António Zambujo veio à redacção da Time Out falar sobre o último projecto.
Meio aos tropeções, Luís Severo aterra no Linha d’Água que nem um explorador deslocado. Um aceno chega, afinal este é só um clássico lugar para entrevistas, pouco tem a ver com o habitat do músico português. Ele que vive na Penha de França há um ano e meio, e que, neste momento, já só consegue rogar pragas a esta Lisboa do city-tour e do co-work. Este segundo disco enquanto Luís Severo (homónimo, que sucede a Cara d’Anjo) está por aí, entre o amor, esta cidade e uma atmosfera sónica que apela a uma missa pop que leva todos à igreja.
Dizes “Amor, és Penha de França”, na primeira faixa “Amor e Verdade”. Que conceito é este?
Bem, tenho estado a viver lá, a minha namorada é de lá...mas isso foi mais um elogio, apesar de tudo é uma zona que ainda não está muito afectada por esta vaga gentrificada, sendo que acho que já andam a tentar a fazer uns hostels e umas cenas de tapas, mas ainda não há muito.
Ou seja, é quase ser indie em 2017.
Sim, a Penha de França ainda mantém algum traço de pessoas, não é apenas para quem vem de fora, tem uma dinâmica de bairro...no fundo ainda está livre desta cena que acho meio fatela.
É por isso que dizes “dá-me uma esperança nesta cidade”?
Sim, quando digo isso é mesmo no sentido que a cada ano que passa Lisboa está a ficar pior. Quando aluguei a minha casa já estava tudo tão caro...e só piora, os preços só sobem.
Podemos afirmar que Lisboa, enquanto cidade e espaço que te envolve, foi e é essencial no teu processo de composição?
Sim, e nunca tinha estado mesmo a viver cá, a minha família é de Odivelas. Estou aqui há um ano e meio e sim, sinto mais a cidade como ela é, tanto que ainda tenho que ir mudar a minha zona de residência para poder votar cá.
Queres revelar a tua intenção de voto?
Não vou revelar precisamente, posso dizer que se pensarem bem sabem quem é. Não é o Fernando Medina, nem é a Assunção Cristas e também não é aquela senhora do PSD que ninguém sabe quem é.
“Isto aqui é Lisboa, cada qual que se defenda”. Defendes-te do quê, dos pombos?
Ahhh...dos pombos, sim. Mas essa frase surge por dar a sensação, e não tenho a certeza disto, é só um sentimento, que Lisboa é uma cidade menos solidária do que outras, encontrei sempre mais solidariedade noutras terras portuguesas.
Até porque foi em algumas delas que começaste a fazer este disco, certo?
Sim, comecei muito em viagem. Estive em tour, mas vinha sempre a casa, quinta, sexta, sábado e voltava, podia sempre fazer essa comparação.
Esta aproximação à Cuca Monga, ao estúdio de Alvalade, ao Diogo Rodrigues e ao Manuel Palha, entre outra malta, foi essencial?
O Diogo é o ponto inicial, depois o Manuel entra já tipo a meio e acaba por ser um elemento chave. Só que o Diogo acompanha-me ao vivo desde 2015, conheci o estúdio dele, gostei imenso, um dia tivemos assim uma [hesita por meio segundo] talk. E ele aceitou-me lá.
E como é que foi esse processo e convivência?
Muito natural. Já me dava bem com todos, mas só de copos e noite, e foi fixe.
Começou na primeira Festa Moderna?
Bom, já tinha começado antes, sobretudo com o Diogo, mas na Festa Moderna aproximámo-nos, sim. E eles acabam a tocar sem forçar nada, não foi nada combinado...
Foi aquele “passa aí”...
Ya, exactamente isso. E claro que o disco não tinha ficado desta maneira se não tivesse trabalhado com eles, se isso não afectasse nada nem valia a pena ter mais gente comigo.
Classificas o disco como sacro-pop.
Isso é uma piada. Já muitas pessoas fizeram a referência, sobretudo a propósito do Cara d’Anjo, que a minha música lembra um bocado missa e ambientes assim de churches, e eu, por piada, assumi a cena do sacro-pop. Espero que o Padre Borga não fique ofendido.
O que é que o Padre Borga diria do teu disco?
Eh pá pois, é que isso é que é sacro-pop. Se queres que te diga não faço ideia, mas acho que ele não acharia sacro-pop.
Mas reconheces esse ambiente de intimidade, quase espiritual, na tua música.
Sim, claro, e reconheço que tenho algumas músicas litúrgicas, e apesar de ser agnóstico há algumas músicas deste ambiente que acho fixes. E, de facto, muitos dos cantautores que oiço são influenciados por esta realidade, o Cohen e o Dylan, por exemplo, têm fé, algo que não tenho, e isso serve-lhes para criar algumas canções.
Li que para este disco querias romper com o método de escrever canções que tinhas. O que mudou?
Já estava um bocado saturado com o meu método, que era sempre fazer uma boa letra, já com verso e métrica a postas e depois atacava a canção. Isso estava-me a dar a sensação que as músicas estavam a ficar sempre iguais e neste disco decidi fazer o oposto: ir para o piano compor, começar a soltar as linhas de voz e com isso acabar por não ter uma métrica rígida. Ou seja, quando começas a fazer quadras sabes que aquilo que vai ser sempre uma quadra, este disco acaba por ter uma fluidez maior, no que digo, no discurso.
Isso foi uma opção ou foste guiado intuitivamente para esse trilho?
Só decidi que tinha que ser de outra maneira, e só o fiz porque queria encontrar novas coisas. No fundo, o segundo disco é sempre uma angústia, especialmente quando o outro correu bem. As pessoas gostaram e tu ficas: o que é que eu faço agora?
O eterno boss do segundo disco.
É isso mesmo, já há uma expectativa...e eu tentei, antes de tudo, romper com o que já tinha feito para pelo menos ter a certeza que vai ser um disco diferente. Decidi que mesmo que fosse um disco estranho e mal recebido, ia ser um disco que ninguém ia achar que era igual. E já que estava a fazer canções mais estranhas, porque acho que estas canções em si são menos imediatas, o que acontece é que tem os arranjos mais imediatos, que foi o que tentei fazer.
Complexificar de um lado e simplificar do outro.
Exacto e nisso a Cuca Monga ajudou-me bastante. Eles têm isso de uma forma muito mais vincada, são muito objectivos, sabem bem o que é que uma música precisa de ter ali. Diria que são mestres a montar puzzles e a solucionar chatices.
São “Boa Companhia”, é isso?
São sim senhor.
Mas essa música é para eles?
Não, acho que não. A minha namorada ficava ofendidíssima se eu dissesse que esta malha é sobre o Manuel Palha.
Exacto, o Manuel tem a sua sensualidade, mas não é o caso.
Tem pois, mas não é para ele, de facto.
Dizes que é um disco mais solitário, ainda que tenhas um nome com esta canção e uma porrada de amigos a ajudar no processo.
Sim, apesar de neste estúdio ter ainda algumas pessoas, somos sete. No outro estúdio, na Interpress, estava lá toda a gente, aquilo tem montes de salas, há a sala da Cafetra, há a sala do Sambado, do Ferrandini, da Filho Único e, inevitavelmente, encontrava montes de pessoas que iam sempre dar uma sugestão, mandavam bocas e todos os meus discos, quando os acabei, todos os meus amigos já estavam cansados deles. Este não. Este só foi ouvido pelas sete pessoas que estavam naquela sala de ensaio. O Diogo e o Palha foram os que ouviram mais. Quando falei nessa solidão é precisamente a falta dessa aprovação externa.
Precisavas disso?
Sim, precisei disso.
Em “Planície (tudo igual)” dizes: “Alameda renda paga vida longa / o mês que acaba é bom sinal”. No fundo, as tuas preocupações não são muito diferentes das minhas, da do ser humano comum. A música não chega?
Vai chegando. Mas há muitos meses em que é fundamental esticar. Vivo disto, faço algumas vezes outras coisas, mas sempre em música, coisas que dão alguma compensação, vai sendo possível. Este último ano foi complicado. Mas se pensar que estou a viver da música isso já é muito bom, há quem não consiga. O pior disto são aquelas coisas que demoram uma eternidade a pagar, ficas muito tempo sem nada na conta, ou vão-me tirar à conta...
Os débitos directos desta vida, portanto.
Podes crer. Neste momento estou só com saldo contabilístico, que é aquele filme de teres lá a guita mas que não está na verdade e ainda é uma quantia elevada...estou há dias nisto. Ir ao multibanco é sempre um filme.
“Olho de Lince”, é coisa que não tens é isso?
Agora já tenho mais, mas a música é sobre isso, é sobre seres ou não seres ingénuo, acho que já fui bem mais, a canção fala disso.
E outra coisa: falamos do lince ibérico? É que essa é uma das maiores preocupações da sociedade portuguesa há anos...
Sou sensível, claro, é das poucas espécies ibéricas ainda em actividade. Mas já está quase extinta.
A ideia que tenho é que está nesse limbo desde sempre.
É? E onde é que se pode encontrar um lince ibérico?
Não tenho essa informação, mas se tivesse que arriscar diria no Parque Nacional da Peneda-Gerês.
Boa, obrigado.