Música, Afrobeat, June Freedom
©Gabriell VieiraJune Freedom

June Freedom: um filho de Cabo Verde a viver o sonho americano

June Freedom tem alma de artista, daqueles com quem se cruzou durante a infância em Cabo Verde e daqueles com quem partilha salas de estúdio em Los Angeles. É filho da mistura, tal como a sua música. Falámos com ele.

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Nasceu em Boston, cresceu em Cabo Verde e, aos 15 anos, voltou para os Estados Unidos. Viveu em Nova Iorque uns anos, e é em Los Angeles que hoje faz vida, mas Cabo Verde continua a ser um destino frequente. Portugal aparece entre paragens. Não é por isso de estranhar que June Freedom não seja só uma coisa. O músico, que durante anos produziu e escreveu para outros, lançou agora o seu primeiro disco, Anchor Baby, “um casamento entre a música tradicional cabo-verdiana e as vibes dos Estados Unidos”.

“Pé Na Caminho”, canção que abre o disco, é o exemplo perfeito dessa mistura e põe a nu, em menos de dois minutos, a crioulidade de June e o sonho americano de se tornar maior. “Com três anos fui viver para Cabo Verde e queria fazer tudo o que via, as mornas, as coladeiras. Eu cresci com essa cultura. Essa tradição está em mim”, diz-nos. “Mas depois, quando voltei para os Estados Unidos, era diferente: ouvia hip-hop, R&B. Eu sinto que sou isso [tudo] e é isso que quero transmitir no disco”, continua o músico, numa breve passagem por Lisboa, onde se surpreendeu por já ser reconhecido na rua.

O grande responsável por isso, garante, é Dino d’Santiago, que o tem posto no mapa – foi, aliás, Dino, com quem partilha as raízes cabo-verdianas e a contemporaneidade da música que ainda assim toca a tradição, que nos apresentou a June, com a certeza de que é uma questão de tempo até que o artista se torne um nome de destaque na música. “O Dino disse-me que, quando me ouve, ouve o que ouve na Mayra [Andrade], o que ouve na música tradicional. Isso significa o mundo.” Admite até alguma pressão: “Ele pôs a expectativa muito alta para mim.”

Já no ano passado teve os holofotes virados para si quando gravou “Dor d’um Kriolu” com Nélson Freitas – tema que entra agora no disco. “Preta” e “Andréia” são duas canções que também se têm destacado, especialmente em Cabo Verde. “Eu faço música para as pessoas se sentirem bem, para estarem felizes e dançarem. Faço mais afrobeat.”

Nem sempre foi assim. “Lancei umas coisas há muito tempo, fiz umas kizombas tradicionais e até tive algumas reacções de fãs e fiz uns concertos, mas depois sentia que não estava preparado. Estava a fazer música para o momento”, diz. “Quis aprender instrumentos, aprender a escrever melhor e a comunicar os meus pontos [de vista] da forma mais honesta possível.” Por isso, durante anos trabalhou em colectivo, com diferentes produtores, compositores e artistas. “Gosto de trabalhar com outras pessoas, sentir energias diferentes. Gosto quando vamos todos para uma sala, ou para uma viagem, e criamos música na esperança que uma delas seja escolhida por um artista grande.”

A música anda com ele desde sempre. Na mudança para Cabo Verde, a mãe abriu um restaurante na ilha do Fogo, onde todos os fins-de-semana havia música ao vivo. “Era muito novo e estava sempre a cantar, dançar, fazer sons, e foi no restaurante que eu pude ver música ao vivo a sério pela primeira vez”, acrescenta, recordando os tempos em que tentava estar sempre perto do palco. “A minha mãe diz-me sempre que eu comecei na música com pouca idade e muito atrevimento.”

Ildo Lobo, com quem chegou a actuar no restaurante Cesária, em Boston, num dos últimos concertos do músico antes de morrer, é a sua grande referência. Lembra-se perfeitamente da primeira vez que o ouviu, em miúdo. “Eu já não sei o que estava a fazer com os meus amigos, mas de repente ele cantou ‘Cusas Di Coraçon’ e parei. Depois desse dia, ele tornou-se numa das minhas maiores influências. Eu costumava vestir-me como ele, queria ser como ele, punha a boina como ele. Poder cantar com ele foi dos melhores momentos da minha vida”, conta June, explicando que ainda hoje há um bocadinho de Ildo Lobo na sua música. E o que lhe diria a voz dos Tubarões sobre Anchor Baby? “Acho que acharia que é um bom álbum, que gostaria do trabalho, mas que diria: sei que há mais em ti.”

June Freedom garante que há: “Tenho mais de 300 canções feitas, de géneros, vibes e mundos diferentes.” Mas há também nos planos umas canções em português e crioulo. “Tenho de me manter fiel às minhas raízes, foi assim que cresci.”

Lisboa crioula

  • Coisas para fazer

Dino D’Santiago canta “Nova Lisboa”, mas sabe que não é tão nova assim. Novo talvez seja o olhar que nos conseguiu pôr nos olhos. “Infelizmente, ainda há muito preconceito”, diz. Mas a nova geração é mais desprendida e assume que “somos todos crioulos e vamos começar uma nova narrativa”. E essa narrativa começa nas periferias de Lisboa, onde está “a diversidade toda”. 

  • Coisas para fazer

Formou-se em engenharia, mas é na comunicação que se sente completa. É radialista na Cidade FM, criadora de conteúdos e youtuber. “Batalhei para ir tendo as minhas oportunidades e sei que estou numa posição quase privilegiada nesse sentido, por ter uma voz, mas sei que há uma série de profissionais capazes, negros, que acabam por ficar pelo caminho”, refere. 

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