Quando Davide Perez nasceu em Nápoles, em 1711, a cidade era um fervilhante viveiro de compositores, que eram “exportados” para toda a Europa. Aí recebeu instrução musical dos mestres Mancini, Veneziano e Barbella e mal acabou os estudos foi convocado para Palermo, onde esteve ao serviço de Diego Naselli, príncipe de Aragona. A sua primeira ópera, La Nemica Amante, foi concebida para abrilhantar o aniversário de Carlos VII de Nápoles, em 1735, tendo sido na ocasião favoravelmente comparada com a ópera de Pergolesi estreada na mesma ocasião.
Em 1748, percebendo que os horizontes de Palermo eram demasiado estreitos para o seu talento e ambição, pediu licença das funções de mestre de capela e voltou as costas à cidade siciliana. Foi uma jogada acertada, pois as suas óperas foram acolhidas entusiasticamente nos principais teatros italianos e fizeram caminho até Viena. Já o concurso para o posto de mestre de capela no Vaticano, a que se submeteu em 1749, teve desfecho menos feliz: foi preterido em favor de outro prestigiado compositor de ópera e música sacra, Niccolò Jommelli, embora os músicos e cantores preferissem Perez – consta que dois cardeais terão manipulado a decisão a favor de Jommelli.
Em 1752, D. José I conseguiu aliciar Perez a tornar-se mestre de capela em Lisboa, bem como professor de música das infantas. Perez acabou por ficar em Lisboa até à morte, em 1778, e exerceu forte influência sobre os compositores portugueses da segunda metade do século XVIII. A sua produção operática nos primeiros anos em Lisboa teve um ritmo frenético – Demofoonte (1752), L’Olimpiade (1753), L’Eroe Cinese (1753), Adriano in Siria (1754), L’Ipermestra (1754) – mas foi brutalmente interrompida quando o terramoto de 1755 destruiu a recém-inaugurada Ópera do Tejo.
[Ária “In Te Spero, O Sposo Amato”, da ópera Demofoonte (1752), de Davide Perez, por Joana Seara (soprano) e Os Músicos do Tejo, com direcção de Marco Magalhães. O trecho faz parte do CD As Árias de Luísa Todi, editado em 2010]
A composição de óperas tornou-se mais espaçada, mas Perez continuou a compor música sacra e outras obras vocais profanas, como a serenata L’Isola Disabitata, com libreto de Metastasio (o mais prolífico e popular libretista de todos os tempos), que estreou em 1767 no Palácio Nacional de Queluz, onde residiam o infante D. Pedro e a futura rainha D. Maria I, que eram alunos de Perez. Nunca mais foi ouvida até ter sido resgatada pelo Divino Sospiro em 2015, num concerto no mesmo palácio.
A serenata regressa pela mão de uma equipa similar – os cantores Francesca Aspromonte, Eduarda Melo, Joana Seara e Bruno Almeida e o Divino Sospiro com direcção de Massimo Mazzeo – mas agora em versão encenada (por Carlos Pimenta).
Os libretos de Metastasio gozaram de enorma voga no século XVIII e antes de Perez compor L’Isola Disabitata, o libreto já tinha antes sido musicado por Giuseppe Bono, em 1754, e viria depois a suscitar o interesse de compositores como Haydn, em 1779, Giovanni Paisiello, em 1799, e ainda de Manuel García (pai da famosa Maria Malibran), em 1831, muito depois da morte do libretista, ocorrida em 1782.
[Ária “Fra un dolce delirio”, da ópera L’Isola Disabitata (1779) de Joseph Haydn, por Patricia Petibon (soprano) e Concerto Köln, com direcção de Daniel Harding]
Nos tempos modernos, L’Isola Disabitata de Haydn tem tido alguma visibilidade – embora as óperas de Haydn estejam muito longe de gozar do apreço das suas sinfonias e música de câmara – mas as restantes versões continuam mergulhadas no esquecimento, pelo que esta apresentação no CCB é uma rara oportunidade para redescobrir a “ilha deserta” de Perez.
CCB, sexta-feira 25 e sábado 26, 20.00, 20-30€