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 Ricardo Rodrigues, dono do espaço Labirinto Lisboa
Fotografia: Manuel MansoRicardo Rodrigues, dono do Labirinto Lisboa

Labirinto Lisboa. Dez histórias hilariantes sobre a casa do terror

Tenha medo, muito medo, mas guarde algum espaço para o riso. O Labirinto Lisboa abriu em 2015 e já recebeu cerca de 15 mil visitantes – 600 não aguentaram até ao fim. Ao menos faça o favor de não deixar este texto a meio

Escrito por
Maria Ramos Silva
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Elas desmaiam e os namorados celebram, há culturistas com suores frios e miúdos que aprendem a vencer o medo do escuro. Dê-nos a mão e entre nas melhores histórias do Labirinto, a mais popular casa de terror de Lisboa. 

Mãe, estou aqui!

Dez elementos compõem o elenco fixo responsável pela animação. Ao longo do tempo, Ricardo tem resistido aos pedidos para conhecer os bastidores deste mundo medonho. "Queremos manter a magia", justifica. Entenda-se: a caracterização das personagens é tão complexa que seria um dó de alma revelar as cartas todas quando nem os mais próximos conseguem identificar os funcionários desta casa. "Para o próprio grupo de artistas, é quase uma segunda pele. Já aconteceu com alguns deles estarem com alguém que fala do Labirinto Lisboa e não faz ideia que têm à sua frente a personagem do Cardeal ou do D. Sebastião", explica o criador. Mais: "Há pais e mães que vêm cá para ver os filhos e não os reconhecem durante o percurso. Nem pela voz vão lá." Não é por acaso que Ricardo tem o projecto de criar uma escola de terror.

O medo não assiste o campeão das visitas

Palmas para Pedro Cunha, mais conhecido como o VMF, ou Visitante Mais Frequente (em Maio passava pelo Labirinto pela 20ª vez). “Vem cá todos os meses, pelo menos duas vezes por mês, e quer sempre fazer a experiência sozinho”, explica o criador do espaço, Ricardo Rodrigues. Não pense que o trajecto se torna favas contadas devido a esta repetição. "Há uma experiência padrão, baseada na história de Portugal e num conjunto de lendas, mas já sofreu diferentes alterações". Trocado por miúdos, Ricardo é o autor de um enredo semelhante ao de uma novela. O folhetim tem sempre novidades e muitos querem seguir o próximo capítulo. "Há personagens que desaparecem, outras que são mortas. Isso suscita o interesse de voltar."

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Eu desisto. Espera, afinal se calhar não...

Há casas de terror que deixam o aviso e facilitam a vida aos mais tenrinhos. Qualquer coisa como: "Desista agora ou cale-se para sempre". Não é o caso do Labirinto Lisboa. Entrou? Vai ter que andar. É aqui que o leitor pergunta: mas e se a pessoa estiver mesmo às portas de padecer de aflição? "Se quiser desistir, há uma saída especial e a pessoa é encaminhada até essa saída por uma das personagens", esclarece Ricardo. Pois, é mais ou menos como morrer da cura. "Acaba por funcionar ao contrário. As pessoas pensam: 'Espera, vou deixar de estar ao pé deste grupo para ir sozinho com este monstro num corredor escuro?'". Conclusão: a maioria acaba por rever a decisão e seguir em frente. Falando de situações limite, fique descansado que há solução. "Quando desistem mesmo é porque entram em pânico e aí segue-se o procedimento normal." Chama-se saída de emergência. Por esta altura, já terá acontecido alguma destas duas coisas: vómito ou incontinência indesejados. Também há desmaios, claro, mas já lá vamos.

O primeiro desmaio (será que este namoro resistiu)?

É uma espécie de marco do Labirinto Lisboa. Pouco tempo depois de abrir portas deu-se o primeiro desmaio. Só por isso seria motivo de satisfação para o elenco (desmaios são sempre um óptimo barómetro para avaliar o talento de uma equipa de monstros). Mas neste caso, pelo desfecho particularmente insólito, seria ainda mais impossível esquecer este episódio. "Era um grupo de amigos e entre eles estava um casal de namorados. Ela desmaiou numa cena, veio cá para fora. E eu estava ali ao pé. O namorado andava para a frente e para trás muito irrequieto, nervoso, e eu perguntei se estava tudo bem com ele. Ele dizia que sim enquanto ela voltava a si. “Ouça, tenho que lhe dizer uma coisa, isto é dez estrelas, não é cinco, é dez! A minha namorada acabou de desmaiar!" Estava todo contente por a namorada ter caído ao chão!" Parece que a rapariga não ficou muito satisfeita, acrescenta Ricardo, como se fosse preciso esta nota.

P.S. Não fazemos ideia se continuam juntos mas estamos abertos a apostas

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Os dois "armários"

Perguntam muitas vezes a Ricardo quem leva a taça no campeonato das desistências. Homens? Mulheres? Mais velhos? Mais novos? "Há de tudo. O maior público de casas de terror são mulheres. Eles acham que não têm medo de nada mas há centenas de assinaturas de homens, incluindo militares. As assinaturas são exibidas no famoso Hall of Shame, uma instituição do Labirinto (quem não aguenta até ao fim deixa o seu nome na parede, e já lá estão cerca de 600, entre 15 mil visitantes desde 2015). Não raras vezes, os visitantes abandonam o barco mesmo antes de entrarem. Chegam à porta e não arriscam. Outros, proporcionam memórias épicas. "Depende das fobias de cada um. Lembro-me de dois tipos do culturismo, enormes. Desistiram, saíam a pingar de cada sala, atiravam-se para o chão com medo. 'Eu não consigo, eu não consigo!', repetiam."

Escondidinha debaixo da mesa

Um dos nossos desejos secretos? Que alguém muito, mas mesmo muito, afoito se afastasse do grupo em que circula para se juntar à comitiva de actores durante o percurso. Até ver, é só um sonho, porque ainda ninguém se atreveu a tal façanha. Mas calma, falámos em sair do grupo? Já aconteceu, já. Um dia uma pessoa desapareceu e apanhou todos de surpresa. "Temos um controlo permanente dos grupos que entram, e de repente, a meio do caminho, um grupo de oito só tinha sete. Não tinha havido nenhuma desistência, não abriram portas de emergência. O grupo seguiu mas fomos procurar a pessoa desaparecida. Demos com ela escondida debaixo de uma mesa de uma sala, a do sanatório, com uns lençóis. Estava de gatas, cheia de medo."

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Posso juntar-me ao vosso grupo?

É verdade que nunca ninguém se atreveu a explorar um labirinto às escuras, mas há sempre um ou outro engraçadinho que aproveita para assustar um pouco mais os amigos. Em todo o caso, "não se aventuram muito mais que isso. As pessoas não se sentem confortáveis". Retomando um dos tópicos do começo, não é muito comum fazerem a visita sozinhos, mas há sempre quem goste de fugir à dinâmica do grupo. Acontece um outro fenómeno: gente que aparece sozinha ou em casal e fica algum tempo à porta, à espera que apareça mais alguém para fazer número. Ao menos não será o único a ter insónias quando se for deitar. Por falar em dificuldades em adormecer, salte para a casa seguinte.

Terapia para dormir de luz apagada

É como oferecer caixinhas de fósforos a incendiários, mas ao contrário. A velha máxima de enfrentar os medos de frente é válida para o Labirinto — para alguns funciona como terapia. "Chegou aqui um casal cujo filho tinha medo do escuro e só dormia de luz acesa, mas não se calava com o Labirinto. Na escola queria provar aos colegas que conseguia fazer o percurso." Salvador, de 12 anos, tornou-se o mais jovem visitante. Entrou mudo, saiu calado, mas conseguiu superar o obstáculo. "Passados dias, recebi um email da mãe, e depois passaram cá para agradecer pessoalmente. O filho tinha adorado, fez uma composição na escola sobre o Labirinto e fez amigos novos. Nessa noite, quando se foi deitar, disse à mãe que podia apagar a luz." Queriam um filme de terror? Ora tomem antes uma história bonita.

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Queres casar comigo? Só se sobreviveres a isto

Certa noite, Ricardo é chamado à bilheteira. Esperava-o um grupo numeroso, encabeçado por um casal, com uma proposta para fazer. "Este é o meu noivo e vamos casar depois de amanhã. Decidimos fazer aqui a despedida de solteiros. Tenho aqui uma lista de coisas que ele se comprometeu a fazer para poder casar comigo." A lista elaborada pela noiva incluía um sem fim de missões assustadoras para o noivo, como viajar de avião, saltar de pára-quedas, andar de canoa ou numa montanha russa. Completar o Labirinto Lisboa era o último item da lista. "Será a prova de fogo" (e ainda dizem que não há amor). A noiva acrescentou ainda: "Sei que é contra as normas mas queremos ir algemados um ao outro." Se ele desistisse, ela tinha que ir atrás. Ricardo abriu a excepção. A prova foi superada e o par casou-se mesmo. "Ela ficou felicíssima. No final, os amigos foram buscar um bolo ao carro."

O criador e a criatura: essa velha maldição

Sabe qual é o maior medo de um fã de casas de terror? Perder a capacidade de assustar-se. É quase uma inevitabilidade para alguém que dedica a sua vida a tentar assustar o alheio. Não é que Ricardo Rodrigues ceda ao bocejo, mas a experiência não anda longe disso, para infelicidade do mentor de toda esta experiência. "O que me levou a criar o Labirinto foi ser fã de casas de terror. Uma das coisas que digo ao meu elenco é que tenho muita pena de não conseguir vivê-lo como um visitante. Se há casa de terror que gostava de viver era a minha. Muitas vezes estou lá dentro mas já sei tudo de trás para a frente. Os actores bem me tentam assustar, mas é difícil." Se pensa que frequentar outras casas de terror é a solução para esta resistência ao pavor, esqueça. "Acabo por ter sempre um olho clínico. É como um chef ir ao restaurante de outro chef.”

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