. Escolhemos quatro fotografias que têm esta poesia. E Siza, calado.

Uma viagem pela obra de Siza na Rua Augusta

Habitação Social do Bairro da Malagueira, Évora
©Nuno Cera

Habitação Social do Bairro da Malagueira, Évora

Maria Melo conhece a obra de Siza ao vivo, mas conseguiu descobrir pormenores nas fotografias de Nuno Cera. A foto do bairro da Malagueira, no primeiro andar da exposição, é o melhor exemplo. “A fotografia pode parecer crua – até por causa do anúncio [no canto superior direito] mas a pouco e pouco vai revelando a poesia do arquitecto: isto é um palco para espectáculos, uma espécie de anfiteatro. Quem é que se lembraria [de fazer isto]?”.

Casa de Chá da Boa Nova, Matosinhos
©Nuno Cera

Casa de Chá da Boa Nova, Matosinhos

O meio é agreste e o edifício mostra isso amiúde. À beira da falésia e das rochas, a história da Casa de Chá da Boa Nova – hoje o restaurante de Rui Paula com uma estrela Michelin – vem dos anos 50 e marcou o início da carreira de Siza, quando ainda colaborava com o atelier de Fernando Távora e Victor Figueiredo. Ficou para os anos que se seguiram como lugar especial para o arquitecto, que escolheu a Capela da Boa Nova para se casar, e para o país também: foi o primeiro edifício do século XX a ser classificado como Monumento Nacional, em 2011.

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Pavilhão Carlos Ramos, Porto
©Nuno Cera

Pavilhão Carlos Ramos, Porto

Algumas das fachadas exteriores têm um ar contido, com janelas pequenas e entradas idem – é o caso de uma das fotografias na exposição, com umas janelinhas e porta que parecem fazer uma cara. Noutras paredes contraria isto completamente, abrindo vidros de uma ponta à outra, relacionando o edifício com a natureza em volta. “É preciso ter um olhar profundo sobre a natureza, ser um ser muito contemplativo para ser capaz de desenhar isto”, diz a editora.

Museu de Arte Contemporânea Nadir Afonso, Chaves
©Nuno Cera

Museu de Arte Contemporânea Nadir Afonso, Chaves

A encomenda foi feita pela Câmara Municipal de Chaves e tinha de lidar com o leito de cheias do rio Tâmega. A opção foi rasgar o terreno com patamares de betão e apoiá-los em passagens em triângulo, quadrado, semicírculos – as figuras que marcam a pintura de Nadir Afonso e que aqui criam um caminho contemplativo. O edifício concluído em 2016 tem um Museu de Arte Contemporânea e tinha no projecto original espaço para um atelier para o pintor, que morreu sem o poder usar, em 2013.

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