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Os chefs saíram à rua de rulote no Blood n'Guts

Escrito por
Catarina Moura
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Estar no pátio do Hub Criativo do Beato a comer não será uma traição à história deste espaço; pelo contrário deve ser uma homenagem: foram as instalações da Manutenção Militar – armazém e supermercado das forças armadas – e no século XIX e XX foi lugar de fábricas de moagem, celeiro e ainda aí estão os grandes fornos onde se fazia pão.

Neste sábado, umas boas dezenas de anos depois, está cá fora o mestre do pão Mário Rolando e a sua equipa, com cinco variedades de pão em cima de uma banca. Depois de comprar uma senha de cinco euros, pode trocá-la por um “cabaz de pão”, com cinco exemplares destas crostas que rugem ao cortar. É com estas senhas (de cinco ou sete euros) que funciona o pagamento na primeira edição do festival de comida de rua Blood n’Guts, parte da programação do Sangue na Guelra. Até às 22.00 deste domingo ainda se provam as respostas de chefs ao desafio da comida de rua.

Mário Rolando e parte da sua crew
Fotografia: Gonçalo Villaverde

No primeiro dia sentiu-se o ar fresco do rio, mas perto das grelhas de Manuel Maldonado ou de Hugo Nascimento há calor. Podiam estar os dois a atender-nos de dentro de duas rulotes, mais requintadas que o habitual mas sem perder a referência dos produtos nacionais e do quão gulosa tem de ser a comida de rua. Maldonado tem uns paus carbonizados em cima da mesa e ainda os atira mais uns minutos para dentro do carvão antes de os servir. Depois de os descascar, são alhos franceses brilhantes e tenros que serve com miso de amêndoa. Nascimento está preocupado em alimentar com sustento o visitante e em deixá-lo com vontade de mergulhar nas terrinas. E não se fala aqui de sopa, mas das terrinas de cabeça de porco bísaro que põe na grelha a largarem gordura. Depois vão para dentro de uma carcaça, enquanto Hugo explica a diferença entre este pão e o papo-seco a um ansioso que está por ali ou discute com outro cliente a independência da Madeira – tratam-se por você, mas estão num tu-cá-tu-lá saudável. Um molho verde de coentros e poejo por cima daquela espécie de torresmo por secar e vamos tratar deste assunto para a mesa. Em algum momento terá de se pensar no dinheiro que se gastou (ou que se quer gastar) para agarrar todos os chefs à solta no Beato. Se não consegue escolher um nem dois, o melhor será levar gente com quem tem aquele nível de confiança do "deixa cá provar do teu" ou faça das tripas coração para esquecer que o dinheiro existe.

O alho francês com miso de amêndoa de Manuel Maldonado
Gonçalo Villaverde

No corredor ao ar livre do Hub do Beato não há filas nem mesas a abarrotar de lixo e pessoas. Não há barulho excessivo e anda-se à vontade. O espaço nunca está na sua lotação máxima, que isto não é a Lx Factory em dia de mercados e arraiais, e boa parte do ambiente descontraído em que se conversa com os chefs e se fazem perguntas, a que respondem com gosto, se deve ao espaço livre.

De volta à comida, há o cone de atum de José Avillez, o taco verde de Maurício Vale feito com água de cacto e com uma tempura de camarão e molho satay lá dentro, um cachorro alentejano em que sai a salsicha e entra a bochecha de porco desfiada por Michele Marques, ou os noodles de batata com umas lascas de bacalhau cru de Leandro Carreira.

Se com isto tudo uma pessoa se pode lambuzar e lamber os dedos, com o cone de Rodrigo Castelo, com peixes do mar e do rio e polvilhado com umas camarinhas estaladiças, dá para manter a compostura. Pegando no espargo com um creme de leite de ovelha trazido por Joan Azorit do espanhol Mugaritz também se mantém a elegância — mas para quê, se no final vai querer molhar o indicador no queijo que sobrar?

O espargo de Joan Azorit
Fotografai: Gonçalo Villaverde

Domingo já não dá para comer nada disto, mas há mais. Estão lá Henrique Sá Pessoa com bolo do caco, choco frito e maionese de coentros, Alexandre Silva com salada de borrego na lenha, Hugo Brito com língua de vaca numa panqueca de tremoço e as ideias de João Rodrigues e Ljubomir Stanisic, entre outros. Só é pena as bancas não serem rulotes.

+Das raízes para o futuro: o Sangue na Guelra deu um manifesto à cozinha portuguesa

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