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Lisboa Dance Festival: Quem tudo quer, tudo dança

Escrito por
Miguel Branco
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Quem disse que Março não é mês de festivais? O Lisboa Dance Festival foram dois dias de electrónica e batidas diversas na LX Factory. Dekmantel, Conjunto Corona e Hunee foram alguns dos melhores cartões de visita

Não há dia mais dúbio que a sexta-feira: o-só-me-sento-quando-a-música-acabar não está assim tão longe do sofá-amigo-hoje-ninguém-nos-separa. Comigo, por norma, não há muitas variações, o corpo é que manda. E se era dançar que as pernas queriam, foi precisamente isso que tiveram. O Lisboa Dance Festival chegou em tempo primaveril, como que a dizer que Março é mentira. A LX Factory abriu alas para a electrónica, que cada vez mais tem dedo na programação cultural lisboeta.  

Outra coisa que sexta-feira também traz é a tradição do jantar tardio. O resultado foi a californiana TOKiMONSTA a tocar num armazém quase desabitado. A produtora traz uma finta mais urbana a um festival onde o techno domina. Ainda que a combine com uma abordagem meio tropical, entre o hip-hop de balanço mais vagaroso e o moombahton, estilo já quase extinto por estes dias mas que me caiu como um senhor aperitivo tem que cair. Estou como a maior parte aqui presente: em festival, se nos derem a unha vamos pedir o ombro.  

Mas começam a sobressair rostos de alguma estranheza, aos quais me vejo forçado a juntar: o set de TOKiMONSTA começa a soar apenas a um vale tudo, sobretudo no que as transições de estilo dizem respeito. Se continuar assim talvez fique apenas pelo cotovelo, à espera que Dekmantel nos dê uma indicação mais recta.

Festivais urbanos dão para tudo, até para dois dedos de conversa com um bull terrier pachorrento. Um carinho e até já, que Dekmantel já se fazia soar em toda a LX Factory. Mais um ponto a favor do Lisboa Dance Festival: é dog friendly e, como nunca descobrirei se se diz a LX ou o LX Factory, decidi assumir que é um festival multigénero.

Dekmantel trazia o techno e os batimentos a alinharem-se com as batidas cardíacas. O cerco à primeira fila apertava, mas a prudência é a melhor amiga do homem (incluo-me nesse grupo de marginais), mais ainda nos festivais. Não sendo este um festival de Verão, no verdadeiro sentido da palavra, a temperatura que assolava a Fábrica XL era digna de uma torreira à l'Avante, pelas quatro da tarde. Enquanto os ritmos aceleravam, Dettmann era o que este mar de gente queria. Sinónimo de empurrões e diga-se que eu nunca fui muito adepto do contacto. 

Ao fim do primeiro dia acabaram-se as dúvidas: se sábado era dia de cansaço acumulado nas pernas, também era o dia de dar tudo. Ainda bem que tínhamos o Conjunto Corona por perto, um dos mais frescos projectos musicais que surgiu em Portugal nos últimos tempos. Vêm de Gaia, são mestres do sarcasmo referencial, geniais nas temáticas e produções. Não fosse o trabalho não ser trabalho (era ser conhaque de quando em vez) e seríamos os primeiros na fila para um shot de hidromel, a preferida bebida espiritual de Corona, a personagem típica do Porto que dá nome à banda de dB e Logos.

A sua versatilidade vai muito bem com este festival, e claro que Corona também é dança, com as suas coreografias específicas. Tanto elogio deve ter sido recompensado. Às tantas decidem oferecer uma t-shirt para o público e adivinhe a quem saiu a rifa? Podia dizer que foi uma grande manobra, mas a verdade é que estava na ultima fila da sala Antena 3 e tudo o que fiz foi esticar o braço. 

Depois estico as pernas para Hercules & Love Affair, o nome maior deste Lisboa Dance Festival, que me guiou para um planeta house que promove a boa disposição. Estávamos inseridos num grupo que do nada se lembra de fazer uma rodinha e jogar futebol com um copo de shot. O que embora possa não parecer era um óptimo sinal. Chego mesmo a ter que afirmar que esta peladinha comparada com a dança marionética (isto existe?) que um casal de ingleses (apostaria) protagonizava é como o caviar perante peixe cozido. Mas o verdadeiro caviar estava guardado para o fim: "Blind", tema mais famoso da formação, que garante o primeiro grande momento da noite, a histeria reina. 

A Fábrica XL ficava cada vez mais composta, à medida que me aproximo do ataque final, golpe que viria a ser desferido por George Fitzgerald. Mas calma, que jogar ao adivinha pode sair caro, e esquecer a actuação de Hunee seria erro grosseiro. Num techno extrovertido, a pedir mais interacção e menos introspecção, o produtor com raízes coreanas e alemãs acrescentou texturas à paisagem da Fábrica XL. Lá mais para a frente a coisa adensa-se e lá ia eu a caminho de Viseu, um techno quase castigador, a exigir cadência...para uma recta final que já não era a mais fácil das tarefas. 

Entre Hunee e George Fitzgerald nem dois minutos passaram. O intervalo para ir buscar um copo vai ter que ficar para mais tarde. O britânico devolvia a profundidade às batidas, combinando-a com uma deep house de mala às costas, de vila em vila. E assim continuaria até ao lavar dos cestos.

Se há alguma coisa a apontar a este festival é certamente o seu horário. Não é o meu caso, que amanhã é dia de almoço de família e convém ter os olhos abertos, mas para os muitos festivaleiros que aqui estão a noite não deve acabar aqui. Para o ano há mais. 

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