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Alexei Volodin
©Marco BorggreveAlexei Volodin

Dez concertos para piano que precisa de ouvir

O pianista russo Alexei Volodin traz a Lisboa o Concerto n.º 5 de Beethoven. Recordamos outras obras-primas do género

Escrito por
José Carlos Fernandes
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O pianoforte, o grácil antepassado do robusto instrumento que hoje conhecemos como piano, foi inventado por Bartolomeo Cristofori no início do século XVIII, mas levou algum tempo até que pudesse contestar a hegemonia do cravo e os compositores começassem a escrever peças destinadas especificamente a ele. Os meados do século XVIII foram um período de transição em que os concertos se destinavam a um instrumento de tecla que tanto pode ser o cravo como o pianoforte, daí que seja impossível apontar uma obra, entre as que foram compostas nesta altura pelos filhos de Johann Sebastian Bach, Georg Christoph Wagenseil (1715-77) ou Carl Friedrich Abel (1723-87) como sendo “o primeiro concerto para piano da história”. Mas a evolução acelerada que o do pianoforte sofreu no terceiro quartel do século XVIII acabou por convertê-lo num instrumento com características bem demarcadas do cravo, ao mesmo tempo que acabou por ditar a extinção deste.

Beethoven por Volodin

Fundação Gulbenkian. Quarta-feira, 29 de Janeiro, 21.00. Quinta-feira, 30 de Janeiro, 19.00. 14-28€.

Dez concertos para piano que precisa de ouvir

1. Mozart: Concerto n.º 23 K488

Mozart deu os primeiros passos no concerto para tecla aos 11 anos, mas as quatro obras que então produziu consistiam em arranjos de obras de outros compositores. O seu primeiro concerto para tecla original, o n.º5 K175, em 1773, com apenas 17 anos. É provável que os primeiros concertos de Mozart tenham sido concebidos a pensar mais no cravo do que no piano, mas ao longo da breve vida de Mozart, o segundo acabaria por impor-se completamente ao primeiro. Mozart viria a compor um total de 27 concertos (incluindo um para dois pianos e outro para três pianos), uma quantidade que suplanta de longe a produção de qualquer outro compositor. Mozart era um pianista exímio e foi ele mesmo que estreou a maioria dos concertos em espectáculos por ele organizados e que contribuíam para equilibrar as suas finanças sempre periclitantes. É natural que, ao compor para si mesmo, neles colocasse toda a sua sabedoria e toda a sua alma, e a partir do momento em que atingiu a maturidade – ao fim da primeira dezena de concertos – todas as obras são superlativas, pelo que a escolha do n.º 23 K488, estreado em Viena em 1786, é puramente arbitrária.

[I andamento (Allegro) do Concerto n.º 23, por András Schiff e a Camerata Academica de Salzburgo, com direcção de Sándor Végh (Decca)]

2. Beethoven: Concerto n.º 5 op.73 “Imperador”

Os primeiros concertos para piano de Beethoven ainda reflectem a herança estilística de Mozart e Haydn (que também deixou alguns concertos para tecla, bem menos populares do que os de Mozart), mas quando chegou ao n.º 5, já tinha operado uma redefinição do género. O público da época começou por recebê-lo com pouco entusiasmo, não sendo capaz de compreender inteiramente as novas vias que o compositor desbravava. O concerto, como o n.º 4, foi dedicado ao Arquiduque Rodolfo, ex-aluno de piano de Beethoven e seu mecenas, e algumas fontes indicam que terá sido Rodolfo a estreá-lo, num concerto privado no palácio do príncipe Lobkowitz, em Viena, a 13 de Janeiro de 1811. O cognome “Imperador” não é da lavra de Beethoven – que lhe chamou “Grand Concerto” – mas do editor da obra na Grã-Bretanha.

[III andamento (Allegro ma non troppo) do Concerto n.º 5, por Alfred Brendel e a Filarmónica de Nova Iorque, com direcção de Kurt Masur, num concerto no Lincoln Center, 1996]

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3. Schumann: Concerto op.54

Atendendo a que a maioria dos compositores do Romantismo foram grandes pianistas ou até virtuosos do instrumento, é de estranhar a magreza da produção de concertos ao longo do século XIX: Schubert 0, Chopin 2, Liszt 2, Mendelssohn 2, Brahms 2, Grieg 1. Schumann compôs apenas um, em 1845, que dedicou ao compositor Ferdinand Hiller. Foi a sua esposa, Clara, exímia pianista, a estreá-lo a 1 de Janeiro de 1846 na Gewandhaus de Leipzig (e empregando como I andamento a reciclagem de uma Fantasia para piano e orquestra que Schumann compusera para Clara 15 anos antes).

[Concerto op.54 por Martha Argerich e a Orquestra da Gewandhaus de Leipzig (a mesma orquestra da estreia em 1846), com direcção de Riccardo Chailly, num concerto na Gewandhaus de Leipzig, a 2 de Junho de 2006, no dia do 250.º aniversário da morte do compositor]

4. Liszt: Concerto n.º 1

Contrastando com a facilidade sobre-humana com que Liszt enfrentava as mais espinhosas partituras, o seu primeiro concerto para piano teve uma génese inesperadamente demorada: os primeiros esboços datam da década de 1830, quando tinha 19 anos, mas só em 1839-40, durante a sua estadia em Roma começou a trabalhar nele seriamente. Só ficaria concluído em 1848-49 e a estreia teria de esperar ainda seis anos: teve lugar em 1855, em Weimar, com o compositor no piano e Hector Berlioz a dirigir a orquestra.

[Concerto n.º 1, por Lang Lang e a Orquestra Sinfónica da BBC, com direcção de Edward Gardner, na Last Night of the Proms 2011, no Royal Albert Hall; é uma interpretação plena de panache, mas é preciso dar um desconto às expressões e gesticulações de Lang Lang]
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5. Brahms: Concerto n.º 2 op.83

O primeiro concerto para piano de Brahms teve um parto longo – ocupou Brahms entre os 21 e os 25 anos – e difícil – foi uma sinfonia e uma peça para dois pianos, antes de assentar no formato final, em 1858 – e não suscitou grande entusiasmo entre o público. É possível que o tortuoso processo de composição e o acolhimento frio tenham contribuído para que o n.º 2 só tenha surgido mais de duas décadas depois, estreando em 1881, em Budapeste, com o compositor ao piano, após três anos de labor em torno da partitura. Desta feita, os seus esforços foram compensados, pois a obra foi bem acolhida e Brahms teve oportunidade de tocá-la várias vezes pela Europa fora.

[Concerto n.º 2, por Maurizio Pollini e a Filarmónica de Viena, com direcção de Claudio Abbado, 1977]

6. Tchaikovsky: Concerto n.º 1 op.23

Atendendo ao apreço de que goza entre músicos, críticos e públicos, custa a crer que tenha recebido críticas tão ásperas quando, an véspera de Natal de 1874, o compositor, que era um pianista competente mas não um virtuoso, tocou o Concerto para piano nº1 para o célebre pianista Nikolai Rubinstein. Tchaikovsky pretendia dedicar o concerto a Rubinstein e esperava conselhos quanto a questões estritamente pianísticas. Em vez disso o que recebeu foi uma torrente de impropérios: Rubinstein declarou o concerto repelente, imprestável, intocável, fragmentário, desajeitado, incompetente, ordinário – e, aqui e ali, até tinha plágios de outros compositores. Já mais calmo, Rubinstein apresentou uma extensa lista de alterações como condição para que ele desse ao compositor a honra de o interpretar. Tchaikovsky respondeu que não mudaria uma única nota. O tempo deu-lhe razão: o concerto, que foi estreado por Hans von Bülow em Boston, a 25 de Outubro de 1875, tornou-se num dos mais ouvidos e apreciados.

[Concerto n.º 1, por Evgeny Kissin e a Orquestra Sinfónica de Boston, dirigida por Seiji Ozawa, no Carnegie Hall, Nova Iorque, 1995]
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7. Rachmaninov: Concerto n.º 2

A carreira de Rachmaninov como compositor começara cedo – com o Concerto para piano n.º1, composto em 1891, com 18 anos, quando ainda era aluno do Conservatório de Moscovo – mas sofreu um interregno entre 1897 e 1900. A razão para o silêncio foi a recepção arrasadora que teve a sua Sinfonia n.º1, em 1897 – Rachmaninov estaria consciente de que a culpa era menos da obra do que da direcção de Glazunov, compositor competente mas maestro inepto, mas tal não impediu que perdesse a confiança nas suas capacidades e ficasse bloqueado perante a partitura em branco. A salvação veio do Dr. Nikolai Dahl, que já tratara com sucesso uma tia do compositor. Através da hipnose, o Dr. Dahl conseguiu fazer com que Rachmaninov saísse da depressão e se lançasse na composição do Concerto para piano n.º2, que estreou em 1901 em Moscovo, com o compositor como solista. Reconhecido, Rachmaninov dedicou a obra a Dahl.

[Concerto n.º 2 de Rachmaninov, por Hélène Grimaud, com a Orquestra do Festival de Lucerne, dirigida por Claudio Abbado]

8. Ravel: Concerto para a mão esquerda

Defendia Ravel que um concerto deve ser “alegre e brilhante e não procurar profundidade e efeitos dramáticos”. Se o Concerto para piano em sol maior cumpre este programa, o Concerto em ré maior para a mão esquerda é assunto mais sério. Os dois concertos foram compostos em simultâneo, em 1929, são ambos de elevada exigência virtuosística e ambos têm influências do mundo vibrante do jazz, mas o Concerto para a mão esquerda nasceu de uma encomenda insólita: o pianista Paul Wittgenstein (irmão do mais conhecido filósofo Ludwig) perdera o braço direito na I Guerra Mundial, mas, determinado a refazer a carreira, solicitara peças concertantes destinadas à mão esquerda à fina-flor dos compositores de então: Britten, Hindemith, Korngold, Prokofiev, Strauss e Ravel. Hoje, as peças dos restantes compositores estão esquecidas e só o concerto de Ravel se mantém no repertório – e com justiça, pois Ravel foi superou a limitação da encomenda e criou um concerto de extraordinária vitalidade, invenção e densidade, em que, quem não saiba, nem por um momento suspeita que o solista recorre apenas a uma mão.

[Concerto para a mão esquerda, por Yuja Wang e Orchestra dell’Academia Nazionale di Santa Cecilia, dirigida por Lionel Bringuier, Roma, 2016]
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9. Prokofiev: Concerto n.º 2 op.16

Sergei Prokofiev (1891-1953) foi, com Rachmaninov (1873-1943) e Bartók (1881-1945), um dos mais respeitados pianistas de concerto do início do século passado. É natural que os seus concertos para piano sirvam também de veículo para o seu virtuosismo – e em nenhum outro tal é tão patente como no n.º 2, composto em 1912-13 e estreado pelo próprio compositor em Pavlovsk, em 1913. Prokofiev tinha apenas 22 anos e atravessava então a sua fase “futurista”, caracterizada por música de natureza percussiva, agitada e desafiadora dos cânones. Nunca saberemos a que soava exactamente este concerto, pois a partitura acabou por se perder num incêndio e Prokofiev teve de reconstituí-la de memória em 1923, altura em que terá inserido substanciais alterações (Prokofiev declarou mesmo que era como se fosse um novo concerto).

[IV andamento (Allegro tempestoso) do Concerto n.º2, por Vladimir Ashkenazy, com a Orquestra Sinfónica de Londres, dirigida por André Previn (Decca). “Tempestoso” é a palavra justa ]

10. Bartók: Concerto n.º 2

O Concerto n.º 1 (1926) de Béla Bartók faz extraordinárias exigências ao solista, mas o n.º 2 vai ainda um pouco mais longe e é considerado como um dos mais espinhosos de todo o repertório, juntamente com o n.º 2 de Prokofiev e o n.º 3 de Rachmaninov (e deve realçar-se que a componente orquestral, em que a percussão tem particular relevo, é tão tumultuosa e complexa como a parte do solista). O Concerto n.º 2, terminado em 1931, foi ouvido pela primeira vez em 1933, em Frankfurt, com Bartók como solista (como aconteceu também com o n.º 1 e o n.º 3).

[III andamento (Allegro molto) do Concerto n.º2, por Zoltán Kocsis, com a Orchestra della Svizzera Italiana, dirigida por Zoltán Pesko, 1995]

Mais clássica

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Na música, o período Romântico cobre quase todo o século XIX e os primeiros anos do século XX. Há quem veja o Beethoven dos últimos anos de vida como o primeiro romântico e Rachmaninov, que continuou a compor música nos moldes oitocentistas muito depois das revoluções operadas por Debussy, Ravel, Stravinsky e a Segunda Escola de Viena, como o último romântico. Nestas contas não costumam entrar os Neo-Românticos da década de 1980, como os Duran Duran e os Human League, cuja contribuição se exerceu menos na área da música do que na do hairstyling & makeup.

Sete obras clássicas compostas por miúdos
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Num cartoon de Calvin & Hobbes, a dupla está a ouvir música e o tigre, lendo a contracapa do LP, informa Calvin de que Mozart teria composto a peça que estão a ouvir aos quatro anos. Calvin fica perplexo e responde que essa foi a idade com que ele tinha aprendido a fazer as suas necessidades na casa de banho. A forma como o cérebro humano se relaciona com a música é um enigma e uma fonte de prodígios e permite que crianças e adolescentes imaturos nos restantes aspectos da vida sejam capazes de criar obras musicais de sofisticação e profundidade comparáveis às de um compositor adulto.  

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