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A peça coloca Cristina Vidal, ponto do D. Maria II, fora da sombra. Vimos Sopro, que estreia esta quinta no D. Maria, e não nos esquecemos do texto.
O teatro está em ruínas. Aquele de que aqui se fala – invadido por ervas daninhas e trepadeiras alimentadas pela passagem do tempo – e os outros, com produções senhoriais, onde os pontos sempre sopram ao ritmo das brancas dos actores.
Em Sopro (espectáculo escrito e encenado por Tiago Rodrigues que depois da estreia no Festival d’Avignon chega, esta quinta, ao Teatro Nacional D. Maria II) a insistência da dicotomia real vs ficção é quase dictatorial. Dizem-nos que é sobre uma ponto que há 39 anos trabalha em teatro, dizem-nos que é sobre o desafio de persuasão de um director que quer escrever uma peça para essa ponto. E depois dizem-nos: “A peça não é biográfica, é bastante ficcional embora se inspire, muitas vezes, em episódios verídicos de bastidores de vários teatros”, garante Tiago.
Podem dizer à vontade, mas Sopro é Cristina Vidal, ponto do Teatro Nacional D. Maria II há 39 anos. Sopro é a forma como Cristina Vidal não olha o público, Sopro é a sua constante estadia no lugar menos iluminado do palco, Sopro é “colocarmos no centro aquilo que está ameaçado”, explica o encenador.
Apesar de já ter esta ideia na cabeça há alguns anos, foi quando surgiu o convite do Festival d’Avignon que Tiago Rodrigues pensou “que era interessante que no centro dessa criação estivesse alguém que simboliza a vida de uma grande instituição, de uma casa do teatro e numa profissão que já só se encontra nesta casa, bem como com uma ideia de teatro onde estes artesãos do palco, que estão em extinção, ainda existem”.
Tentando não tropeçar na vegetação, em palco, cinco actores e uma ponto revisitam enredos (ora mais reais ora mais ficcionados) de bastidores. Uma directora de teatro com uma doença terminal, a história da ponto que com apenas cinco anos viu teatro pela primeira vez na caixa do ponto, o actor que dizia o texto sempre de forma diferente e errada.
Episódios que gravitam em torno da antipresença de Cristina Vidal, como se estivéssemos num ensaio de flashbacks do teatro português. Tanto que no limite diríamos que o espectáculo decorreu no café Ponto de Encontro, junto à entrada de artistas do Teatro D. Maria II, onde Tiago Rodrigues convenceu Cristina Vidal a escrever este texto para si. Mas, como tudo na vida, não assim tanto.
Cristina fez Tiago Rodrigues garantir que não seria actriz. E ainda que esteja na ficha técnica, Cristina Vidal não o é. Faz aquilo que costuma fazer na penumbra: pontar. “O facto de a Cristina ser vista é que transforma o olhar do público”, avisa. Olhe bem, caro espectador, olhe bem.
Teatro Nacional D. Maria II, Praça D. Pedro V. Qua 19.00, Qui-Sáb 21.00, Dom 16.00. 5€-17€. Até 19 de Novembro.