A Time Out na sua caixa de entrada

Procurar
Retrato de Joana Stichini e Pedro Fernandes
Fotografia: Arlindo Camacho

Lx 80. Vinte perguntas sobre a era dos chumaços

Depois de Lx 60 e Lx 70, voltamos a entrar na máquina do tempo. É a vez dos bigodes, das Amoreiras, das noites do Frágil, da palavra kispo, e do Vitinho. Bem vindos a Lx 80 - Lisboa entra numa nova era, de Joana Stichini Vilela e Pedro Fernandes

Escrito por
Maria Ramos Silva
Publicidade

Um enorme passo para a cidade, e outro não menos colossal para Paulo Futre, acabado de chegar a Lisboa — garantimos que só pela foto que ilustra o capítulo já teria valido a pena. São os anos 80 em Lisboa, quando muitas pessoas só se deitavam depois de ver o Vitinho, e outras tantas depois de sairem do Frágil. À noite o rock explodia, de dia assistiu-se à implosão do Monumental tal como o conhecíamos. Entretanto, qualquer hora era boa para ir fazer compras às Amoreiras. A década fica ainda marcada por fenómenos improváveis, como ver Marcelo a mergulhar no Tejo. Enfim, outros tempos. Pedro Fernandes assina o projecto gráfico, nesta edição Dom Quixote com 280 páginas. Joana Stichini Vilela, a autora, responde às nossas perguntas e dá por terminado o regresso ao passado. Viva Lx 2016.

Lx 60, 70, e agora 80. Consegues decidir-te por uma década ou é como pedir para escolher entre três filhos?

Tal como os filhos, todos deram muitas dores de cabeça e noites sem dormir. Tenho alguns arrependimentos em relação a todos mas também me dão razões de sobra para sorrir. Como esta metáfora já vai demasiado longa, para recordar ou ficar a conhecer - porque tento que estes livros tenham tanto de nostalgia como de memória - qualquer um dos três. Para viver, Lx 2016.

Qual foi a que deu mais trabalho a “criar”?

Cada uma teve os seus desafios. E deram todas muito trabalho. Entre pesquisa, conceptualização, redacção, pesquisa iconográfica, design e edição final, à volta de ano e meio para cada. O Lx60, por ter sido o primeiro, envolveu ainda a dificuldade inicial de criarmos um conceito de raiz, uma identidade gráfica, percebermos se resultava. Mas, falando em dificuldades, no Lx60 as maiores terão sido ir para além daquilo que a censura permitia que se publicasse nos jornais e revistas (uma grande fonte de pesquisa para estes livros) e também chegar a fontes vivas. No Lx70, entre a loucura que foram os anos pós-25 de Abril, fazer uma edição de histórias que fizesse sentido e tentar ter um discurso equilibrado acerca de uma época tão marcada por ideologias. E, neste último, o facto de a informação ainda estar muito dispersa.

Em que década notaste mudanças mais aceleradas ou profundas?

É curioso que faço o mesmo exercício com todos os livros: olhar para as primeiras histórias e logo a seguir para as últimas - e parecem sempre dois países diferentes. De qualquer forma, o 25 de Abril foi o acontecimento mais fracturante - talvez do século, e os anos pós-25 de Abril foram os mais loucos. Vínhamos de um período de grande repressão. É também isso que caracteriza as revoluções: a mudança rápida. Depois, por uma questão de saúde, de tudo e de todos, é preciso alguma estabilidade. No futuro, teremos um Lx90 (ou quem sabe um regresso ao passado com um Lx50)? No meu futuro, só Lisboa 2017 e daí para a frente.

Entre aquilo que viveste e aquilo que gostavas de ter vivido, que memória contida nos livros te deixou maior saudade?

Ao contrário do que o facto de ter dedicado os últimos seis anos da minha vida a estes livros possa indicar, não sou nada nostálgica. Gostava de ter presenciado os anos pós 25 de Abril, que terão tido uma energia única e irrepetível, e não me importava nada de ter tido 20 anos em meados dos anos 80 (continuando a ter 36 em 2016), e viver a movida do Bairro Alto: a criatividade, o optimismo e o prazer.

E o que é que te fez feliz por ter acabado?

O Estado Novo. E também os chumaços.

Vamos fixar-nos nos anos 80. Ias deitar-te depois de ver o Vitinho?

Ia, pois. E usava o argumento clássico: "Oh mãe, mas ainda não deu o Vitinho!" 

Que receita da Maria de Lourdes Modesto recomendarias aos leitores?

Toda a Cozinha Tradicional Portuguesa - um trabalho monumental de recolha, edição e compilação, assinado por uma grande mulher de quem sou fã incondicional - em que se encontra parte importante da nossa identidade enquanto povo. Também dá jeito se precisarmos de alguma coisa muito pesada para fazer mal a alguém que nos tenha feito mal.

António Variações ou José Cid?

Variações, mil vezes Variações. No livro tinha uma frase que apaguei porque toda a gente que lia dizia que não percebia mas que para mim representa aquilo que foi o Variações: uma hora dos milagres da música portuguesa. Emociono-me sempre com o Anjinho da Guarda e dá-me sempre vontade de rir quando ele diz, "toda a gente tem um anjo da guarda. O Eanes tem um anjo da guarda".  

Responde rápido: quanto custava um Perna de Pau? (não vale ir ver ao livro, nós sabemos que está lá a resposta)

Agora acho que custa um euro. Mas não era esta a pergunta, pois não? Argh... 12 escudos? 

Naquela década o Sporting venceu o Benfica num fantástico/fatídico (consoante o credo) 7-1. Em que década prevês que isso volte a acontecer? (atenção: "nunca" é uma das hipóteses)

E "sempre" também se pode responder? Ou "todas"?

Recorda-nos a primeira vez que visitaste um hipermercado.

Nos anos 80, claro. Ou o Continente ou o Jumbo. Os carrinhos eram muito grandes - e as contas também. 

Uma quadrilha que tentou roubar a colecção Lalique da Gulbenkian, o desvio de um Boeing, etc etc. Estamos mais ou menos sofisticados no crime?

Curioso que o primeiro crime que referes é ficção, do divertido Crónica dos Bons Malandros, e o desvio do avião foi feito por um adolescente que queria chamar a atenção dos pais. Mas voltando ao mundo real e aos crimes estudados e premeditados, basta ler os títulos do Correio da Manhã para se perceber que a grande limitação da ficção em relação à realidade é que a primeira tem de fazer sentido.

Qual a tua palavra favorita e porquê de entre aqueles novos vocábulos que surgiram, como Kispo?

Quase todas me trazem recordações de infância, o que torna a escolha mais emotiva e difícil. Fora desse âmbito, talvez a palavra "fax". De símbolo inequívoco de modernidade, elitismo e eficácia passou rapidamente a piada e pouco depois a coisa obsoleta, aliás, "tão anos 80".

Foi o tempo das matinés. Que sítio actual recomendarias para ir dançar à tarde?

O Lux, decida o Manuel Reis (figura fundamental dos anos 80 e daí para a frente) voltar a organizar umas matinés, como fez este Verão.  

Preferirias comida macrobiótica ou uma dieta Tallon?

Podemos voltar à Cozinha Tradicional Portuguesa e à Maria de Lourdes Modesto? 

Chorou-se o fim da leitaria Garrett. Que sítios mais receias perder em Lisboa?

Receio um dia acordar numa Lisboa onde as tascas desapareceram, todos os restaurantes são "gourmet", "vintage" e "authentic" e não se pode almoçar por menos de 20 euros.

Foi a era do bigode. Quem devia reabilitar a moda? Guterres, Goucha, ou Rui Veloso?

Imagino o Presidente Marcelo a ter swag suficiente para isso.  

Qual a maior incógnita dos anos 80? (o caso Sá Carneiro não conta)

Porque escolheu Cavaco Silva um Citroen.

Marcelo mergulhou no Tejo. Se fizesses um Lx 2010, imagina um episódio que gostavas de contar sobre o actual presidente da República 

A fasquia já está bem alta. Que tal o dia em que o Presidente Marcelo encontrou Donald Trump e lhe deu um "g'anda" bigode?

Recomendado
    Também poderá gostar
    Também poderá gostar
    Publicidade