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Maurizio Pollini
©Deutsche GrammophonMaurizio Pollini

10 caixas de música clássica para oferecer neste Natal

Não só é possível encontrar prendas de Natal sumptuosas por quantias razoáveis como, nos últimos meses, a oferta de caixas com gravações de referência da música clássica tem sido de uma generosidade inédita. Eis dez escolhas, entre as muitas possíveis

Escrito por
José Carlos Fernandes
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10 caixas de música clássica para oferecer neste Natal

Nikolaus Harnoncourt: The Art of Harnoncourt (Warner Classics, 15 CDs)

O maestro austríaco Nikolaus Harnoncourt (1929-2016), pioneiro da “interpretação historicamente informada”, falecido em Março passado, deixou vasta obra. A editora a que teve ligação mais longa foi a Teldec – foi nela que teve, com a cumplicidade de Leonhardt, a audácia de gravar, entre 1970 e 1990, as 200 cantatas sacras de Johann Sebastian Bach em instrumentos de época e sem recorrer a vozes femininas, como era uso no tempo de Bach. A caixa The Art of Harnoncourt, que proporciona uma amostra que vai do Orfeo de Monteverdi (gravado em 1968) às (inesperadas) valsas de Strauss (1986), não podia deixar de ter uma amostra da gravação integral das cantatas – um disco contém as Cantatas n.º 80-83, pelos Tölzer Knabenchor (um coro de rapazes) e pelo agrupamento de instrumentos de época Concentus Musicus Wien, que fundou em 1953 e dirigiu durante 62 anos.



[Coro de abertura da Cantata “Eine feste Burg is unser Gott” BWV 80 de Bach, por Harnoncourt, gravação de 1977]

Embora tenha dado contributo inestimável para a “interpretação historicamente informada”, Harnoncourt não era um fundamentalista e dirigiu frequentemente orquestras com “instrumentos modernos”, mas nas quais inculcou os preceitos da abordagem “historicista”. Dessa fusão de dois universos resultaram, entre outros excelentes discos, a integral das sinfonias de Beethoven registada com a Chamber Orchestra of Europe, que foi eleita pela crítica como gravação de referência e que também está representada na caixa.

[IV Andamento (Allegro) da Sinfonia n.º5 de Beethoven, por Harnoncourt, gravação de 1990]

Nikolaus Harnoncourt: The Complete Sony Recordings (Sony Classical, 61 CDs + 3 DVDs)

Harnoncourt mudar-se-ia depois para a Deutsche Harmonia Mundi, a etiqueta da Sony especializada em música antiga – tudo o que nela editou está agora disponível em The Complete Sony Recordings, que inclui como bónus um CD com gravações inéditas das Cantatas n.º 26 e n.º 36 de Bach.

A caixa está arrumada, genericamente, por ordem cronológica das composições, começando com Bach (Oratória de Natal e cantatas) e Handel (Messiah) e terminando com Bartók (Música para cordas, percussão e celesta) e Gershwin (Porgy & Bess), dois compositores que, nos anos 80, ninguém sonharia que o paladino da música antiga alguma vez chegasse a dirigir. Ainda mais inesperados são o CD que documenta o tradicional Concerto de Ano Novo da Filarmónica de Viena, em 2003, e Walzer revolution, pelo Concentus Musicus Wien, em que estende as práticas da “interpretação historicamente informada” às valsas da família Strauss e seus contemporâneos.



[Abertura da oratória Die Schöpfung (A Criação), de Haydn, pelo Coro Arnold Schoenberg, Concentus Musicus Wien & Harnoncourt]

Os mais fortes motivos de interesse da caixa estão em Bach e Handel e na Santíssima Trindade do classicismo, que registou com o Concentus Musicus Wien: Haydn (oratórias A Criação e As Estações, sinfonias de Paris e a esquecida ópera Orlando Paladino), Mozart (o Requiem e uma boa parte das sinfonias) e Beethoven (Missa Solemnis).

As derradeiras gravações deste maestro que sempre incitou os seus músicos a recusar a rotina e a sabedoria convencional e a correr riscos, são também surpreendentes: um CD com os concertos para piano n.º 24 e n.º 27 de Mozart com a Filarmónica de Viena (em versão emagrecida) e Lang Lang, o solista mais afastado que possa imaginar-se da “interpretação historicamente informada”; e um regresso às sinfonias de Beethoven – a n.º4 e a n.º 5 – de novo com o seu fiel Concentus Musicus, no que deveria ter sido o primeiro volume de uma nova gravação integral (recorde-se que a integral anterior das sinfonias fora gravada com a Chamber Orchestra of Europe) mas que a morte impediu de levar mais longe.



[“Introitus: Requiem aeternam” do Requiem de Mozart, pelo Coro Arnold Schoenberg, Concentus Musicus Wien & Harnoncourt]

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Eugen Jochum: Complete Recordings on Deutsche Grammophon vol.1: Orchestral Works (DG/Universal, 42 CDs)

O maestro alemão Eugen Jochum (1902-87) representa uma tradição interpretativa bem diversa da de Harnoncourt, mas nem por isso menos digna de atenção. A caixa Complete Recordings on Deutsche Grammophon vol.1: Orchestral Works tem como fulcro a sua primeira integral das sinfonias de Bruckner, realizadas em 1958-67 com a Filarmónica de Berlim e a Sinfónica da Rádio Bávara, uma gravação que se tornaria numa referência (tal como a segunda integral que gravou nos anos 70 com a Staatskapelle Dresden para a EMI).



[I parte do IV andamento (Finale) da Sinfonia n.º 8 de Bruckner pela Filarmónica de Berlim & Jochum, gravação de 1964]

Apesar da reputação como bruckneriano, Jochum dizia-se mais próximo de Beethoven, cujas sinfonias gravou na íntegra por três vezes – esta caixa contém a primeira versão, registada em 1952-61 com a Filarmónica de Berlim e a Sinfónica da Rádio Bávara.

[Scherzo da Sinfonia n.º 2 de Beethoven pela Filarmónica de Berlim & Jochum, gravação de 1958]

Maurizio Pollini: Complete Recordings on Deutsche Grammophon (DG/Universal, 55 CDs + 3 DVDs)

O pianista italiano Maurizio Pollini (n. 1942) começou a gravar para a Deutsche Grammophon em 1971 e tem-se mantido fiel à “marca amarela” desde então. Além da discografia já conhecida e regularmente reeditada, os Complete Recordings on Deutsche Grammophon oferecem como bónus uma gravação inédita do Concerto n.º3 de Prokofiev e 3 DVDs.

Entre os principais focos de interesse da caixa estão as 32 sonatas de Beethoven, que Pollini começou a gravar em 1975 e só terminou em 2014.



[III andamento (Presto agitato) da Sonata para piano n.º 14 op.27/2 “Ao luar”, de Beethoven, por Pollini]

Os nove CDs de música para piano de Chopin são outro tesouro inestimável, graças a uma abordagem subtil, precisa e sóbria, que evita o sentimentalismo e afectação em que alguns pianistas incorrem quando abordam Chopin, mas sem se tornar mecânica e fria.



[Nocturno n.º 8 (op.27 n.º 2) de Chopin por Pollini]

A estima em que são tidas as leituras de Bach, Beethoven, Chopin e Schubert por Pollini faz esquecer que este foi também um empenhado divulgador da música do século XX. O seu primeiro CD na Deutsche Grammophon, em 1971, foi preenchido com Stravinsky, Prokofiev, Webern e Boulez e em 1972 foi solista na estreia de Como una ola de fuerza y de luz, de Luigi Nono, uma peça em memória de Luciano Cruz, um líder esquerdista chileno – o que serve para recordar que Pollini foi na juventude um activista de esquerda e que, com Claudio Abbado, organizou concertos destinados a levar a música erudita aos operários e estudantes.

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Martha Argerich: The Warner Classics Recordings (Warner Classics, 20 CDs)

A excepcional pianista argentina Martha Argerich (n. 1941) já tinha sido objecto, o ano passado, da imponente caixa Complete Recordings on Deutsche Grammophon (DG/Universal, 48 CDs), que tem agora complemento em The Warner Classics Recordings, compilando as gravações que fez para a EMI.

A caixa revela bem o ecletismo de Argerich: de Bach (Partita n.º 2) a Messiaen (Visions de l’Amen), passando pelos Concertos de Prokofiev e Bartók com a Orquestra Sinfónica de Montréal e Charles Dutoit e pelas sonatas para violino e piano de Schumann e Bartók com Gidon Kremer.

[Concerto para piano n.º 1 op. 10 de Prokofiev, por Argerich, Orquestra Sinfónica de Montréal & Dutoit, gravação de 1997]

Yehudi Menuhin: The Menuhin Century: Luxury edition (Warner Classics, 80 CDs + 11 DVDs )

“Agora sei que há um Deus lá em cima!”, terá dito Albert Einstein depois de ter assistido a um recital por Yehudi Menuhin, em 1930. Mesmo quem não veja em Yehudi Menuhin (1916-1999) um comprovativo da existência divina terá de concordar que foi um dos maiores violinistas do século XX.

Menuhin proveio de uma família de judeus bielo-russos emigrados em Nova Iorque (cujo nome de família foi, até 1919, Mnuchin) e estreou-se como concertista em 1923, aos sete anos, com a Orquestra Sinfónica de São Francisco. A sua primeira gravação ocorreria seis anos depois, em 1929, os 13 anos, e a última teve lugar, em 1999, aos 83 anos. Nesse intervalo registou cerca de 300 obras, quase sempre para a EMI (ou para as suas subsidiárias His Master’s Voice, Electrola ou Angel), muitas delas na companhia de Hepzibah Menuhin, irmã de Yehudi e dotada pianista. A sua carreira não se restringiu ao repertório clássico canónico: também fez incursões no jazz, na companhia de Stéphane Grappelli, e na música oriental, com Ravi Shankar e Jean-Pierre Rampal.



[Excerto do Concerto para violino de Mendelssohn, por Menuhin e a Orquestra Sinfónica de Hollywood, dirigida por Antal Dorati, registado nos Charlie Chaplin Studios, Hollywood, 1947]

O centenário do nascimento de Menuhin é pretexto para a Warner colocar nos escaparates uma edição de luxo organizada por Bruno Monsaingeon, escritor, documentarista e violinista francês, cujo curriculum inclui filmes sobre Yehudi Menuhin, Glenn Gould, Sviatoslav Richter, David Oistrakh, Grigory Sokolov e, na geração mais recente, Piotr Anderszewski e David Fray. Além de 6 caixas com 80 CDs e 11 DVDs, a edição inclui uma biografia de 252 páginas, profusamente ilustrada, da autoria de Monsaingeon.



[The Menuhin Century: Luxury edition]

As seis caixas que integram a edição de luxo também podem ser adquiridas individualmente – são elas:

- The historic recordings (18 CDs)

- The virtuoso and his landmark recordings (13 CDs)

- Live performances and festival recordings (7 CDs)

- Complete recordings with Hepzibah Menuhin (20 CDs)

- Unpublished recordings and rarities (22 CDs)

- Menuhin on film: 1947-1997 (11 DVDs)



[II andamento (Adagio) da Sonata para violino e piano n.º 1 de Brahms, por Yehudi & Hepzibah Menuhin]

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Pinchas Zukerman: Complete Recordings on Deutsche Grammophon (DG/Universal, 22 CDs)

Os Complete Recordings on Deutsche Grammophon do violinista israelita Pinchas Zukerman (n. 1948) cobrem os concertos de Beethoven, Brahms, Mendelssohn e Sibelius e música de câmara de Brahms, Franck, Prokofiev e Schubert. As incursões no barroco, com concertos de Bach, Telemann e Vivaldi, terão menos interesse para quem seja adepto da “interpretação historicamente informada”. A caixa mostra também Zukerman na qualidade de maestro, por vezes dirigindo a partir do violino e outras cingindo-se à direcção (nos Concertos para trompa de Mozart). Outra faceta de Zukerman é a de executante de viola (a irmã encorpada do violino), que aqui está documentada nas sonatas para viola e piano de Brahms (com Barenboim) e na sinfonia Harold en Italie, de Berlioz (com a Orquestra Sinfónica de Montréal e Charles Dutoit.



[Sonata para viola op.120/1, de Brahms por Zukerman e Barenboim]

Gidon Kremer: Complete Concerto Recordings on Deutsche Grammophon (DG/Universal, 22 CDs)

Os repertórios de Menuhin e Zukerman são tendencialmente conservadores, pelo que os interessados em obras para violino e orquestra mais recente poderão encontrar resposta nos Complete Concerto Recordings on Deutsche Grammophon do letão de origem judaica Gidon Kremer (n. 1947). A caixa inclui obras de Sofia Gubaidulina, Giya Kancheli, Arvo Pärt, Arthur Schnittke e Philip Glass (o Concerto para violino n.º2 deste último é dispensável e o n.º1 é um dos piores concertos para violino da história, mas não fazem mossa numa caixa de 22 CDs). Nos concertos para violino do século XX contam-se ainda os de Bartók, Rorem e Shostakovich. O repertório oitocentista não é descurado: há também concertos de Beethoven, Brahms, Mendelssohn e Tchaikovsky.

[Offertorium (1986) de Sofia Gubaidulina, por Kremer, Orquestra Sinfónica de Boston & Charles Dutoit. A obra foi inspirada por Kremer e a ele dedicada e abre com uma citação do tema que Frederico II da Prússia deu a Bach como ponto de partida para uma improvisação e que haveria de servir de base à Oferenda Musical]

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Vários: The Florilegium Series: Medieval & Renaissance (L’Oiseau-Lyre/Universal, 50 CDs)

Do vasto acervo da Oiseau-Lyre, a etiqueta de música antiga da Decca, que já tinha gerado duas imponentes caixas, uma dedicada ao Barroco e outra ao Classicismo & Romantismo; surge agora uma de igual dimensão dedicada à Idade Média e Renascença, com obras que vão, cronologicamente, das Carmina Burana à consort music de John Jenkins (1592-1678) e têm a assinatura de grupos e músicos pioneiros do movimento da “interpretação historicamente informada”, como o Medieval Ensemble of London, de David Munrow, o New London Consort, de Philip Pickett, The Consort of Musicke, de Anthony Rooley, bem como da soprano Emma Kirkby e do cravista (e maestro) Christopher Hogwood. Sete dos discos surgem pela primeira vez em CD.

Entre os mais notáveis discos aqui incluídos estão as Carmina Burana (as originais, dos séculos XI-XIII) pelo New London Consort;



[“Tempus est iocundum”, das Carmina Burana pelo New London Consort]

e os madrigais ingleses e lute songs por The Consort of Musicke.

[“Dear, if you change”, de John Dowland (1563-1626), por The Consort of Musicke: Emma Kirkby (soprano) e Anthony Rooley (alaúde)]

Vários: Vivarte Collection vol. 2 (Sony, 60 CDs)

Dos arquivos da Vivarte, a etiqueta de música antiga da Sony, já tinha saído em 2013 uma caixa de 60 CDs, que não esgotou a mina, uma vez que surge agora, com o mesmo nível de excelência, a Vivarte Collection vol. 2, que vai da Idade Média a Carl Maria von Weber (1786-1826), com interpretações do Huelgas Ensemble, de Paul van Nevel, de La Capella Ducale & Musica Fiata, de Roland Wilson, da Tafelmusik, de Jeanne Lamon, da Orchestra of the Age of Enlightenment, L’Archibudelli, The Smithsonian Chamber Players e de solistas como Anner Bylsma, Jos van Immerseel e Gustav Leonhardt. Tal como no caso de The Florilegium Series: Medieval & Renaissance, a maior parte dos discos incluídos nesta caixa andavam fora de circulação há muito e eram transaccionados individualmente por pequenas fortunas.

Entre as raridades está um disco dedicado a Matthaeus Pipelare (c.1450-c.1515), um nativo de Leuven, na Bélgica, desconhecido fora dos círculos de especialistas, mas cuja Missa L’Homme armé é considerada um dos expoentes da polifonia franco-flamenga e é o prato principal de um programa do Huelgas Ensemble que também inclui motetos e canções do mesmo compositor.



[“Vray dieu d’amours”, de Pipelare, pelo Huelgas Ensemble]

A música sacra alemã do século XVII está representada com interpretações inultrapassáveis de obras magnas de Heinrich Schütz por La Capella Ducale & Musica Fiata, de Roland Wilson, e pelo Coro de Câmara de Stuttgart & Orquestra Barroca de Stuttgart, dirigidos por Frieder Bernius.



[“Von Gott will ich nicht lassen” SWV 366, das Symphoniae Sacrae II (1647) de Schütz, por La Capella Ducale & Musica Fiata]

Embora para muitos abordar o Romantismo com instrumentos de época não faça sentido, a gravação do Octeto op. 20 de Mendelssohn pelas forças combinadas de L’Archibudelli e The Smithsonian Chamber Players (usando uma preciosa colecção de Stradivarius do Smithsonian Institute) desfaz qualquer preconceito, tal é o calor, lirismo e subtileza posto na música.



[I andamento do Octeto de Mendelssohn por L’Archibudelli & The Smithsonian Chamber Players]

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