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Donald Trump
Andrew Cline/Shutterstock.com

Lemos a biografia de Donald Trump e falámos com o autor

Ao telefone, o rival do Twitter de Donald Trump, Marc Fisher, editor sénior do The Washington Post, fala com a Time Out Lisboa sobre a biografia do 45º presidente dos EUA

Escrito por
Maria Ramos Silva
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Ao cair do dia, o homem mais poderoso da América talvez não passe de um cidadão banal na sua torre de marfim que não tem um amigo com quem jantar. E Deus sabe como a melodia da solidão pode desafinar a conduta de um ser humano. Sobretudo um 'Aprendiz' de presidente. Da infância em Queens à cadeira mais importante do mundo, nos negócios à vida pessoal, dois jornalistas do Washington Post unem as pontas da biografia de Donald Trump em "Trump Revelado" (acabado de editar pela Planeta), o livro que o biografado se recusou a ler, até "porque não lê livros", mas que nenhum de nós devia deixar a meio. Marc Fisher consegue explicar porquê em menos de uma hora e quinze minutos, o tempo que o líder demora a tratar do cabelo todos os dias.

Para quem passa a vida no Twitter, é curioso falarmos do mesmo homem que no livro "Como ser um campeão" defendia que "o email é para fracos" e detestava dependentes da tecnologia.

Sim, é mesmo uma contradição. Ele é um tipo da velha guarda quando se trata de tecnologia. Não tem computador, não usa o email, só se relaciona com o mundo através do Twitter, e mesmo neste caso ele dita os tweets na maior parte das vezes.

Como é feita essa gestão?

Ele tem a app no telefone e de vez em quando trata disso sozinho, sobretudo entre as três e as seis da manhã. É fácil perceber que foram escritos por ele porque normalmente têm erros. Os outros costumam ser feitos pelo secretário.

Interrompemos a conversa para dar uma nota. Bastante oldschool, Trump só lê em formato impresso, artigos providenciados pelo seu staff. Confere linha por linha as histórias em que é visado."Por vezes escreve comentários à mão e envia os artigos de volta para os jornalistas", explica Marc. Hashtag? #printisnotdead
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É difícil imaginar que boa parte das intervenções públicas são pré-redigidas, e que ele se possa manter fiel a elas. Como é doseada esta combinação?

O discurso da tomada de posse, por exemplo, foi feito por um grupo de pessoas, casos de Steve Bannon e Jason Miller, que escrevem os seus discursos. Trump não escreve nada, e nos comícios usava o guião apenas como referência. Muito do que diz é improvisado no local.

É possível traçar um guião de conduta para este homem?

É uma grande questão. Ele mostra mais disciplina desde que se tornou presidente, ligando-se mais ao guião, como nunca fez antes. Tem tentado ler mais o teleponto, coisa que não domina muito bem. Há mudanças mas continua a improvisar em situações menos formais.

Fez a sua carreira "a surpreender as pessoas". Mas de repente estar sempre a surpreender deixa de ser uma surpresa. Que registo esperar?

Totalmente. Ele orgulha-se de ser um grande provocador, algo que tem sido feito numa base diária através do Twitter. Ainda esta manhã atacou os media. Isso continuará e jamais irá abrandar. Ainda no outro dia disse que percebia perfeitamente que as suas palavras condicionam os mercados, as políticas externas. Mas aparentemente não se comporta em função disso.

Convém referir que o livro resulta de 20 horas de conversa com Trump. E do trabalho de uma equipa de 20 (sim, leu bem, 20) jornalistas e verificadores de factos do The Washington Post que cobriram as eleições. O trabalho faz escala nos tempos em que Trump fingia ser o seu assessor, usando os pseudónimos John Miller ou John Barron (gostava tanto do apelido que baptizou assim o filho mais novo).

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©DR

                  Com o ex-presidente Bill Clinton, no ano 2000


Trata a presidência como um negócio, como uma grande empresa, ou neste caso um projecto familiar?

Esse é o seu objectivo, e ele acredita que é a melhor forma de desempenhar esta função. No começo pode ter esse discurso, mas quando entrar em questões mais pesadas, que requerem um trabalho em parceria com o congresso, isso implica um outro tipo de abordagem que não será apenas para um bussinessman. Terá que persuadir os congressistas, incluindo os do seu partido. Isso é muito diferente do que fez no imobiliário. Veremos se se adapta.

Acredita que possa atirar a toalha ao chão?

Parece colar-se muito pouco à personagem em questão. Ele tem um historial de capacidade de mudança quando algo falha, de seguir outra direcção. Mas a ênfase que põe em ganhar está no seu âmago. Ele precisa de ser visto como um vencedor. A ideia de desistir e sofrer essa humilhação parece-me remota.

Como avalia os ânimos no rescaldo dos primeiros tempos?

Vê-se de tudo. Os seus apoiantes vêem-no a cumprir o que prometeu. Ele disse que era hora de agir e nesse sentido a cada dia que passa tem tomado medidas que introduzem alterações nas políticas anteriores. Muita gente está agradada. Quem não votou nele assiste a uma reversão de boa parte da herança de Obama. Veio acentuar as divisões no país. Pelas demonstrações na rua, ele está a agitar as coisas.

Que impacto poderão ter essas manifestações?

Estão a jogar a favor dele: "Vejam, está ali o inimigo. Vejam como estamos a abanar o sistema". É isto que vai dizendo. A oposição mais consistente poderá vir de membros do seu próprio partido, sobretudo no senado. Em questões como a imigração, por exemplo, vários republicanos estão a cortar com Trump e isso é muito mais importante. Isso, sim, é uma flecha no coração de Trump, e muito mais interessante para seguir enquanto jornalista.

Um dos homens que mais respeitava era o pai. Há alguma figura actual por quem nutra respeito, que admire, que receie?

É uma boa pergunta. Não há ninguém como as referências que o formaram, caso do pai e de Roy Cohn.

Falar de Cohn é evocar o advogado da era McCarthy em tempos de caça a comunistas e condenação do casal Rosenberg. Mentor de Trump, moldou a sua "forma agressiva de estar na vida e nos negócios". Quando te baterem, responde com dez vezes mais força, aconselhava. "Talvez as únicas pessoas que hoje possam ajudar a moldar a sua agenda sejam o Steve Bannon, com o seu programa nacionalista, e Jared Kushner, o seu genro"

Como é que a não família tem lidado com a presença do clã Trump?

Pelo que ouvimos do staff da Casa Branca, Jared é muito ciumento na sua ligação ao presidente e tem tentado afastar outros conselheiros de topo. Essa é a relação mais importante a seguir, bem como a manipulação da imprensa e a oposição oferecida pelos senadores republicanos.

É possível manipulá-lo?

Bom, vários executivos com quem falámos dizem que é possível orientá-lo numa direcção. Basta ser o mais resistente. O último a abandonar a sala pode conseguir movê-lo num sentido ou outro.

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©DR

              Na foto, Fredrick Trump, o avô de Donald Trump


É curioso pensar que este descendente de imigrantes podia ter nascido na Alemanha, se aquele país não tivesse recambiado os pais para os EUA.

Sabes, ele tem muita coisa dessa herança alemã. Ele adora ordens, respeito, é obcecado com higiene e tem fobia a germes. Muitos aspectos padrão são evidentes nele, mas ele parece não ver a ironia na sua agitação contra os imigrantes quando o seu próprio trajecto e o o seu avô era um imigrante.

Ou as suas mulheres.

Ou isso, claro.

O historial de Trump com a fauna feminina roça o épico. Um dia, o locutor de rádio Howard Stern perguntou-lhe se ficaria com a terceira mulher, Melania (sucessora de Ivana e Marla), se esta saísse desfigurada de um acidente. O magnata da construção respondeu com a elegância de uma barraca de zinco. "Como ficaram as mamas? É que isso é importante".

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Fred Trump, o pai, especializou-se na construção de casas para a classe média, com um historial de segregação que vem de longe.

O seu pai, sim. No caso de Donald centrou-se numa classe mais alta.

Ia por aí. Essa separação também é definidora? O homem que diz falar pela raia miúda mas que se move entre os tubarões?

Ele sempre se identificou com uma mentalidade de classe trabalhadora. Prefere passar tempo com os seus operários e seguranças do que com outros executivos. sempre teve um certo ressentimento por os seus pares milionários não o aceitarem no seu círculo. Os seus modos, a sua forma de pensar, reflectem mais a mentalidade da classe média do que a elite a que queria tanto pertencer.

Nos anos 60, Woody Guthrie protestou em canções contra o racismo. Viveu num complexo para a classe média construído por Fred Trump, também ele habitado pela segregação. O patriarca Trump viu-se envolvido num processo de acusação de racismo, um dos mais sonantes à época.

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