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As horas passam no Village Underground

Escrito por
Miguel Branco
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Nélson Cabral, tal como Álvaro de Campos, quer gerar todas as sensações. Falámos com o actor e encenador de ‘Passagem das Horas’, para ver a partir desta sexta-feira, 25 de Agosto, no Village Underground.

O teatro estragou a vida a Nélson Cabral, ia ele de mala arrumada, de vida resolvida, prestes a vestir a bata de nutricionista. Só que essa estadia em Ciências da Nutrição acabou no palco do núcleo teatral da Universidade do Porto. O teatro estragou-lhe a vida. 

Da mesma maneira que a proximidade da Ponte 25 de Abril à sala multiusos do Village Underground (onde apresenta, de 25 de Agosto a 3 de Setembro, Passagem das Horas, de Álvaro de Campos) lhe promete estragar o espectáculo. “É uma rota de aviões e tenho uma linha de comboios que passa perto da sala, tem tudo a ver com o texto do Álvaro de Campos, com a engrenagem. Ainda estou a perceber se dá para fazer um calendário rigoroso com os comboios”, esclarece o actor, e aqui também encenador, açoriano. Passagem das Horas estreou em 2015 no Teatro Micaelense, em Ponta Delgada, e ainda rodou por várias ilhas do arquipélago. Esta é a sua primeira incursão continental. 

Retomemos a história de Nélson Cabral. Após a falhada carreira de nutricionista – igual a dizer depois do encantamento pelo teatro – veio estudar para Lisboa, onde trabalhou com o Teatro da Garagem, Cornucópia e Artistas Unidos. Em 2005 voltou aos Açores por motivos pessoais, por onde ficou até agora a formar jovens através do teatro e da poesia. “Houve algumas vidas mudadas, houve quem se despedisse dos trabalhos ou largasse lá os cursos para vir para Lisboa estudar teatro. Sei que tenho alguma culpa nessas decisões”, confessa Nélson com orgulho. O mesmo com que traz Passagem das Horas para o continente, no fluxo inverso ao comum: “A maior parte do que é visto nos Açores já estreou em Lisboa. Isso, pelo menos, deixa-me contente, que possa servir para que alguns colegas não percam o alento”. 

Algo que em Nélson Cabral parece abundar.  Na escola, como tantos outros, encarou Fernando Pessoa como mais uma seca, mais um teste em que nos obrigam a sacar nota positiva. Os largos anos que passou nos Açores, embrenhado em poesia, fizeram-no aterrar na Passagem das Horas, que só conhecia transversalmente. Aí percebeu que era o texto central para compreender o heterónimo do poeta. “É aqui que Pessoa releva o Campos mais sensacionista. Ele é engenheiro naval, mas podia ser um actor, podia ser alguém que funciona como esponja, sentir tudo, perceber como é que as pessoas vivem, ir com elas para casa quase. O Álvaro de Campos é isso tudo, tal como os actores, que vivem muito nesse estado. Isso foi algo que me fascinou”, explica. 

Em palco, que neste caso não é palco nenhum, é chão, ladeado por duas bancadas onde o público se confronta, está um homem na sua intimidade. No seu quarto. Na sua casa de banho. E está um homem que quer tudo, para quem o tudo não chega.  Antes disso, Nélson Cabral recebe as pessoas fora do espaço cénico, para gerar proximidade: “É onde estabeleço um contacto visual ou dou um abraço”. Depois, é fazer o que Álvaro de Campos faz connosco: gerar sensações. “Quero que o público sinta que foi a uma experiência”, conclui.

Village Underground. Rua 1º de Maio, 103. Sex-Dom 22.00. Até 3 de Set. 12€.

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