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Os primeiros 157 doces de Portugal

Escrito por
Mariana Morais Pinheiro
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Há dois anos, Cristina Castro, designer de formação, lançou-se numa epopeia gastronómica sem precedentes: catalogar todas as especialidades doceiras de norte a sul do país. O primeiro livro, de cinco, é dedicado ao Norte, mas seguir-se-ão os volumes Centro Norte, Centro Sul, Alentejo e Algarve e Ilhas. Neste, que foi agora lançado pela Ficta Editora, a editora criada pela autora com venda online (32€), contam-se as histórias de 157 doces e dos doceiros que os fazem todos os dias. Há ainda um prefácio do gastrónomo Virgílio Nogueiro Gomes, fotografias de Gonçalo Barriga e desenhos de Ana Gil que ilustram receitas familiares. Se estiver curioso (ou esfomeado), espreite ainda os vídeos dos doces que acompanham os textos aqui.  

 

 

De onde surgiu a ideia de fazer um livro com esta envergadura?

Eu já fazia este inventário há muito tempo, mas na minha cabeça. Sempre tive muita curiosidade sobre as especialidades dos sítios que visitava. Desde os doces aos pratos típicos. Por isso, quando comecei a pensar mais a sério neste inventário, achei que também era preciso ter boas fotos. Falei com o Gonçalo Barriga [o fotógrafo de quem é amiga há vários anos] e ele disse-me logo que sim. Comecei a trabalhar devagarinho e o projecto começou a ganhar forma. Acabei por largar o que estava a fazer na altura e comecei a dedicar-me ao livro a tempo inteiro. Dois anos depois está a aqui o resultado.

 

 

Foi uma empreitada e tanto...

Sim. Em 2015, no dia dos meus anos, convidei os meus amigos para irem lá a casa e pendurei um mapa de Portugal na sala, cheio de pioneses e com linhas a ligá-los. Eles perguntaram-me: “O que é isto?”. Eu respondi-lhes: “Isto é o que eu vou fazer nos próximos cinco ou seis anos. Vou andar por Portugal e pelas ilhas para fazer o maior inventario da doçaria portuguesa”. Disseram que eu era doida [risos]. 

 

 

Qual era a reacção dos doceiros quando lhes batias à porta?

Uns diziam logo que sim, outros ficavam desconfiados, mas acabavam por participar. Regra geral fui sempre muito bem recebida. As pessoas são generosas. E quando digo generosas não é só no que toca a mostrarem-me as suas cozinhas ou darem-me a provar os seus doces. São generosas por me contarem as suas histórias de vida e o que as levou até ali. 

 

 

Quanto tempo estiveste na zona Norte?

Cerca de seis meses.

 

 

E como é que te organizavas?

Por norma, ia a uma doçaria de manhã e a duas à tarde. Ouvi muitas histórias, sobretudo de mulheres, porque foram sempre elas a fazer os doces e a vendê-los nas ruas, nas feiras e nas festas. Passados tantos anos, a doçaria ainda é uma tarefa feminina. 

 

 

E as gerações mais novas ainda se interessam?

Encontrei de tudo. Vi doceiros muito tristes que não viam futuro para o seu negócio, mas também vi muitas Câmaras Municipais interessadas em que as receitas ficassem no município para depois poderem dar formação. Na Doçaria Central, em Arcos de Valdevez, a senhora Clara Galvão, uma senhora já com alguma idade e a quarta geração a fazer doces na família, estava tristíssima porque não tinha nenhum sobrinho que se interessasse pelo negócio. Passados uns tempos liguei-lhe e ela estava radiante: uma sobrinha largara o trabalho para continuar a tradição. Há muita gente a querer fazer coisas novas, e muitos doces recentes também.

 

 

Ao longo do livro encontramos rezas e gargalhadas como ingredientes na confecção de um doce. Porque é que isto acontece?

A questão da reza está sobretudo associada à produção de pão, que é um alimento base da nossa alimentação. Por isso, garantir que a fornada vai sair boa é muito importante. Quanto à gargalhada, durante a confecção do bolo podre de Santa Maria, é sobretudo para continuar uma tradição. E é melhor rir, não vá o diabo tecê-las. A gargalhada torna uma tarefa custosa mais divertida. E o riso é contagiante, por isso, a certa altura é um descontrolo total.

 

 

Na história de determinados doces fazes questão de sublinhar que não são conventuais. Há um conflito entre os que são e os que não são?

Entendemos por doçaria conventual os doces que surgiram dentro dos conventos, mas houve uma altura, durante o Estado Novo, em que se deixou passar como conventual o que não era, porque havia a ideia de que o que era conventual é que era bom. Muitos dos doces que levavam ovos, açúcar e amêndoa, ingredientes muito usados nos conventos, passaram a ser assim denominados.

 

 

E com que ingredientes eram feitos os mais populares, vendidos em feiras e festas?

Em vez de açúcar, recorria-se ao mel e levavam muito poucos ingredientes, como farinha, manteiga e azeite. Mas mesmo assim conseguiu-se criar uma doçaria imensa. Temos uma variedade tão grande de pão-de-ló, de norte a sul de Portugal, que estou tentada em escrever um livro só sobre as suas variedades.

 

 

Qual é o teu doce preferido?

Essa pergunta não se faz [risos]. Não houve nenhum doce de que eu não tivesse gostado. Estavam todos muito bem confeccionados, mas as rabanadas de Natal da minha mãe, o pudim francês da minha tia e o bolo de ananás da minha prima são os meus doces preferidos.

 

 

Quantos quilos engordaste com esta brincadeira?

Cinco.

 

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