Num dos teus textos falas sobre viajar sem as miúdas e como isso se tornou melhor para a educação delas porque ficaram com os avós, que lhes ensinaram coisas como pedir para ir à casa de banho e deixar de usar fralda. Tu e a tua mulher já conseguem viajar com elas e assumir todas as complicações?
É um aprendizado constante perceber que eu sinto falta delas quando viajo sem elas, que elas não sentem tanta falta minha como eu sinto delas, porque já são outras pessoas. A gente já viajou bastante com elas. A viagem mais complicada talvez tenha sido à Tailândia – 14 horas de voo e muita bagunça – viajámos para o Caribe, Uruguai e para os Estados Unidos. Mas as partes mais difíceis da criação de um filho são também as mais legais. São as que eu vou lembrar para o resto da vida – as noites em claro, os cocós mais complicados. Se for fácil alguma coisa está errado – ou tem uma babá que cuida de tudo ou está deixando o seu filho só no Netflix. Muitas das inseguranças dos pais são inseguranças próprias: ‘vou ter de levar a criança num parque para ela sair de casa num sábado...’. Para a criança, ela nem quer sair de casa, ela quer ficar com você, brincando de qualquer coisa. Todas as nossas ansiedades têm a ver connosco, a minha filha uma vez me disse isso, pode parecer mentira. Eu estava brigando com a minha filha Anita e ela vira para mim, muito pequena, e fala 'pai, você já percebeu que quando você briga comigo você está brigando com você mesmo quando você tinha a minha idade?'
Achas que ela ouviu isso em algum lado, num programa?
Eu não sei! Mas eu falei 'Wooow, é verdade', a forma dura como eu sou com ela é a forma como a minha mãe foi comigo ou aquilo em que eu acho que errei e ela pode fazer certo. Muitas das inseguranças acerca da escola – fico muito preocupado com bullying ou com drogas – são minhas com o meu colégio, com o que eu via acontecer na época.
Escreves muitas vezes que a melhor coisa de ter filhos é passar tempo com eles e não a casa onde vivem ou o colégio. O que fazem quando passam tempo juntos?
De momento a brincadeira favorita da minha filha que tem quatro anos é uma brincadeira que não existe: eu me deito na cama, levanto ela com os pés e a gente passeia pelo espaço, e ela fica perguntando 'o que é aquilo?'. Eu digo que é uma estrela, explico o que é o sol, os buracos negros, a vida extraterrestre. Ficamos muitas horas brincando disso. Eventualmente ela encosta num buraco negro e entra numa outra dimensão – cai e eu cubro ela com o lençol. A gente com o dia-a-dia descobre caminhos para as coisas que eles gostam de verdade e não que vocês acham que eles gostam.
“Hoje você está de babá” foi uma das frases que Marcos Piangers mais ouviu de outros homens quando começou a passear as suas filhas, Anita e Aurora. Não era um comentário inocente, era malicioso. O jornalista brasileiro, que já trabalhou intensamente em televisão, jornais e rádio, decidiu dosear o seu trabalho para passar mais tempo com as filhas e reclama este lugar de cuidador que o Brasil parece querer manter colado à mãe. As histórias com as filhas não param de nascer e florescer. Começou a escrever sobre elas no Facebook, com muito humor; ganhou seguidores, tornou-se um fenómeno da internet e publicou um livro que juntou uma comunidade à volta da ideia de pai: uns foram abandonados pelo pai (como o autor), outras foram mães solteiras, outros ainda acham que o seu pai é o maior.
O livro que do outro lado do atlântico se chama O Papai é Pop chegou a Portugal com o nome O Pai é Top em Março de 2017. Na altura, Marcos Piangers explicou-nos como cada “abraço economiza fortunas que gastaria com psiquiatras”. Agora está de volta, para conferência "Retrato de Família" (11 de Outubro no auditório do ISCTE, a propósito do 25 anos da revista Notícias Magazine).