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George Frideric Handel by Balthasar Denner
©Balthasar DennerGeorge Frideric Handel

10 Messias para redimir a humanidade

Quinta e sexta-feira, na Fundação Gulbenkian, poderá ouvir-se a mais famosa oratória de Handel, 'Messiah', de que existem disponíveis no mercado muitas e excelentes gravações. Para diminuir o embaraço da escolha, sugerem-se dez alternativas

Escrito por
José Carlos Fernandes
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O Messiah é das raras obras da história da música que pode orgulhar-se de possuir uma tradição interpretativa ininterrupta de mais de 270 anos, mas a forma como foi abordado foi mudando ao longo do tempo. Tendo sido tocado no tempo de Handel pelas pequenas formações corais e instrumentais típicas do barroco, a partir do final do século XVIII ganhou voga conferir à obra um carácter monumental – esta tendência teve como momento fundador uma série de concertos de homenagem ao compositor na Abadia de Westminster, em 1784, que tiveram a participação de 525 cantores e instrumentistas.

O apetite por Messiahs bombásticos enraizou-se tão rapidamente que, três anos depois, o anúncio de um novo concerto na Abadia de Westminster já prometia 800 executantes. A escalada prosseguiu ao longo do século XIX: em 1857, no Great Handel Festival, no Crystal Palace de Londres, apresentaram-se 2000 cantores e 500 instrumentistas. O recurso a forças tão vastas obrigou a que obra fosse profundamente reorquestrada (até Mozart foi contratado para realizar tal tarefa) e a que alguns instrumentos fossem dispensados – quem seria capaz de distinguir um cravo no meio de uma massa coral e instrumental de centenas?

No século XX registou-se um regresso a efectivos mais modestos, tendência que se acelerou a partir do advento da “interpretação historicamente informada” (HIP, na sigla inglesa), que repôs as partituras, efectivos e práticas instrumentais e vocais da época do compositor. As 10 superlativas versões que a seguir se sugerem conformam-se todas aos preceitos da HIP, embora tomem, cada uma, as suas opções. 

[Coro “All we like sheep, have gone astray”, na Pieterskerk, em Leiden, na Holanda, por The Choir of King’s College (Cambridge) e The Brandenburg Consort, com direcção de Stephen Cleobury]

 

1. Choir of Christ Church Cathedral (Oxford), The Academy of Ancient Music, dir. Christopher Hogwood (L’Oiseau-Lyre/Decca)

A popularidade de Messiah no tempo de Handel levou a que oratória fosse reposta várias vezes, em diferentes locais e com diferentes elencos vocais, o que levou o compositor a fazer ajustamentos – assim se explica que exista hoje uma dezena de versões da obra. Para aquela que foi a primeira gravação de Messiah em instrumentos de época, em 1979, Christopher Hogwood escolheu a versão executada a 15 de Maio de 1754 no Foundling Hospital e recorreu a um coro estritamente masculino, em que as vozes de soprano são asseguradas por rapazes cuja voz ainda não mudou (trebles, na designação inglesa). O coro da Christ Church Cathedral, de Oxford, conhece bem o seu ofício, pois já o exerce há quase cinco séculos – o seu primeiro maestro foi o eminente compositor John Taverner (c. 1490-1545).

Solistas: Judith Nelson, Emma Kirkby, Carolyn Watkinson, Paul Elliott, David Thomas.

[Coro “And he shall purify” por Hogwood et al.]

2. The Choir of King’s College (Cambridge), The Brandenburg Consort, dir. Stephen Cleobury(Decca)

Stephen Cleobury, maestro de um dos mais reputados desses coros, sedeado no King’s College, em Cambridge, fez este registo (segundo a partitura usada em 1752), em 1992-93 no próprio King’s College. A opção de usar vozes infantis é hoje raramente usada em gravações “profissionais”, uma vez que os níveis de exigência técnica se tornaram muito elevados e os rapazes-soprano amadores dificilmente podem competir com cantoras femininas profissionais, mas Cleobury prova que com um coro de rapazes muito bem ensaiado podem obter-se resultados de primeiro nível.

Solistas. Lynne Dawson, Hilary Summers, John Mark Ainsley, Alastair Miles.  

[Coro “And the glory of the Lord”, num concerto dirigido por Cleobury em Leiden, com exactamente o mesmo elenco que gravara o disco para a Decca pouco antes]

3. Choir of New College (Oxford), Academy of Ancient Music, dir. Edward Higginbottom (Naxos)

No duelo entre Cambridge e Oxford, esta última ousou dar um passo mais na direcção da “autenticidade histórica” e o maestro Edward Higginbottom, além de usar um coro de rapazes (o Choir of New College), recorreu nesta gravação de 2006, a rapazes-sopranos também como solistas. O resultado é admirável e tem uma frescura e inocência que compensam eventuais insuficiências pontuais de fôlego e precisão. Higginbottom tomou como referência a versão que foi ouvida em Londres em Abril-Maio de 1751, que recorreu efectivamente a rapazes como solistas, embora noutras ocasiões – nomeadamente na estreia – Messiah tenha tido mulheres a assegurar as vozes solistas de soprano e contralto.

Solistas: Henry Jenkinson, Otta Jones, Robert Brooks, Iestyn davies, Toby Spence, Eamonn Dougan.

[Recitativo e ária “But thou didst not leave his soul in Hell” (até 2’15); o solista é o treble Henry Jenkinson]

4. The English Concert & Choir, dir. Trevor Pinnock (Archiv)

A gravação de 1988 dirigida por Trevor Pinnock está quase a fazer 30 anos, mas mantém toda a sua pujança e frescura. O coro “Hallelujah” é, de longe, o trecho mais conhecido de Messiah – e de toda a obra de Handel – mas, apesar do seu indiscutível brilho, nem sequer se destaca no meio da sucessão de números inspirados que constituem esta oratória.

Solistas: Arleen Auger, Anne Sofie von Otter, Michael Chance, Howard Crook, John Tomlinson.

[Coro “Hallelujah”, por Pinnock et al.]

5. Monteverdi Choir, English Baroque Soloists, dir. John Eliot Gardiner (Philips)

A versão de John Eliot Gardiner é, com a de Pinnock, a mais consensual entre a crítica e os devotos de Handel. Tem a particularidade de, embora confie as árias de soprano a Margaret Marshall, usar um rapaz para cantar alguns trechos que requerem maior candura.

Solistas: Margaret Marshall, Catherine Robbin, Anthony Rolfe-Johnson, Robert Hale, Charles brett, Saul Quirke. 

[Coro “His yoke is easy”, por Gardiner et al.]

6. Dunedin Consort & Players, dir. John Butt (Linn Records)

Para esta gravação de 2006, o Dunedin Consort reconstituiu a sequência de peças e as forças vocais e instrumentais que se supõem ter sido as da estreia em Dublin, em 1742. Isto conduz a efectivos aparentemente magros – sobretudo se comparados com os da tradição interpretativa tradicional – com um coro de apenas 12 elementos, e as cordas reduzidas a sete violinos, duas violas, dois violoncelos e um contrabaixo. Não se sente, todavia, qualquer falta de vigor na interpretação e ganha-se em transparência e agilidade.

Solistas: Susan Hamilton, Annie Gill, Claire Wilkinson, Nicholas Mulroy, Matthew Brook.

[Coro “Unto us a child is born”, por Butt et al.]

 

 

7. Gabrieli Consort & Players, dir. Paul McCreesh (Archiv)

Paul McCreesh – que os lisboetas conhecem bem, uma vez que é maestro titular da Orquestra Gulbenkian desde 2013 – é um dos mais renomados intérpretes de grandes obras sacras e em particular das oratórias de Handel e o Messiah que gravou em 1996 (recorrendo à versão de 1754 do Foundling Hospital), à frente do seu agrupamento de música antiga, os Gabrieli Consort & Players, faz jus à sua fama.

Solistas: Dorothea Röschmann, Susan Gritton, Bernarda Fink, Charles Daniels, Neal Davies.

[0’00: Ária “Why do the nations so furiously rage together?”, solista Neal Davies; 1’14: coro “Let us break their bonds asunder”, etc.; por McCreesh et al.]

8. Le Concert d’Astrée Choeur & Orchestre, dir. Emmanuelle Haïm (Erato/Warner)

Entre as gravações mais recentes, a da maestrina francesa Emmanuelle Haïm, registada em 2013 e editada no ano seguinte, está entre as melhores. É frequente que as interpretações de oratórias inglesas de Handel por agrupamentos “continentais” revelem um domínio imperfeito do inglês – alguns discos de Handel por Harnoncourt falham nessa vertente – mas Haïm, embora mantenha a sua orquestra “continental”, recrutou coro e solistas 100% britânicos que contribuem decisivamente para uma interpretação exemplar, pautada por tempos rápidos e incisivos.

Solistas: Lucy Crowe, Tim Mead, Andrew Staples, Christopher Purves.

[Excerto do coro “Hallelujah”, por Haïm et al.; excerto das sessões de gravação do disco]

[Ária “Rejoice greatly”, por Haïm et al.; solista Lucy Crowe; excerto das sessões de gravação do disco]

9. The Choir of Clare College (Cambridge), Freiburger Barockorchester, dir. René Jacobs (Harmonia Mundi)

A versão gravada pelo maestro belga René Jacobs em 2006 recorre à versão de 1750 e a mais um coro de uma capela de Cambridge. Porém, ao contrário dos coros anteriores, que são de rapazes e foram fundados há vários séculos, o coro de Clare College é misto e foi fundado em 1971. É de assinalar que Jacobs, que recorre usualmente ao RIAS Kammerchor, um excelente coro berlinense com o qual registou dezenas de discos, tenha optado, como Emmanuelle Haïm, por um coro britânico para gravar Messiah.

Solistas: Kerstin Avemo, Patricia Bardon, Lawrence Zazzo, Kobie van Rensburg, Neal Davies.

[Ária “The trumpet shall sound” por Jabobs et al.; solista Neal Davies]

10. Choeur des Musiciens du Louvre, Les Musiciens du Louvre, dir. Marc Minkowski (Archiv)

A versão que Marc Minkowski gravou em 1997 na Opéra Bastille tem a vitalidade e os tempos rápidos usuais nas leituras de Handel por este maestro francês e que poderão assarapantar quem esteja habituado às leituras mais ponderosas e solenes da antiga tradição interpretativa. Não pode é negar-se que a interpretação de Minkowski tem uma energia contagiante.

Solistas: Lynne Dawson, Nicole Heaston, Magdalena Kozena, Charlotte Hellekant, Brian Asawa, John Mark Ainsley, Russell Smythe, Brian Bannatyne-Scott.

[Coro final “Worthy is the lamb”, por Minkowski et al., extraído do filme Messiah (1999), de William Klein. Os intérpretes são os mesmos da versão em disco]

O Coro e a Orquestra Gulbenkian apresentam a oratória Messiah na Fundação Gulbenkian, quinta-feira 8 e sexta-feira 9, 19.00, 18€

 

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