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10 discos para celebrar o Natal sem Jingle Bells

Se já não aguenta mais as canções de Natal dos centros comerciais, atire-se a estes clássicos da música clássica

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Sim, a música natalícia que costuma assaltar-nos os ouvidos tende a ser adocicada, simplória e monótona, o que é tanto mais incompreensível por não faltarem excelentes alternativas. Seguem-se 10 sugestões, colhidas ao longo de sete séculos.

10 discos para celebrar o Natal sem Jingle Bells

1. Messe du jour de Noël: École de Notre-Dame: Ensemble Organum, dir. Marcel Pérès (Harmonia Mundi)

Nos séculos XII-XIII, a Catedral de Notre-Dame, em Paris, foi o centro de uma revolução musical: após séculos dominados pela austera monofonia do cantochão, alguns compositores começaram a ensaiar a sobreposição de diferentes vozes, empregando melodias, ritmos e até textos diversos – nascia assim a polifonia. Os dois compositores mais célebres associados à Escola de Notre-Dame foram Léonin (activo na segunda metade do século XII) e Pérotin (activo na viragem dos séculos XII-XIII), mas a atribuição da autoria das composições desta época é muitas vezes nebulosa e no disco em que o maestro e musicólogo Marcel Pérès reconstitui o que poderia ter sido uma missa para o dia de Natal em Notre-Dame as peças não são creditadas a compositor algum.

É uma música que na primeira audição pode soar algo austera, hierática e afastada da música coral mais difundida, mas que se revela fascinante numa escuta atenta. Nalgumas peças o coro masculino Ensemble Organum mescla-se com as vozes cristalinas dos rapazes-sopranos de Les Pages de La Chapelle.

[Organum “Viderunt omnes”, do disco Messe du jour de Noël, pelo Ensemble Organum]

2. Medieval Christmas: Orlando Consort (Harmonia Mundi)

O Orlando Consort é um quarteto vocal masculino que, por usar apenas uma voz por parte, obtém uma sonoridade muito transparente, com linhas polifónicas bem perceptíveis. Este seu disco dedicado ao Natal na Idade Média contém uma amostra diversificada que vai do cantochão (cântico gregoriano) contido no Winchester Troper, um venerável manuscrito datado aproximadamente do ano 1000, até ao início do século XVI, representado por compositores franco-flamengos como Antoine Brumel, Loyset Compère e Clemens non Papa, este último já entrando pela Renascença dentro.

[Organum “Viderunt omnes”, do disco Messe du jour de Noël, pelo Ensemble Organum]

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3. A wondrous mystery: Renaissance music for Christmas: Stile Antico (Harmonia Mundi)

Tal como o Orlando Consort, o Stile Antico é um ensemble vocal especializado na polifonia da Idade Média e Renascença, mas difere do primeiro por o coro ser misto (tem mulheres e homens) e empregar duas a três vozes por parte. Os nove discos publicados até à data têm sido acolhidos entusiasticamente pela crítica especializada e este, consagrado à música de Natal da Renascença, não foi excepção.

A “peça de resistência” é a Missa Pastores quidnam vidistis, do flamengo Jacobus Clemens (c.1510-c.1555) que ficou conhecido pelo insólito nome de Clemens non Papa (cuja origem tem sido muito discutida mas sem que se chegasse a conclusão plausível). O material melódico da missa deriva do moteto de Natal Pastores quidnam vidistis, também da autoria de Clemens. O programa do disco é completado por motetos natalícios de compositores germânicos da Renascença (Johannes Eccard, Jacobus Handl) e dos alvores do Barroco (Michael Praetorius).

[Kyrie da Missa Pastores quidnam vidistis, de Clemens non Papa, pelo Stile Antico]

4. Praetorius: Missa de Natal: Gabrieli Consort & Players, dir. Paul McCreesh (Archiv)

A quantidade de peças sacras compostas por Michael Praetorius (1571-1621) é assombrosa mesmo para os elevados padrões de produtividade dos compositores barrocos alemães. Tal como Schütz (ver abaixo), de quem foi colega na corte do Eleitor da Saxónia, em Dresden, Praetorius operou uma síntese entre a tradição musical protestante germânica, assente em hinos relativamente singelos e despojados, e o brilho e espectacularidade da música policoral que irradiava a partir da catedral de S. Marcos, em Veneza, e, em particular, de Giovanni Gabrieli (de quem Schütz foi aluno).

O maestro Paul McCreesh, fundador dos Gabrieli Consort & Players, é um especialista em música antiga que se tem distinguido na reconstituição de cerimónias litúrgicas coesas – por oposição a uma simples selecção de peças sem relação entre si – e por apostar na monumentalidade.

[“In dulci jubilo”, peça incluída na reconstituição da Missa de Natal por McCreesh]

O disco baptizado como Christmette (Missa de Natal) reconstitui, a partir das centenas de peças publicadas por Praetorius, o que poderia ter sido uma missa da manhã de Natal numa igreja do mundo germânico por volta de 1620. Para ser fiel aos usos da época, em que a congregação se juntava aos cantores “profissionais” nalguns momentos da missa, McCreesh reforçou os Gabrieli Consort & Players (já de si em versão expandida) com o coro congregacional (e o coro de rapazes) da Catedral de Roskilde, na Dinamarca, para criar um dos mais imponentes discos de música barroca de sempre (no que é ajudado pela acústica ribombante da Catedral de Roskilde).

[“Puer natus in Bethlehem” (Nasceu uma criança em Belém), peça incluída na reconstituição da Missa de Natal por McCreesh]

Quem ache a sonoridade deste disco demasiado maciça, tem excelente alternativa no disco Christmas music by Michael Praetorius (Hyperion), com repertório muito semelhante e interpretação por The Parley of Instruments e o Coro da Catedral de Westminster. O uso exclusivo de vozes de rapazes para as vozes agudas adequa-se bem à atmosfera cândida das peças natalícias e a som obtido na Catedral de Westminster tem um justo equilíbrio entre transparência e pujança.

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5. Schütz: História de Natal: Concerto Vocale, dir. René Jacobs (Harmonia Mundi)

Heinrich Schütz (1585-1672) foi o mais influente compositor alemão anterior a Bach e só o facto de o barroco inicial ter hoje muito menos difusão do que o barroco tardio impede que seja reconhecido como um dos maiores génios da história da música. O modelo que mais tarde seria conhecido como oratória ainda não existia na Alemanha desse tempo e Schütz deu às suas proto-oratórias, de Páscoa (1623) e de Natal (1660), a designação de “Historia” – o título original é, em forma abreviada, Historia der Geburt Jesu Christi (História do nascimento de Jesus Cristo), embora seja hoje mais conhecida como Weihnachsthistorie (História de Natal). Ao contrário do que viriam a ser as típicas oratórias barrocas germânicas, em que a maior parte do texto, ainda que aluda a episódios bíblicos, é uma criação original, na História de Natal de Schütz o texto provém quase exclusivamente dos Evangelhos.

René Jacobs, um maestro infalível no que toca a descobrir e seleccionar cantores, reuniu para esta gravação um elenco irrepreensível, onde se contam nomes como Maria Cristina Kiehr, Andreas Scholl ou Gerd Türk.

[Introdução da História de Natal de Schütz por René Jacobs]

6. Charpentier: Pastorale de Noël & In nativitatem DNJC canticum: Les Arts Florissants, dir. William Christie (Harmonia Mundi)

Marc-Antoine Charpentier (1643-1704) foi o mais prolífico e inspirado compositor de música sacra do barroco francês e dispensou particular atenção ao Natal, quadra para a qual compôs, entre outras obras, a Messe de Minuit, um Diálogo de Natal entre anjos e pastores (uma oratória), quatro Pastorais de Natal. Neste disco, o ensemble Les Arts Florissants, dirigido por William Christie – que tem uma experiência difícil de ultrapassar na interpretação do barroco francês – acopla a Pastoral sur la naissance de N.S. Jesus Christ H483 a In nativitatem DNJC canticum H414, que tem características afins da oratória (um género cujas linhas mestras foram definidas por Giovanni Carissimi, de quem Charpentier foi aluno em Roma). Nas obras destinadas ao Natal, Charpentier concilia a escrita contrapontística e sofisticada com o recurso a melodias tradicionais de Natal, que conferem à música ingenuidade e frescura.



[In nativitatem Domini Nostri Jesu Christi canticum H414, por Les Arts Florissants]

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7. Daquin: Douze Noëls: Christopher Herrick (Hyperion)

A música de Natal é usualmente associada a coros e mesmo a pouca música instrumental natalícia tem raízes na música vocal. É o caso dos Douze Noëls para órgão compostos pelo organista e cravista francês Louis-Claude Daquin (1694-1772) e editados em 1740.

Quase toda a obra de Daquin se perdeu, só tendo chegado aos nossos dias os Noëls e um livro de suítes para cravo, o que contribui para que seja hoje conhecido apenas dos entusiastas da música barroca, mas foi reconhecido, no seu tempo, um dos mais notáveis organistas de França, apresentando-se perante Luís XIV com apenas seis anos de idade e suplantando o hoje bem mais célebre Jean-Philippe Rameau na disputa, em 1727,  pelo reputado cargo de organista na igreja de St. Paul, em Paris.

Os Noëls foram um género muito cultivado pelos organistas franceses e usam melodias populares de Natal como ponto de partida para elaboradas e virtuosísticas variações. Embora Daquin não as credite, foi possível identificar algumas das canções populares em que se inspirou.

O organista Christopher Herrick emprega nesta gravação um soberbo instrumento existente na igreja de Sr. Rémy, em Dieppe, na França, que foi construído pelo mestre organeiro Claude Parizot em 1736-39, ou seja, precisamente na mesma altura em que Daquin compunha os seus Noëls.

[excertos dos Douze Noëls de Daquin por Herrick]

8. Scarlatti: Messa per il Santissimo Natale: Concerto Italiano, dir. Rinaldo Alessandrini (Naïve)

Embora Itália fosse a super-potência musical da era barroca, os compositores católicos transalpinos não deram ao Natal a mesma atenção que os seus colegas protestantes do Norte. Produziram, porém, obras natalícias muito estimáveis, entre as quais está a Messa per il Santissimo Natale, de Alessandro Scarlatti. Este foi mestre de capela da rainha Cristina da Suécia, quando do seu exílio romano, e do vice-rei de Nápoles, compôs óperas para o teatro privado de Ferdinando de’ Medici, em Florença, e para os teatros públicos de Roma e Nápoles. Em 1703, o cardeal Ottoboni, em dos grandes mecenas da música em Roma, fê-lo seu mestre de capela e obteve-lhe o posto de vice-mestre de capela da Basílica de Santa Maria Maggiore – que Scarlatti abandonaria em 1708 para regressar a Nápoles. Antes de deixar a Basílica, compôs, em 1707, a Missa para o Santíssimo Natal, para coro duplo.

O Concerto Italiano, de Rinaldo Alessandrini, recorre a efectivos modestos – orquestra minimal e coro com uma voz por parte – mas restitui integralmente o esplendor desta riquíssima partitura, em que à densa polifonia dos coros se somam as elaboradas partes independentes destinadas aos violinos (ou seja, a orquestra não se limita a dobrar as partes vocais). O disco é complementado pela Messa di San Emidio (ou Missa Romana) de Pergolesi.

[Messa per il Santissimo Natale, de Alessandro Scarlatti, pelo Concerto Italiano]

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9. Bach: Oratória de Natal: The Monteverdi Choir, The English Baroque Soloists, dir. John Eliot Gardiner (Archiv)

A Oratória de Natal (Weihnachtsoratorium) de Johann Sebastian Bach não é uma oratória no sentido convencional do termo, uma vez que não existem personagens, podendo ser antes vista como um ciclo de seis cantatas sobre a Natividade. A cada cantata corresponde um tema: nascimento de Jesus, anunciação aos pastores, adoração pelos pastores, circuncisão de Jesus, viagem dos reis magos e adoração pelos reis magos. A oratória também foge ao modelo usual por não ter sido concebida para ser ouvida de uma só vez: quando estreou, em Leipzig, em 1734-35, as seis partes foram dadas a ouvir separadamente a 25, 26 e 27 de Dezembro e a 1, 2 e 6 de Janeiro.



[Coro de abertura, “Jauchzet, frohlocket, auf, preiset die Tage”, da 1.ª cantata da Oratória de Natal por Gardiner. A mensagem é “Rejubilai, exultai, louvai este dia” e são convocadas trompetes e timbales para dar mais brilho à celebração]

O material musical foi em boa parte reciclado por Bach a partir de obras já existentes, mas a adaptação aos novos textos é tão perfeita e as várias partes casam tão bem que ninguém seria capaz de o adivinhar.

A vigorosa interpretação de John Eliot Gardiner conta com solistas como Anthony Rolfe-Johnson, Ruth Holton, Nancy Argenta, Anne Sofie von Otter, Olaf Bär, então no apogeu das suas capacidades vocais, e faz inteira justiça a uma das mais festivas e luminosas obras de Bach.

 

[Ária “Frohe Hirten, eilt, ach eilet”, da 2.ª cantata, da Oratória de Natal por Gardiner. O solista é o tenor Anthony Rolfe-Johnson e incentiva os pastores a que se apressem a ir adorar o recém-nascido]

10. Britten: A ceremony of Carols, New London Children’s Choir, dir. Ronald Corp (Naxos)

Por incrível que possa parecer, a copiosa produção de música de Natal de superior qualidade durante o barroco germânico foi seguida, a partir de meados do século XVIII, por um declínio vertiginoso e um longo silêncio. Continuou a ser composta música de Natal, claro, mas nenhum compositor de primeiro plano se consagrou a tal tarefa – apenas Berlioz compôs a oratória L’enfance du Christ, que, de qualquer modo, se ocupa do Massacre dos Inocentes por Herodes e da fuga da Sagrada Família para o Egipto e deixa de fora a Natividade propriamente dita.

Foi preciso esperar até 1942 para que um grande compositor voltasse a produzir uma obra condigna sobre o nascimento do Messias: foi A ceremony of carols, de Benjamin Britten. Britten compôs abundantemente em vários géneros e dedicou especial atenção à música coral, na qual empregou quase sempre coros de rapazes, nos quais a Grã-Bretanha tem uma tradição sem rival. É uma obra de deliciosa ingenuidade, que dá o palco a um coro infantil (não ao típico coro de catedral inglesa, em que também há vozes de homens) e apenas faz intervir acompanhamento de piano e harpa.

[Excerto de “This little babe”, de A ceremony of Carols, pelo New London Children’s Choir]

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