Charlie Byrd
©DRCharlie Byrd, o padrinho de casamento do jazz com a bossa-nova
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Dez encontros felizes entre jazz e bossa nova

Em 1962, o jazz norte-americano iniciou um caso tórrido com a bossa nova brasileira. A paixão foi intensa mas breve e extinguiu-se três ou quatro anos depois, deixando vários registos memoráveis

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Em 1961, o guitarrista Charlie Byrd fez parte de uma embaixada cultural que foi ao Brasil mostrar o jazz norte-americano e ficou fascinado com a bossa nova, um género então ainda com poucos anos de vida – Chega de Saudade, o álbum de estreia de João Gilberto, fora editado apenas dois anos antes.

De regresso aos EUA, mostrou os discos de bossa nova que comprara no Brasil ao saxofonista Stan Getz, que também ficou cativado e convenceu o produtor Creed Taylor, da Verve, a registar um disco. Taylor não se arrependeria da aposta, pois o disco, Jazz Samba, editado em 1962, trepou até ao primeiro lugar do top. Não era frequente que o jazz figurasse nos lugares cimeiros das vendas e logo vários outros jazzmen se apressaram a explorar o filão, por iniciativa própria ou empurrados pelas editoras. Oportunismos à parte, a verdade é que o jazz – e em particular o jazz mais cool – e a bossa nova tinham afinidades e o seu conúbio gerou frutos deliciosos.

A partir de meados da década, o interesse do público declinou e o jazz tomou outro rumo. Em décadas mais recentes o namoro entre jazz e bossa nova seria retomado, mas agora na área do jazz vocal, embora com menos felicidade: o “jazz samba” cultivado pelas cantoras de hoje não passa de um smooth jazz com discretos condimentos tropicais. 

Dez encontros felizes entre jazz e bossa nova

1. “Samba de Uma Nota Só”, por Stan Getz & Charlie Byrd

Jazz Samba, de Getz & Byrd, não foi o primeiro disco a combinar jazz e bossa nova, mas foi o que marcou o início da febre. O disco foi gravado em 1962 e contou com o irmão de Charlie, Gene Byrd (guitarra), Keter Betts (contrabaixo) e Buddy Peppenschmidt e Bill Reichenbach (bateria, percusssão). “Samba de uma Nota Só” é um dos clássicos da bossa nova saídos da pena de Tom Jobim e conheceria incontáveis versões jazzísticas até aos nossos dias.

2. “Sambalero”, por Stan Getz & Luiz Bonfá

A Verve foi lesta a tirar partido do sucesso de Jazz Samba e nesse mesmo ano lançou Big Band Bossa Nova, de Getz com a big band de Gary McFarland, e Jazz Samba Encore!, de Getz com o guitarrista brasileiro Luiz Bonfá. O disco contou com Tom Jobim (piano), George Duvivier (contrabaixo), Paulo Ferreira e Dave Bailey (percussão) e, nalgumas faixas, a voz de Maria Toledo.

Seguir-se-iam duas colaborações com João Gilberto, Getz/Gilberto, gravado em Março de 1963, e Getz/Gilberto #2, gravado ao vivo no Carnegie Hall, em Outubro de 1964.

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3. “Corcovado”, por Astrud Gilberto & Stan Getz

Astrud Gilberto e Stan Getz já tinham gravado “Corcovado”, de Tom Jobim, no álbum Getz/Gilberto e regressaram a ele, desta vez sem João Gilberto, em Getz au Go Go (Verve) gravado em 1964, supostamente ao vivo no Cafe Au Go Go, em Greenwich Village, a 19 de Agosto, mas que vários indícios sugerem tratar-se de uma gravação de estúdio realizada posteriormente – simular “lives” em estúdio, com os mesmos músicos e alinhamento dos concertos e adição de palmas entre faixas era, na época, um expediente a que as editoras recorriam, sem pruridos, quando se apurava que a qualidade do registo ao vivo era deficiente. Os músicos usualmente creditados neste concerto no Cafe Au Go Go são, além de Astrud e Getz, Gary Burton (vibrafone), Kenny Burrell (guitarra), Gene Cherico (contrabaixo) e Helcio Milito (bateria), mas nesta faixa não se ouve vibrafone e há, em contrapartida, um piano não creditado (não é improvável que seja Gary Burton, que começou por estudar piano antes de passar para o vibrafone).

Artifícios e imposturas à parte, é uma versão insuperável na sua mescla de candura, melancolia e ternura.

4. “Outra Vez” (Once Again), por Stan Getz & Laurindo Almeida

A série “jazz samba” de Stan Getz incluiu ainda uma colaboração com o guitarrista brasileiro, intitulada, pouco imaginativamente, Stan Getz with Guest Artist Laurindo Almeida (Verve), gravada em Março de 1963, com George Duvivier (contrabaixo), Dave Bailey (bateria) e José Paulo e Luiz Parga (percussão). A maioria das composições são de Almeida, cabendo a Tom Jobim “Outra Vez” e “Menina Moça”.

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5. “Samba da Borboleta”, por Bud Shank & Clare Fischer

Entretanto, os outros músicos e editores também se tinham lançado na “corrida ao ouro”. Um dos mais lépidos foi o saxofonista Bud Shank, que já gravara em 1953-54 dois discos pioneiros de 10’’ com Laurindo Almeida, que não tinham despertado a atenção nem do público nem da crítica. Desta vez associou-se ao pianista Clare Fischer e registou em 1962 o álbum Bossa Nova Jazz Samba (Pacific Jazz), maioritariamente preenchido com composições de Fischer e contando com Ralph Peña (contrabaixo), Larry Bunker (bateria), Milt Holland, Bob Neel e Frank Guerrero (percussão).

6. “Bossa Nova USA”, por Dave Brubeck

Até o pianista Dave Brubeck, então no auge da fama, decidiu trocar as métricas compostas e as influências da música clássica que tinham marcado o seu estilo a partir de Time Out (1959), e converter-se ao jazz samba no álbum Bossa Nova USA (Columbia), gravado em 1962, com Paul Desmond (saxofone), Eugene Wright (contrabaixo) e Joe Morello (bateria). A composição que dá título ao disco é de Brubeck.

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7. “Desafinado”, por Coleman Hawkins

Também o veterano Coleman Hawkins pôs o seu saxofone, de sonoridade calorosa e sensual ao serviço de vários clássicos da bossa nova, como o “Desafinado” de Tom Jobim, no álbum homónimo gravado para a Impulse! em 1962, com Barry Galbraith ou Howard Collins (guitarra), Major Holley (contrabaixo), Eddie Locke (bateria), Willie Rodriguez e Tommy Flanagan (percussão).

8. “Favela”, por Ike Quebec

O saxofonista Ike Quebec, que regressava à tona na Blue Note, após uma década de 50 de escassa visibilidade, devido a problemas de toxicodependência, gravou em 1962 o álbum Bossa Nova Soul Samba (Blue Note), que atesta que o empenho das editoras em explorar o filão “jazz samba”, não era proporcional ao esforço de imaginação posto na escolha dos títulos. O álbum que foi o derradeiro gravado por Quebec, que sucumbiria poucos meses depois a problemas cardíacos, com 44 anos, contou com Kenny Burrell (guitarra), Wendel Marshall (contrabaixo), Willie Bobo (bateria) e Garvin Masseaux (shekere). Ao contrário da maioria dos seus colegas, que recorreram a composições recentes dos autoras da bossa nova (Jobim, Bonfá et al.) Quebec resgatou velhas canções brasileiras dos anos 20-30, como é o caso de “Favela”, de Joracy Camargo, ou “Linda Flor”, de Henrique Vogler.

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9. “Coração Doloroso”, por Paul Desmond

O saxofonista Paul Desmond conciliou a sua colaboração (essencial) no Dave Brubeck Quartet ao longo de 26 anos (1951-67) com uma carreira a solo, em que o álbum Bossa Antigua (RCA Victor), gravado em 1964, ocupa lugar cimeiro. O disco contou com Jim Hall (guitarra), Eugene Wright (contrabaixo, seu parceiro no Dave Brubeck Quartet) e Connie Kay (bateria) e o título é um trocadilho que opõe a “bossa antigua” à “bossa nova”. O registo não diverge, porém, do típico álbum de jazz samba da época. A composição “Coração Doloroso” é da autoria do próprio Desmond.

10. “Manhã de Carnaval”, por Dexter Gordon

A banda sonora do filme de Marcel Camus Manhã de Carnaval (1959), conhecido no mundo anglófono como Black Orpheus, foi maioritariamente da autoria de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, mas Luiz Bonfá contribuiu com duas canções, uma das quais é esta “Manhã de Carnaval” (por vezes denominada de “Black Orpheus” pelos anglófonos, por associação ao filme), que foi alvo de numerosas versões. Esta, em toada invulgarmente lenta e dolente, que realça a melancolia da composição, saiu no álbum Getting Around (Blue Note), do saxofonista Dexter Gordon, gravado em 1965, com Bobby Hutcherson (vibrafone), Barry Harris (piano), Bob Cranshaw (contrabaixo) e Billy Higgins (bateria).

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