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Casa de Papel
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Álvaro Morte: “A ideia é que todos os personagens batam no fundo”

Até há pouco tempo ninguém sabia quem era Álvaro Morte; hoje, não passa despercebido na rua. Ele é o Professor, a mente por detrás do grande assalto que pôs ‘La Casa de Papel’ nas bocas no mundo. Falámos com ele.

Cláudia Lima Carvalho
Escrito por
Cláudia Lima Carvalho
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Depois da Casa da Moeda, o Banco de Espanha. E o caos. Se parecia impossível que o gangue de La Casa de Papel pudesse voltar, a terceira temporada da série espanhola mostrou que ainda havia história para contar. Mas, oito novos episódios depois, tudo acabou em suspenso. O regresso para a quarta temporada acontece esta semana e promete-nos deixar de nervos em franja. Palavra do Professor. 

Vivemos num tempo estranho. A série vai estrear com toda a gente em quarentena. Tem medo que isso possa afectar a forma como a vemos?
Não sei como é as pessoas vão encarar isso. A data da estreia da quarta temporada estava planeada há muito tempo, muito antes de ter acontecido isto do coronavírus. Calhou assim e parece-me que se nós, com a Casa de Papel, ajudarmos a que as pessoas passem um pouco melhor a quarentena, ficamos absolutamente felizes por ajudar. 

Porque é que tanta gente gosta da série e, em especial, do grupo de assaltantes. Para sermos justos, eles são os maus da fita. 
Num filme de assaltos tens uma hora e meia para contar uma coisa muito importante, que é o assalto, e não te resta muito tempo para te meter no coração dos personagens. O importante é o assalto em si. Quando tens uma série com vários episódios, com vários personagens e várias temporadas, tens muito mais tempo para explicar o assalto e o que se passa com quem precisa de fazer este assalto, porque têm de o fazer, em que ponto das suas vidas estão. A Casa de Papel não está apenas a contar uma história de acção, ela tem um lado muito emocional. Quando conhecemos os personagens, percebemos que eram pessoas sem nada a perder e houve muita gente, ainda para mais nos últimos anos, que se viram nesta situação. E o que fazemos na série é perguntar: porque não podemos ter a capacidade de tentar mudar as coisas para melhor, por mais pequenos que sejamos? É um sentimento com o qual o público se pode sentir muito identificado. Acho que isso é um dos grandes êxitos da série e é a razão porque as pessoas gostam tanto dos elementos do grupo. 

É como se a série desse poder às pessoas.
Sim.

É um grito de revolta contra o sistema?
Eu acho que é uma série bastante anti-sistema. Ao princípio não é de uma forma muito consciente, mas à medida que vais vendo tudo o que vai acontecendo aos personagens, vais entendendo o peso e a magnitude dos actos que estão a realizar. E chegam até a inspirar outras pessoas. Na vida real, na América do Sul, quando quiseram protestar por alguma injustiça social, muitas das pessoas usaram os fatos vermelhos e a máscara de Dalí. Isto aconteceu. Na série, acho que é verdade que, quando eles se dão conta de que o que estão a fazer vai para lá de um mero assalto, é quando se comprometem emocionalmente, não apenas com o objectivo de roubar o dinheiro, mas com o que significa a nível social o poder de roubar este dinheiro. Porque significa muitas coisas. 

E identifica-se com essa mensagem da série?
É uma das grandes mensagens da série. A mensagem de que as coisas não estavam tão bem como queriam que pensássemos que estavam, de que as coisas podem mudar, de que por muito pequenos que sejamos temos a capacidade de reagir e que nem os bons são tão bons, nem os maus são tão maus. 

E o que podemos esperar desta temporada? No trailer, vemos caos em todo o lado. 
De facto, é quando a sensação de caos chega à situação máxima, a tensão desta quarta temporada é muitíssima e a pretensão do guião é que todos os personagens batam no fundo. O Professor é um deles, mas estão todos numa situação de muita tensão, o que gera um tremendo caos. No que toca ao Professor, é preciso lembrar-nos que quando termina a terceira temporada, ele pensa que Lisboa foi morta e isso gera uma tensão. Ele não é capaz de pensar, é o pior que lhe pode acontecer. Essa turbulência de situações e emoções não deixam espaço para que possa encontrar a luz para solucionar as coisas que se estão a desmoronar. Esse é o momento em que encontramos o Professor nesta temporada. E é preciso ver se ele consegue sair disso ou não. 

Depois de tudo, ele está à beira de perder o controlo. Pode o Professor perder o controlo?
A pergunta é para mim ou para o Professor? [Risos]

Ambos. 
[Risos] Bom, para mim, o interessante é precisamente a evolução do personagem do Professor. Nas duas primeiras temporadas, vimos um personagem que tinha tudo controlado e que, quando parecia que se estava a meter na boca do lobo, de repente havia alguma coisa em que já tinha pensado, alguma coisa que tinha planeado. Isso era muito divertido de ver. Mas o que se passa é que agora vemos este personagem numa situação em que de repente perde o discernimento. É muito interessante vê-lo a perder o controlo e nessa necessidade de reencontrar-se a si mesmo e de renascer como a Fénix – se é o que vai fazer. Já eu perco o controlo quando a situação assim o requer. [Risos] Mas sou bastante controlado.

A Casa de Papel está constantemente a surpreender. Sempre que parece não haver saída, acontece alguma coisa inesperada. Ainda se surpreende quando lê o guião?
Claro. Antes, ao ler um guião, eu era do tipo de actores que tinha a mania que o meu personagem nunca diria uma coisa que lá estava ou nunca faria aquilo. Aqui, aprendi depressa que, quando acontecem estas coisas, são como pepitas de ouro. Caso contrário, temos um personagem completamente plano e sabemos como vai reagir em todas as situações. O Álex Pina e os seus companheiros de escrita são uns maestros a criar situações completamente distintas. No caso do Professor, vais descobrindo cada vez vais mais capas e há sempre algo que nunca chegas a conhecer. Ele é enigmático, nunca o conheces realmente e isso implica encontrar surpresas ao longo do caminho. 

Mas como é que funciona? Dá ideias para o argumento ou entregam-no pronto?
Nós temos um contacto directo com os guionistas, com Álex Pina e os outros. Se há algo que encontramos e que nos chama à atenção, que nos intriga, que queiramos saber, podemos sempre falar com eles. E damos muitas ideias.

Há uma vida antes e depois da Netflix, não? Em Espanha a série não foi assim tão grande e por isso o sucesso chegou muitos meses depois. 
Foi muito emocionante. Foi raro, tendo em conta que em Espanha teve um sucesso relativo. E nós, que tínhamos feito a série, dizíamos: que pena. Acreditávamos muito no que estávamos a fazer e dava-nos pena que ficasse por ali porque pensávamos que havia personagens no guião muito bem conseguidos, tínhamos pena que se tivesse tudo acabado ao fim de duas temporadas. De repente chega à Netflix, La Casa de Papel chega a 190 países e converte-se num sucesso mundial da noite para o dia. As nossas redes sociais estavam loucas. Nós temos um grupo no Whatsapp e dizíamos todos o mesmo: já viram isto? Foi uma coisa terrível, no bom sentido. Depois, recebemos a notícia de que a Netflix queria mais temporadas disto. Foi uma grande notícia porque estávamos todos apaixonados pelos nossos personagens. Quando eu me despedi do Professor, quando terminou a segunda parte, eu sinceramente tive de passar por um processo de luto, de despedir-me daquele personagem que me tinha dado tanto e a quem eu também tinha dado tanto. Era como se fosse uma espécie de irmão gémeo com quem trocas personalidades. E a notícia de que íamos voltar à carga com a Casa de Papel foi uma coisa maravilhosa. 

Bons ventos de Espanha

  • Filmes

Não há outra forma de começar esta entrevista senão deixar-lhe um alerta: estas páginas são um spoiler se ainda não viu nada de La Casa de Papel, a série fenómeno que a Netflix quis tornar sua depois desta se ter tornado no título em língua não-inglesa mais visto de sempre no serviço de streaming. Mas a culpa não é nossa.

  • Filmes

Produzidas pela estatal TVE, pelas estações privadas do país vizinho ou então para a Netflix, as dez séries espanholas que escolhemos destacar nesta selecção marcaram as duas últimas décadas na televisão e na internet, tendo algumas delas sido exibidas em Portugal ou vistas em canais do cabo. Contemplam géneros tão variados como o policial, o fantástico, o drama de época ou a biografia histórica.

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