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Inês Machado: "Nada no Muro é imposto"

Escrito por
Miguel Branco
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A coordenadora da Galeria de Arte Urbana (GAU) conversou com a Time Out sobre a segunda edição do Muro – Festival de Arte Urbana, o trabalho com as gentes de Marvila e o estado actual da arte urbana

O Muro – Festival de Arte Urbana é, à partida, observação. E pasmados ficamos com a dimensão do conjunto de obras de arte que ocupa uma série de edifícios habitacionais de Lisboa. Inês Machado dirige a GAU desde a sua fundação, em 2009, e é uma das grandes responsáveis por este festival que tanto oferece à cidade. Uma conversa sobre arte urbana e a necessidade de celebrar o espaço público, sem fronteiras, nem muros desagregadores. 

Em que contexto surge o Muro?

Surgiu o ano passado num contexto de encerrar um ciclo de trabalho da GAU. Falamos da plataforma municipal que se dedica às questões do graffiti e da arte urbana no concelho de Lisboa, mas até ao ano passado, apesar de termos uma estratégia municipal em várias vertentes que trata desses assuntos, ainda não tínhamos realizado um grande evento de arte urbana, concentrando no espaço e no tempo um conjunto de artistas, de espectáculos e de animação, acima de tudo, um celebrar do espaço público.

Que é, feitas as contas, um dos maiores focos do festival, certo?

Sem dúvida, é algo que o Muro pretende muito fazer. Seguindo uma política de descentralização dos eventos culturais, tentamos criar novos pólos culturais em zonas mais periféricas da cidade ou em zonas que habitualmente não acolhem este género de iniciativas.

Podemos, portanto, dizer que estamos perante muito mais que arte urbana. 

Claro. O nosso core é esse, a arte urbana, mas a isto adicionamos música, animação de rua, chamamos as associações locais, que não têm esse lado tão glamoroso, não chamam massas, mas que são mesmo o essencial deste trabalho, que é ires para o terreno e criares laços com a população. Nada no Muro é imposto. 

Imagino que essa conexão com os locais exija trabalho prévio.

Sim, fomos para Marvila desde Outubro e temos vindo a integrar-nos no grupo comunitário, a conhecer as associações locais, recreativas, as marchas, os grupos de jovens, e desafiámo-los a integrarem propostas na nossa programação. Então temos workshops de beatbox, de hip-hop, aulas de skate, concertos de guitarra, contos tradicionais, workshops de pinturas de T-shirts, são tudo pequenos eventos ao lado de Noiserv, PAUS, DJ Riot... A par desta programação mais local, tentamos nós desenvolver as visitas-guiadas de arte urbana e os workshops, que são esses tais momentos lúdicos em que o filho e o avô participam juntos ou se calhar o Presidente da Junta e um empregado de limpeza também... É uma forma lúdica de desconstruir preconceitos.

Aliada a esse forte componente local existe uma crescente vontade de apreciar arte urbana. 

Sim, notamos que existe. Esta segunda edição é um reflexo disso, o feedback em relação à primeira superou em todas as medidas as nossas expectativas.

Exacto, o próprio Bairro Padre Cruz é hoje palco de visitas guiadas aos fins-de-semana.  

Deixámos lá sementes, demos formação às associações sobre arte urbana e sobre as peças e todas essas visitas de que falas estão quase sempre esgotadas. 

Como é que é olhar hoje para um evento desta escala e comparar com os primórdios de arte urbana, que era tão marginalizada? 

É uma diferença abismal e, na verdade, acho que ainda estamos todos a processar isto. Mesmo para as pessoas que se dedicam a estudar isto, como está a acontecer e é algo recente, sobretudo se olharmos para a história da arte mundial, não me parece que tenham recuo histórico suficiente em relação ao graffiti e à arte urbana em Portugal para conseguir fazer essa leitura.

E se tivesse que a fazer, o que diria?

Diria que foi uma volta de 180 graus. Sais de um lado completamente underground, de anonimato, para uma tentativa real de diálogo com os artistas. Esta plataforma reconhece, por um lado, o graffiti como uma expressão artística válida, equiparada às outras como a arquitectura ou a escultura, mas ao mesmo tempo alerta para a preservação do património, tenta sensibilizar a comunidade artística para o vandalismo.

Porquê Marvila? 

A questão da descentralização definiu essa questão. Pensámos: “Onde é que podemos criar um pólo cultural que seja uma mais-valia para aquele território?” E como as coisas não são instantâneas, há que fazer o trabalho de terreno antes. A arte urbana é ao mesmo tempo das coisas mais imediatas, porque dás de caras com uma renovação da paisagem que acontece em cinco dias, e mais efémeras. É essa rotatividade das peças no espaço urbano que nos leva a procurar estes territórios. Estamos optimistas, vamos ver como corre, mas gostávamos muito que para o ano te estivesse a dizer que Marvila é o novo grande hot spot de Lisboa e que haja lá turistas.

Este Muro surge numa altura em que se fala muito de muros. De outros muros. 

Sim, sobretudo de um muro que é o oposto dos valores que tentamos transmitir, é um muro que pretende separar, nós pretendemos unir. Queremos é dar liberdade de expressão e criatividade.

Esse muro digital que está no vosso site, onde todos podemos participar, surge um pouco nesse contexto anti-Trump, certo? 

Sim... A questão do Trump é um início de conversa e claro que vamos um bocadinho à boleia desse buzz todo social. Foi desenvolvida pelos nossos parceiros, a agência Leo Burnett Lisboa, que teve a ideia genial de criar um muro, muito parecido com o que querem fazer naquela fronteira, só que este é digital. Podes pintar, fazer o upload do teu sketch, de uma fotografia ou mesmo desenhar, através daquela ferramenta que eles inseriram no muro e que até tem o barulho das latas, com o som do deserto mexicano e estado-unidense por trás.

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