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Mariana Enriquez e o livro feminista com mulheres que não são melhores que os homens

Escrito por
Catarina Moura
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É fácil ver que Mariana Enriquez é uma mulher do rock só de olhar para ela, mesmo sem ter lido os seus contos: pulseira de couro, vestida de cores escuras, caveiras nos dedos. E se restam dúvidas, ao pescoço, numa medalhinha como se fosse um parente morto, está Mick Jagger a preto e branco, ainda novo. Nos contos agora publicados em Portugal pela Quetzal, As Coisas que Perdemos no Fogo, não se revela a paixão pelo rock, mas pelo terror como uma forma de olhar a realidade sul-americana, onde as mulheres são as vozes mais fortes e as personagens mais complexas.

Aparece uma mulher de classe média que vive num bairro pobre de Buenos Aires, uma miúda sem um braço com a capacidade de se relacionar com fenómenos ocultos, ou outra que se apaixona por uma caveira e que a traz para casa — Quando escrevi esse conto estava a pensar na anorexia — quando uma mulher deixa de comer é como se se apaixonasse pela morte, quer parecer um esqueleto. Quando começava a escrever eram sempre estas mulheres e se apareciam homens era insignificantes.”

“Muitos leitores homens, que gostam do livro, me perguntam porque é que os homens [do livro] são tão tontos e aborrecidos. Respondo que quando lês um livro sobre um homem que é um assassino ou um ditador não te causa impressão porque são protagonistas”, diz Mariana em conversa sobre este conjunto de contos em que todas as personagens fortes são mulheres. Não construiu um conjunto de contos com esta característica comum premeditadamente, mas notou, no espaço de dois anos, que era recorrente. “Não são todas boas, não são todas inteligentes, todas têm crises, todas têm problemas. Queria que o livro fosse feminista nesse sentido, de que não fossem mulheres melhores do que os homens. São mulheres complexas porque às vezes isso é um dos problemas: não pensarmos em nós próprias como pessoas muito complicadas.”

As mulheres na literatura e no mundo actual, apesar de emergirem de uma forma talvez intuitiva, diz a escritora e jornalista argentina, têm uma posição política, assim como todos os problemas sociais que saltam de As Coisas que Perdemos no Fogo. A violência contra as mulheres começa agora a ser percebia na Argentina, não como um crime passional, mas como uma questão sistémica, diz Mariana, e a sua escrita o feminino sai do contexto sul americano para se tornar universal. “O tema da mulher tornou-se muito importante no mundo inteiro. Com o Trump houve a marcha das mulheres, na Índia há a questão das violações sistemáticas e nos últimos anos começou a protestar-se contra, as mulheres muçulmanas — estão oprimidas ou não? Acho que é hoje um tema central, em cada realidade está a discutir-se o machismo, o feminismo, os seus limites, os seus excessos, o que é ser feminista.”

À boleia do olhar feminino está uma espreitadela sobre a adolescência em personagens que não sabem o que fazer com a vida, andam à descoberta e caem em cenas viciosas. “Parece-me uma idade muito intensa e sobretudo as raparigas adolescentes me parecem muito vulneráveis e muito poderosas ao mesmo tempo, têm algo de bruxas, de inquietante”, conta Mariana Enriquez.

Mesmo que de repente pareça que não, tem tudo a ver com o terror e suspense que a jornalista adoptou como género — o verdadeiro terror está na realidade, diz a dada altura, esforçada em investir num sub-género que se quer sul-americano, e não no terror anglo-saxónico, mais ligado aos fantasmas e aos castelos. E tem muito a ver também com Mick Jagger, por que não? As classes pobres e as mulheres para que Mariana olha vivem sempre no limite.

Leia a entrevista completa a Mariana Enriquez na Time Out desta semana para conhecer o verdadeiro terror sul-americano

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