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Capitão Fausto
© Francisco Romão Pereira / Time OutCapitão Fausto

Capitão Fausto: “Só se sofre com aquilo que não se tem”

Os Capitão Fausto já não são o quinteto que sempre foram. Fomos perceber como esperam eles continuar a sua ‘Subida Infinita’ com menos um elemento.

Luís Filipe Rodrigues
Escrito por
Luís Filipe Rodrigues
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Os Capitão Fausto tinham 19, 20 e poucos anos quando se estrearam em disco com Gazela, em 2011. E tocavam juntos há ainda mais tempo, nalguns casos desde os 12. “Éramos adolescentes e pré-adolescentes”, recorda Tomás Wallenstein, no terraço do quartel-general da banda e da editora Cuca Monga, em Alvalade. “Imaginámos que íamos ser sempre os cinco”, conta Domingos Coimbra. Só que não. Quando a vida começava a voltar ao normal, ainda em 2022, o teclista Francisco Ferreira anunciou que se ia embora. A notícia caiu como uma bomba no seio do grupo de amigos e ecoa – com mais e com menos estrondo – nas dez faixas do novo álbum, Subida Infinita, o último com Francisco.

Se Capitão Fausto Têm os Dias Contados (2016) era o disco em que se confrontavam com a chegada da vida adulta e aceitavam que a mocidade tinha chegado ao fim, e A Invenção do Dia Claro (2021) documentava aqueles primeiros anos em que maioridade é motivo de festejo e sinónimo de independência, Subida Infinita é o disco em que percebem que ser adulto é uma merda e que esta “vida é sempre a perder”, como diziam os outros. É um disco marcado pela perda e “as ausências”; em que “a palavra ‘nada’ aparece em quase todas as músicas”, como repara Tomás, além de vocalista, o letrista e principal responsável por isso. Um terço das faixas, sublinhamos, até tem “nada” no título.

“Há uma presença da ausência muito grande”, concorda o cantor. “Foi algo que nos acompanhou ao longo destes anos.” É que não perderam só um membro – aliás um dedo, para repetir a metáfora de “Nuvem Negra” (“a mão que fica sem polegar não se agarra”). Também viram um amigo, Gastão Reis, morrer de repente, apenas com 24 anos, depois de o prédio onde vivia ter desabado. “Tínhamos acabado de fazer um concerto na véspera, o primeiro do Conjunto [Cuca Monga, supergrupo que juntava os artistas da editora] depois da pandemia. Havia ali uma certa esperança, parecíamos estar em processo de ascensão e fomos todos muito abalados com isso”, recorda Tomás, a voz a tremer. Ficaram ainda sem o sítio onde se “sentiam uma banda”, o antigo estúdio em Alvalade. 

Foram umas pancadas a seguir às outras, com a pandemia, as guerras e a inflação como pano de fundo. Não admira que este disco soe desolado. “Ao mesmo tempo, irritante ou curiosamente, tivemos promessas de uma grande companhia para o resto da vida, de filhos, de casamentos, etc”, partilha Tomás. Mas esse lado não se ouve tanto. “Só se sofre com aquilo que não se tem, não é? Já o Variações dizia. Frustrava-me um bocadinho estar a direccionar-me sempre para aquilo que não está a existir, e a ignorar aquilo que acabou de existir e que é”, diz Tomás. Durante algum tempo, porém, não o conseguia evitar. Até que a luz entrou pelas brechas dos instrumentais. “E as flores começaram a surgir à volta das canções nestes últimos três meses. Foi quando elas mais se transformaram.”

Uma bela despedida

Apesar de os restantes membros terem sentido a saída do teclista como um rompimento, separaram-se a bem. Tinham começado a trabalhar no disco juntos, ainda em 2021, e celebrado ao vivo os 11 anos do álbum de estreia, Gazela, em 2022. Foi aí que caiu a bomba. “Depois desses concertos, ele disse que estava à procura de outra coisa, fora da música”, recorda Domingos. “O Francisco disse que gostava que continuássemos sem ele. E queria acabar de fazer este álbum connosco.” Mas pairava uma grande incerteza sobre o futuro.

Por uns momentos, consideraram separar-se. “Acho que isso passou pela cabeça de todos quando o Francisco disse que queria sair. Eu pelo menos sempre pensei, quando era mais novo, que a banda acabava se um de nós saísse”, confidencia Salvador Seabra. “Hoje já é mais complexo pensar sobre isso. A banda tem outra seriedade. Já temos filhos, temos contas e isto é o que fazemos, é a nossa profissão.” Tomás Wallenstein toma a palavra: “Tivemos tempo de entender quem é que queria mesmo continuar. Da mesma maneira que o Francisco percebeu que queria tomar outro caminho, deu-nos a oportunidade de perceber se queríamos continuar, e que só íamos fazê-lo se fosse mesmo a prioridade máxima. Depois destes momentos de incerteza, percebemos que tínhamos de seguir em frente.”

Têm a certeza que tomaram a decisão certa. Que fizeram as coisas da maneira mais certa. “Nestes anos, aprendemos a falar mais uns com os outros do que noutras alturas, em que se calhar os problemas não eram tão aparentes, só que estavam a começar a aparecer”, reconhece Domingos. “Foi uma bela despedida. E as coisas [entre nós] estão bem”, diz. Parece mesmo que sim. Enquanto falamos, Francisco está a jogar Super Smash Bros. Ultimate e a ter reuniões numa sala ao lado. Continua a trabalhar com os amigos de toda a vida, apenas não na banda. “Ele expôs manifestamente que uma das coisas que mais alegria lhe dá é a Cuca Monga, ajudar artistas e trabalhar aqui. É o que está fazer”, acrescenta Domingos.  

Música para gente sentada

O disco que nasceu deste tumulto é um caleidoscópio pop. Começa outonal, bebe do soft rock americano e da música portuguesa dos 70s, tem assomos de psicadelismo ao lado de momentos de euro-disco que lembram os Abba. Há raios de luz primaveril e instrumentais de corte clássico como a faixa-título, composta para um dos concertos que tocaram com orquestra e com o amigo e maestro Martim Sousa Tavares. “Vamos a muito mais sítios do que fomos no disco anterior”, concorda Domingos. “Andámos à procura de coisas novas.”

Vão a sítios, mas raramente precisam de se levantar do lugar – a maior parte das canções nasceram ao piano. Também não impelem o público a levantar-se com a frequência de antanho. É um disco para “gente sentada”, brinca Tomás Wallenstein. E é sentada que a gente está a ouvi-lo, em auditórios de todo o país. A digressão arrancou a 29 de Fevereiro, 15 dias antes da edição desta Subida Infinita, num Teatro Aveirense completamente lotado. Os bilhetes para as quatro datas na Culturgest lisboeta, entre terça-feira, 2 de Abril, e sexta-feira, 5, também desapareceram num ápice e só não se venderam mais porque eles não quiseram. Também já não cabem mais pessoas na Casa da Música do Porto a 16 de Abril – abriram entretanto uma segunda data, a 17, que o mais certo é também esgotar.

Não foi falta de ambição. “Quisemos fazer uma coisa muito consistente. Como o formato da banda ia mudar, e como todo o espectáculo ia mudar e ser muito à base da música nova, fizemos questão de controlar melhor como é que ele acontece. Como no resto do país tocamos em auditórios de uma certa dimensão, para gente sentada, optámos por manter mais ou menos esse tipo de espectáculo e guardar a oportunidade de fazer salas maiores para mais tarde”, justifica Tomás. “Mas existem esses planos. Temos agora esta primeira fase, nos auditórios, depois vamos tocar ar livre durante o Verão, a seguir regressamos aos auditórios. Depois vamos fazer um festival grande.” E mais não dizem.

Quem assistiu aos concertos tocados noutras cidades, ao longo das últimas semanas, sublinha que estamos perante uns Capitão Fausto diferentes. “Agora somos uma banda de quatro, em estúdio. E não queríamos que, sequer ao vivo, existisse uma substituição literal. Encontrar só um teclista novo e pronto. Então achámos fixe arranjar mais mãos. E nada melhor do que falar com músicos e amigos da Cuca Monga”, assume Domingos. “Neste caso, o Fernão Biu, de Zarco, e o Miguel Marôco, teclista. Achámos por bem convidá-los e também desafiar um bocadinho o nosso concerto a ser diferente do que tem sido. Estamos a explorar outros instrumentos e outras formas de tocar as nossas músicas.” 

Mas não se habituem a esta nova aritmética, avisa a banda. “Abrimos um precedente e a partir daqui os nossos concertos ao vivo podem ser seis pessoas, podem ser mais pessoas, Podemos propor-nos a fazer outro tipo de coisas”, prossegue Domingos. “Isso foi muito  importante. Porque trouxe-nos algum alento e alguma alegria na própria concepção do espectáculo, nos ensaios”, adiciona Tomás. Não foi fácil chegarem até aqui, mas parecem confortáveis no lugar em que se encontram. Prontos para continuar a sua Subida Infinita.

Culturgest. 2-5 Abr (Ter-Sex). 21.00. 30€

Continuamos à conversa

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