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Kenzi Mizoguchi
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Kenzi Mizoguchi: Nove filmes sobre a beleza, a vida e a mulher

Sobre a obra de Mizoguchi paira a injustiça de ser obscurecido pelo cinema de Akira Kurosawa e Yasujiro Ozu. Mas é no trabalho do primeiro que melhor se observam a vivência quotidiana e as contradições da sociedade japonesa

Escrito por
Rui Monteiro
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A mulher tem nos filmes de Kenzi Mizoguchi uma papel primordial. Um papel que reflecte as preocupações do realizador com a injustiça da sua situação secundária e, tantas vezes, humilhante. Nove filmes, restaurados digitalmente, menos de 10 por cento da sua filmografia, são o que há. Mas são nove ensaios sobre a beleza. E começam a ser exibidos hoje no Nimas

Kenzi Mizoguchi: Nove filmes sobre a beleza, a vida e a mulher

Festa em Gion (1936)

A dinâmica dos bastidores de um prostíbulo – tema a que Mizoguchi voltaria mais de uma vez – começou nesta película em que duas irmãs lidam de maneira muito diferente com a sua profissão e o seu estatuto social como gueixas. O olhar do realizador é de curiosidade, de uma certa compaixão, senão mesmo empatia, temperada por uma porção de cumplicidade que não esconde os aspectos sórdidos da profissão, embora os coloca em diferente e nada moralista perspectiva, captando com sensibilidade os desejos, os sonhos, a vida, pode-se dizer, doméstica destas trabalhadoras sexuais.

O Conto dos Crisântemos Tardios (1939)

Filho de famoso actor, Kikunosuke toma os aplausos do público como seus, e não consequência do seu nome, até Otuku ser sincera e revelar quão mau ele é em palco. O que leva o rapaz a abandonar tudo tentando ser um actor qualificado por si próprio sem o nome paterno como protecção. Experiente actor, antes de se entregar a realização, Mizoguchi usou decerto da sua experiência na montagem desta história de choque, busca e redenção onde sobressai o sentido de honra pessoal, e a intenção sincera, e, a bem dizer, obrigatória na cultura japonesa, de honrar o nome dos antepassados.

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A Senhora Oyu (1951)

Uma das muitas viúvas protagonistas dos filmes do director japonês, aqui interpretada por Kinuyo Tanaka, cai de amores pelo homem destinado a casar com a irmã e traça um plano mirabolante para ultrapassar essa contrariedade mantendo a fachada do casamento combinado. Baseado no romance de Junichiro Tanizaki, publicado uns bons 20 anos antes, este filme é um dos mais provocadores de Mizoguchi (por esta altura com nome feito e a iniciar a internacionalização com a assinatura de contrato com o estúdio Daiei), na forma como põe em causa as convenções sexuais e o torpedeia as tradições. É neste filme, também, que o cineasta inicia a sua colaboração com o director de fotografia Kazuo Miyagawa, cujos longos e elaborados planos marcariam muito do trabalho futuro do realizador.

Contos da Lua Vaga (1953)

Já lhe chamaram poesia cármica e fábula moral. E ambas as definições estão certas para este filme adaptado de um conto do século XVIII, escrito por Ueda Akinari, em que acompanhamos a existência separada de dois irmãos tomados pela arrogância, a inveja, a luxúria e o assassínio, no cenário de uma família desagregada por uma guerra civil capaz de virar irmão contra irmão. Contrariando a expectativa de realçar o lado épico do entrecho, além de introduzir elementos sobrenaturais raros na sua obra (por muitos considerado importante contribuição para o desenvolvimento do género terror no Japão), o filme realça o papel das mulheres, deixadas para trás pelos que partiram para a guerra e, claro, suas principais vítimas.

Nimas 15, 16, 21, 22, 27 e 28 de Abril; 3, 4, 7, 8 e 10 de Maio.

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A Mulher de Quem se Fala (1954)

Hatsuko Umabuchi é a madame que dirige uma próspera casa de gueixas, em Quioto, com uma filha abandonada pelo noivo à perna e uma relação discreta com o médico que supervisiona a saúde do bordel. Ou seja, o retrato do dia-a-dia de um prostíbulo. Tema a que Mizoguchi volta com frequência, criando através destas casas de prazer pago uma espécie de universo, fechado, mas ainda assim vivo como um microcosmos, um laboratório através do qual observa e representa a hipocrisia e o classismo da sociedade japonesa.

Nimas 13, 14, 19, 20, 25 e 26 de Abril; 1, 2, 6 e 9 de Maio. 

Os Amantes Crucificados (1954)

Voltando atrás no tempo, até ao século XVIII, uma acusação falsa, seguida pela fuga dos caluniados podiam dar uma vida de descanso e vingança a Ishun, um mestre impressor que por ciúme põe em movimento instrumentos que não controla. O realizador porém vai mais longe naquele que é, por ventura, o mais moral e justiceiro dos seus filmes. Ishun, o caluniador, não é propriamente castigado pela sociedade, no entanto não terá descanso, assolado agora pelos fantasmas que pensava ter afastado com as suas mentiras.

Nimas 17, 18, 23, 24 29 e 30 de Abil; 5, 6 e 8 de Maio.

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O Intendente Sansho (1954)

Adaptação de um conto de Ogai Mori sobre uma família nobre do século XI, geralmente considerada apogeu do “método Mizoguchi” de narrar, é mais uma história de desobediência e confronto moral, que valeu ao realizador o Leão de Ouro no Festival de Cinema de Veneza (que, a contragosto, partilhou com Os Sete Samurais, de Kurosawa). Aqui, nestas imagens tantas vezes hipnotizantes, como que se revela a clareza da sua visão cinematográfica e a forma harmoniosa com que desenvolve o seu estilo, a que não será alheio o contributo de outro director de fotografia, Kazuo Miyagawa, capaz de acrescentar fantasia em idênticas doses com que as suas imagens injectam emotividade.

A Imperatriz Yang Kwei Fei (1955)
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A Imperatriz Yang Kwei Fei (1955)

O primeiro do único par de filmes a cores de Mizoguchi (com Shin Heike Monogatari, ou A Nova Saga do Clã Taira, o título brasileiro da película que nunca teve apresentação comercial em Portugal, estreado no mesmo ano) não é a sua obra mais distinta nem a mais entusiasmante, apesar da sumptuosidade das imagens, do saboroso enredo e da ingenuidade da história de amor torpedeada pela realidade e pelas conveniências sociais. É, por assim dizer, mais uma curiosidade em que a fragilidade do argumento é mais ou menos obscurecida pelo bailado de luz e cor.

[Não existe trailer disponível deste filme]

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Rua da Vergonha (1956)

Casas de meninas, ou melhor, a vida das trabalhadoras sexuais voltaram ao centro da acção no último filme de Kenzi Mizoguchi, um exercício estilístico algo afastado do lirismo e sem a dose de metafísica que povoaram tanto dos seus filmes, que acompanha a vida de cinco raparigas tentando evitar o destino. Rua da Vergonha é um filme à parte na cinematografia de Mizoguchi (que viria a morrer, aos 59 anos, passados uns três meses da estreia), principalmente pelo seu tom próximo do filme negro que usa para narrar a história deste quinteto de raparigas, na sua clausura no Hotel Dreamland, sonhando sem esperança.

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