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Beatriz Pessoa
© Heito MonizBeatriz Pessoa

Beatriz Pessoa: “A música salva a alma das pessoas”

O álbum de estreia de Beatriz Pessoa foi gravado no Brasil e traz o calor e o cheirinho da Primavera. Falámos com a cantautora lisboeta.

Escrito por
Ana Patrícia Silva
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A mulher quer, a mulher sonha, a obra nasce. Beatriz Pessoa já cantou Mallu Magalhães no Festival da Canção, compôs para Cristina Branco e lançou dois EPs, Insects (2016) e II (2018). Decidiu explorar a sua musicalidade noutros territórios – primeiro em Nova Iorque e depois no Rio de Janeiro, onde acabou por gravar o disco de estreia, Primaveras, lançado a 26 de Fevereiro.


O que é que te fascina na música brasileira?
A poesia – a forma como falam de assuntos mais duros e tristes de uma maneira muito poética. Em Portugal temos o fado, que é muito bonito, mas tem sempre um peso. Na música brasileira é o oposto. É tudo leve, há sempre uma esperança. No Rio de Janeiro, as pessoas têm uma força que eu não vi em mais lado nenhum. Isso transparece na música que eles fazem e eu quis beber um bocado disso.

Que diferenças encontraste no meio artístico do Brasil em relação a Portugal?
Temos de ter em conta a dimensão, o Rio é muito maior que Lisboa, que é o meio que conheço melhor, e isso faz diferença. Em Portugal, o meio musical é muito pequeno e acho que se torna um pouco competitivo – de uma maneira que não acho que seja maléfica. Dentro do meio musical, os géneros musicais não se envolvem tanto ou então começam agora a envolver-se, mas não era uma coisa tão comum. No Brasil há uma disponibilidade maior, não só para pessoas de lá, mas também para quem vem de fora. Ninguém me conhecia e fui muito bem acolhida. Depois, a exigência a nível musical – aqui ainda estamos presos a alguns preconceitos, sejam académicos ou por mérito de likes e visualizações.

Trabalhas na produção, composição e arranjos – ainda é raro em Portugal uma mulher ter tanto controlo sobre a sua música.
Acho que isso acontece em todo em lado. Mas para mim foi muito difícil sentir que isso seria possível e que eu acreditava nisso. Tem a ver com as oportunidades que nos são dadas e com a força que nos é atribuída. Sempre que eu escrevia uma canção e a mostrava a alguém, duvidavam que eu a tivesse feito sozinha. Fui muito mais feliz no Brasil, lá senti que o facto de ser mulher, estar em controlo e saber o que quero não era tão questionado. Aqui em Portugal, se calhar isso acontece mais e eu sentia-me menos à vontade com a minha liderança. Acho que o facto de não existirem tantas mulheres a fazer produção, a serem líderes, tem a ver com isso ainda não ser normalizado.


Tiveste formação em jazz, como é que foste parar à pop?
Eu tenho imenso medo da palavra pop e da palavra jazz, não gosto de rótulos. Eu sempre estudei jazz, e enquanto compositora vou sempre beber a essa sonoridade, mas a minha música é mais influenciada pelo que ouço, a maneira como escrevo vai mais de encontro à pop e à MPB. Acho que a pop cai muitas vezes em preconceito, especialmente em meios mais jazzísticos ou académicos. Mas eu discordo, há coisas incríveis.

Por isso é que é importante haver pessoas como tu a quebrar esses preconceitos.
Sim, se calhar tens razão. Neste disco vou buscar batidas mais brasileiras, mas também misturo com a parte electrónica. Eu adoro cantar jazz, frequentar jam sessions, e vejo-me perfeitamente a gravar um disco de jazz, não é algo que exclua das minhas ambições.

Como é que chegaste ao jazz? Eras muito nova na altura.
Foi muito aleatório [risos]. A minha mãe não tinha onde me deixar no Verão e fui parar a um curso de jazz no CCB em Agosto quando tinha 13 anos. Depois adorei os professores, o ambiente, a liberdade musical que o jazz me deu. Antes disso já cantava, mas imitava outras vozes. Com o jazz, foi a primeira vez que me senti intérprete, que me debrucei sobre os poemas para os perceber.

O jazz também é importante quando cantas músicas mais “pop”, ajuda-te a colorir fora das linhas.
Sim, tem imenso espaço para a improvisação. Por outro lado, apesar de ser uma música muito livre, e que nasceu dessa vontade de ser livre, à medida que o jazz se foi tornando mais académico, houve uma competitividade maior. Encontrei mais liberdade no meio da pop do que no meio do jazz. É engraçado ver essa diferença entre a música e o meio em si.

Enquanto autora, interessou-te primeiro a parte de compor música ou de escrever letras?
Eu sempre escrevi, sempre foi um sítio onde conseguia desabafar. Mas o meu processo de criação é aleatório. Às vezes é o poema que me traz uma melodia à cabeça ou então vem a melodia e eu preencho-a com o poema. Mas acho que sou melhor a escrever letras, é a parte em que me sinto mais segura.

As tuas letras são autobiográficas?
Este disco foi difícil de lançar por ter as canções mais autobiográficas que eu escrevi. Nos EPs, eu tinha o papel de observadora, de contadora de histórias. Neste disco, as canções são coisas que vivi, desabafos que estavam na gaveta e que agora consegui transformar em música.


Tendo em conta que adoras viajar, como é que estás a lidar com a pandemia?
Eu vivo as coisas com intensidade e preciso de conhecer pessoas novas e de me debruçar sobre coisas diferentes. Eu não consigo fazer só música – gosto de desenhar, de escrever, de analisar cinema. E preciso de sentir que saio da minha bolha e da minha rede de segurança. Isso está a ser muito difícil de lidar, essa sensação de clausura. Para além disso, é a incerteza, a constante gestão de expectativas. Eu gravei o disco em Janeiro de 2020, já podia ter saído há quase um ano, é muito frustrante ter acabado de fazer algo de que me orgulho e que faz sentido numa altura específica e depois ter que esperar um ano para viver isso. Se calhar, o disco fazia mais sentido para mim naquela altura do que faz agora. Mas estamos todos a passar pelo mesmo, há uma união de frustração. Já tive que trabalhar para um restaurante, porque ser músico agora é impossível, mas vou-me arranjando. Vejo pessoas próximas de mim a ter que desistir de sonhos, colegas do audiovisual a passar por dificuldades graves. Sinto que vivo num país que não dá valor à minha área, que na verdade muitas vezes é a mais importante, é a que salva a alma das pessoas.

De que forma é que a música te ajudou nestes meses?
A música pode ser uma libertação, um escape. Para mim está em todo o lado, está em respirar. Muitas vezes ouves música porque te dá um quentinho no coração, porque te lembra alguém. A música para mim é uma terapia, não só a que ouço mas também a que escrevo e que tento passar aos outros. Quando escrevo uma música e decido mostrá-la ao mundo, é também com o objectivo de dar algum aconchego a alguém, seja de que forma for. E isso também me ajuda a ser mais feliz.

O que é que vais querer fazer quando isto acabar?
Eu já não consigo pensar em viagens loucas, já ficava feliz por ir beber uma cerveja com os amigos e ver os bebés que nasceram durante a pandemia. A minha avó vai fazer 80 anos, está fechada em casa e eu só queria beber um copo de vinho com ela. Primeiro, acho que vou fazer essas pequeninas coisas que já vão parecer gigantes e depois vou curtir, vou viajar, vou para o Lux louca, desvairada. Às vezes lembro-me de como era a minha vida antes e as coisas que nem percebia que estava a fazer. Eu partilhava bebidas com pessoas que não conhecia de lado nenhum! Que saudades de nem me lembrar que as pessoas tinham germes [risos].

Crítica

Beatriz Pessoa - Primaveras
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Beatriz Pessoa - Primaveras

  • 4/5 estrelas
  • Recomendado

Pelo disco de estreia de Beatriz Pessoa corre uma brisa brasileira que acentua a sua leveza. Na sua pronúncia, que por vezes se abre ao sotaque carioca, no toque tropical dos músicos que a acompanham e na participação de Cícero, a cantautora lisboeta encontrou o calor e o aconchego do outro lado do Atlântico. A sua música tem a pureza e o optimismo de quem ainda tem a vida toda pela frente. Dentro dela cabem todos os sonhos do mundo. Mulher, menina e moça, canta canções sobre as relações humanas, a liberdade e o amor, nas suas mazelas e matizes mimosas. Do jazz à electrónica, cria uma pop apurada e colorida, que nunca perde a frescura. Destas canções brotam flores, na forma como pinta e pincela as palavras. Primaveras é um disco muito bonito num mundo a precisar de muitos discos bonitos.

Conversa afinada

  • Música

Nascidos das cinzas dos Hipnótica, os Beautify Junkyards chegam ao quarto álbum com uma formação que inclui João Branco Kyron (vozes e sintetizadores), Helena Espvall (violoncelo, flauta e guitarra acústica), João Moreira (guitarra acústica e sintetizadores), Sergue Ra (baixo), António Watts (bateria e percussão) e Martinez (vozes). Cosmorama expande o universo tropicalista e psicadélico da banda e pede o título emprestado a uma galeria que existia em Londres na era vitoriana, com projecções de locais distantes e exóticos, um portal para viajar no tempo e no espaço – no fundo, tudo o que pode esperar deste disco.

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  • Portuguesa

Desde que Mariza apareceu, nunca mais olhamos o fado da mesma forma. Num mundo globalizado, deu-lhe novas cores e coordenadas, mas sem desrespeitar a tradição. Agora a completar 20 anos de percurso musical, Mariza canta Amália, no centenário do nascimento da diva. Já a interpretou várias vezes, mas é a primeira vez que lhe dedica um álbum inteiro. Gravado entre Lisboa e o Rio de Janeiro, o disco conta com arranjos do músico e produtor brasileiro Jaques Morelenbaum. Com guitarra portuguesa, viola e orquestra, afloram influências do jazz e da música clássica, mas também da lusofonia.

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Pedro Lucas, que a solo assina como P.S. Lucas, nasceu no Faial, passou por Lisboa, viveu na Dinamarca e está de regresso à capital. Depois do cruzamento entre a electrónica e a música tradicional portuguesa nos discos de Medeiros/Lucas e O Experimentar Na M'Incomoda, assume influências de nomes como Leonard Cohen e Bill Callahan e aposta tudo em canções belas, onde redescobre o prazer da guitarra. O novo álbum In Between conta com o trio nuclear João Hasselberg (contrabaixo), David Eyguesier (guitarra) e João Sousa (bateria), e participações de Catarina Falcão ou Jerry The Cat.

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