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Kirill Gerstein
©Marco BorggreveKirill Gerstein ao Piano

Sete obras clássicas perdidas e achadas

Kirill Gerstein traz à Gulbenkian uma peça de Debussy que andou desaparecida durante 84 anos. É ocasião para recordar outras obras dadas como perdidas e que regressaram à superfície

Escrito por
José Carlos Fernandes
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A História da Música contabiliza uma formidável quantidade de música que se perdeu, em resultado de incêndios, terramotos, guerras e pilhagens, mas também de inimigos mais discretos, como peixinhos-de-prata e fungos. A incúria desempenhou um grande papel nestas perdas. Certamente que houve partituras vendidas a peso para serem convertidas em pasta de papel, e outras que serviram para embrulhar manteiga nas mercearias. E a partir do período Romântico, também os próprios compositores, atormentados pela ideia de deixar atrás de si obras que não os mostrassem no seu melhor, destruíram muita da sua produção, sobretudo obras de juventude.

Ainda hoje há pelas bibliotecas e arquivos da Europa imensas partituras de óperas, cantatas, sinfonias e concertos dos períodos barroco e clássico – épocas marcadas por uma extraordinária produtividade – de compositores menos conhecidos que aguardam que alguém lhes remova a poeira e as faça ouvir pela primeira vez em dois ou três séculos, mas não será rigoroso classificar todas estas obras como “perdidas”, pois de muitas conhece-se a existência e só aguardam apenas que alguém volte a dar-lhes atenção. É o que faz o pianista russo-americano Kirill Gerstein, que traz à Gulbenkian um programa que inclui uma peça de Debussy que andou desaparecida durante 84 anos.

Sete obras clássicas perdidas e achadas

Concerto para violoncelo n.º 1 Hob.VIIb.1, de Haydn

Composição: c.1761-65
Redescoberta: 1961
Estreia moderna: 1962

Em 1761, Joseph Haydn entrou ao serviço da poderosa família Esterházy, oficialmente como vice-mestre de capela, mas, na prática, desempenhando as funções do debilitado mestre de capela Gregor Werner – só ficaria com o posto deste após a sua morte, em 1766. Durante as quase três décadas passadas ao serviço dos Esterházy, Haydn produziu uma vasta quantidade de música. Chegaram aos nossos dias dois concertos para violoncelo, o Hob.VIIb.1 e o Hob.VIIb2. Um terceiro, o Hob.VIIb.4, foi publicado em 1894 como sendo de Haydn, mas durante o século XX chegou-se à conclusão (ainda que contestada) de que será, afinal, da autoria de Giovanni Battista Costanzi. Em compensação, em 1962 descobriu-se no Museu Nacional Checo, em Praga, o Concerto Hob.VIIb.1, que terá sido composto, provavelmente, para Joseph Weigl, que foi, entre 1761 e 1769, violoncelista da orquestra dos Esterházy.

O concerto teve estreia moderna por Milos Sádlo (violoncelo) e a Orquestra Sinfónica da Rádio Checa, com direcção de Charles Mackerras.

[II andamento (Adagio), por Mstislav Rostropovich (violoncelo) e a Orquestra de Câmara Mito, com direcção de Seiji Ozawa, 1990]

Per la Ricuperata Salute di Ofelia K.477a, de Mozart/Salieri/Cornetti

Composição: 1785
Redescoberta: 2015
Estreia moderna: 2016

Esta cantata, cuja partitura também foi descoberta no Museu Nacional Checo, em Praga, tem a particularidade de ter sido obra de três compositores, dois dos quais são, no imaginário popular, rivais figadais: Wolfgang Amadeus Mozart e Antonio Salieri. Não há, todavia, razões para crer que a relação Mozart/Salieri fosse a que é apresentada no filme Amadeus, de Milos Forman, até porque Salieri desfrutava em Viena de uma posição incomparavelmente superior à de Mozart e estava longe de ser tão inepto como compositor como o filme dá a entender.

A cantata compõe-se de três breves andamentos, cada um deles escrito por um compositor – o Andante pastorale é de Salieri, o Andante de Mozart e o Larghetto de um certo Cornetti (possivelmente Alessandro Cornetti) – e é uma amável obra de circunstância, que celebra a recuperação da saúde da famosa soprano Nancy Storace, que perdera a voz em consequência de um esgotamento nervoso. Storace, de origem anglo-italiana, era figura maior da vida musical vienense e cantou em obras de Salieri – faria o papel de Ofelia na ópera La Grotta di Trifonio, cuja estreia foi adiada precisamente devido ao colapso da diva – e Mozart – no ano seguinte, Storace seria Susanna na estreia de Le Nozze di Figaro, com música de Mozart e libreto de Lorenzo da Ponte, que é também o autor do texto desta cantata.

Se excluirmos o aspecto anedótico (e o facto de ser a única parceria Mozart/Salieri que se conhece), a cantata nada tem de excepcional – menos ainda na versão da primeira execução moderna, por Kate Rafferty, Vinicius Kattah e Ute Groh (o registo está disponível no YouTube).

[Por Hiltrud Kuhlmann (soprano) e Christine Rahn (piano), ao vivo em Schwetzingen, 2017]

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Concerto para violino WoO 23, de Schumann

Composição: 1853
Redescoberta: 1933
Estreia moderna: 1937

Joseph Joachim foi, com Paganini, figura central do violino oitocentista, tendo inspirado vários compositores a escrever para ele. Entre estes esteve Robert Schumann, que o ouviu a tocar o Concerto de Beethoven em Düsseldorf, em 1853, e ficou maravilhado com as qualidades do violinista de 22 anos. Entusiasmado, Schumann compôs para Joachim, em apenas três semanas, um concerto para violino, mas o dedicatário não ficou agradado com a obra e, após a ter ensaiado com a orquestra da corte de Hannover (de que era então concertino), não voltou a tocá-la. Na verdade, foi mais longe do que isso: ficou com o manuscrito e, após a tentativa de suicídio de Schumann, em 1854, e o seu subsequente internamento e morte, Joachim ficou convencido de que a obra espelhava as perturbações mentais de Schumann e entendeu que ela não deveria ser divulgada. Impediu a execução ou publicação do concerto e depositou a partitura na Biblioteca Estadual Prussiana, em Berlim, estipulando que não deveria ser tocada senão passado um século sobre a morte do compositor – isto é, em 1956. A obra caiu no esquecimento até 1933, altura em que numa sessão espírita em Londres, em que estavam presentes duas sobrinhas-netas de Joachim, Jelly d’Arányi e Adila Fachiri (também elas violinistas), o espírito de Joachim deu instruções para que d’Arányi encontrasse a partitura e a desse a ouvir.

Em 1937, uma cópia da partitura redescoberta através deste rocambolesco processo foi parar às mãos de Yehudi Menuhin, o mais afamado violinista daquele tempo, que anunciou a intenção de estreá-lo. Foi, porém, impedido por d’Arányi, que, baseada na vontade expressa pelo tio-avô a partir do Além, reclamou esse direito para si. A estreia acabou por não caber nem a d’Arányi nem a Menuhin, pois o Estado alemão, que era o detentor formal dos direitos da partitura, fez questão de que a estreia se fizesse na Alemanha com um violinista e alemão: e foi o que aconteceu a 26 de Novembro de 1937, em Berlim, pela mão do violinista Georg Kulenkampff e da Filarmónica de Berlim (que, pouco depois, fariam a primeira gravação da obra). Menuhin teve de contentar-se em ser o segundo, a 6 de Dezembro, em Nova Iorque, e seria também o segundo a gravar o concerto, no ano seguinte.

Diga-se de passagem que, sendo obra com algum mérito, não justifica que os violinistas se metam à bulha pelo privilégio de estreá-la.

[III andamento (Lebhaft doch nicht Schnell), por Yehudi Menuhin (violino) e a Sociedade Filarmónica de Nova Iorque, dirigida por John Barbirolli]

Sinfonia n.º 1, de Dvorák

Composição: 1865
Redescoberta: 1923
Estreia moderna: 1936

Quando compôs a Sinfonia n.º 1, aos 24 anos, Antonín Dvorák era um músico obscuríssimo e mal pago que partilhava um apartamento em Praga com cinco colegas. A sinfonia foi composta para um concurso na Alemanha, mas não só não foi premiada como a organização não lhe devolveu a partitura (de que Dvorák não fizera cópia, talvez por nem sequer ter dinheiro para tal). A partitura foi adquirida num alfarrabista de Leipzig, em 1882, por um certo Rudolf Dvorák (sem relação de parentesco com o compositor) e só foi redescoberta em 1923.

A sinfonia, que tem por título Os Sinos de Zlonice (cidade em que Dvorák viveu em 1853-56), foi ouvida pela primeira vez em Brno, com direcção de Milan Sachs.

[Excerto do I andamento (Maestoso-Allegro), pela Filarmónica Checa, dirigida por Jirí Behlolávek (Decca)]

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Concerto para violino n.º 1 BB128, de Bartók

Composição: 1908
Estreia: 1958

Alguns melómanos poderão surpreender-se com o facto de Bartók ter composto dois concertos para violino, já que o que costuma ser programado e gravado é sempre o mesmo: o que foi composto em 1937-38 e leva o número de catálogo BB117. Porém, 30 anos antes, o jovem e ardoroso Bartók compusera um concerto para Stefi Geyer, uma violinista, então com 19 anos, por quem nutria uma paixão que não encontrou correspondência em Geyer. Desiludido, Bartók nunca chegou a compor o III andamento que planeara, mas, ainda assim, enviou a partitura a Geyer, que mostrou tão pouco interesse por ela como pelo seu autor (Bartók não deu todo o trabalho por perdido: reciclou o I andamento como a I parte dos Dois Retratos op.5, publicados em 1911).

Pouco antes de falecer, em 1956 (Bartók morrera em 1945), Geyer confiou a partitura ao maestro Paul Sacher, que foi quem dirigia a estreia, em 1958, com o violinista Hansheinz Schneeberger.

[Excerto do I andamento (Andante sostenuto), por Vilde Frang (violino) e a Filarmónica de Berlim, com direcção de Iván Fischer, ao vivo na Berlin Philharmonie, 2017]

Cântico Fúnebre, de Stravinsky

Composição: 1908
Redescoberta: 2015
Estreia moderna: 2016

O Cântico Fúnebre (Pogrebal’naya Pesnya) foi composto por Igor Stravinsky em homenagem ao seu mestre Nikolay Rimsky-Korsakov, falecido a 28 de Junho de 1908. A obra foi tocada em Janeiro de 1909, no Conservatório de São Petersburgo, mas a partitura perdeu-se após a estreia e só voltou a ser encontrada quando a biblioteca do Conservatório foi vasculhada de alto a baixo em 2015 e se arredaram móveis e pilhas de partituras que acumulavam poeira há décadas. A primeira execução moderna coube à Orquestra do Teatro Mariinsky, com direcção de Valery Gergiev, no ano seguinte.

O Cântico Fúnebre mostra bem quanto o Stravinsky dos primeiros tempos – que ainda não conseguira afirmar-se na Rússia e era completamente desconhecido na Europa – devia a Rimsky-Korsakov, sobretudo em termos de orquestração. E dá também testemunho da vertiginosa evolução do compositor, que em 1910 estrearia em Paris o revolucionário bailado O Pássaro de Fogo, que o catapultaria de imediato para o primeiro plano.

[Pela Orquestra do Teatro Mariinsky, com direcção de Valery Gergiev, ao vivo na estreia moderna, em 2016]

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Les Soirs Illuminés par l’Ardeur du Charbon, de Debussy

Composição: 1917
Redescoberta: 2001

No clima ameno da costa atlântica da Península Ibérica não se faz ideia do que seja realmente o frio. Para descobri-lo não é preciso viajar até à Sibéria, basta ir até Paris em Janeiro. O Inverno de 1916-17 foi particularmente rigoroso na Europa, o que, aliado à escassez de bens essenciais resultante da guerra, converteu o carvão num bem raro e precioso. Claude Debussy só não ficou enregelado na sua casa parisiense porque o seu carvoeiro, o Sr. Tronquin, conseguiu desviar um suprimento regular para o seu cliente. Reconhecido, este compôs para o carvoeiro – que teria sensibilidade musical – a peça para piano Les Soirs Illuminés par l’Ardeur du Charbon. O compositor ofereceu ao Sr. Tronquin a partitura, que só seria redescoberta em 2001.

A peça soa como uma variante sombria e enevoada de Les Sons et les Parfums Tournent dans l’Air du Soir, do I Livro de Prelúdios, o que talvez espelhe o estado de espírito de Debussy, cuja saúde estava já em declínio e quase não compôs durante o ano de vida que lhe restava.

[Por Jean-Efflam Bavouzet (Chandos)]

10 mestres do piano clássico e romântico para descobrir

Muzio Clementi (1752-1832)

Clementi nasceu em Roma e aí recebeu, do mestre de capela da Basílica de S. Pedro, a primeira instrução musical. Em 1766, quando tinha 14 anos, o aristocrata britânico Peter Beckford (irmão de William Beckford) ouviu-o e, encantado com a precocidade do rapaz, levou-o consigo para a Grã-Bretanha, comprometendo-se a tratar da sua educação até aos 21 anos; em troca, Clementi deveria proporcionar-lhe entretenimento musical. Em 1773, chegado ao término o vínculo que o unia a Beckford, Clementi instalou-se em Londres, onde rapidamente ganhou estatuto de pianista virtuoso. A partir de 1780 empreendeu várias tournées europeias – em Viena, o imperador José II promoveu um “duelo” entre ele e Mozart – mas acabou por regressar a Londres onde se desmultiplicou pela composição, pedagogia (foi professor de futuros virtuosos como Johann Baptist Cramer, John Field e Ignaz Moscheles), pela direcção de orquestra, pela edição musical (firmou um acordo com Beethoven que que lhe concedeu direito exclusivo de publicação da sua obra na Grã-Bretanha) e pelo fabrico de pianos, instrumento a que trouxe melhoramentos significativos. No meio de toda esta actividade, a sua carreira como concertista foi ficando para segundo plano e em 1810 acabou por retirar-se dos palcos. Deixou-nos 110 sonatas para piano.

[I andamento (Lento) da Sonata op.6 n.º 2, por Susan Alexander-Max, numa cópia de um pianoforte construído c. 1798, do álbum Early Piano Sonatas vol. 3 (Naxos)]

Jan Ladislav Dussek (1760-1812)

Jan Ladislav Dussek nasceu numa família de músicos na cidade boémia de Cáslav. Como aconteceu com muitos músicos boémios dos séculos XVII-XVIIII recebeu sólida formação musical num colégio jesuíta. Após ter concluído os estudos em Praga, em 1778, lançou-se numa carreira internacional que passou pelos Países Baixos, por Hamburgo (onde travou conhecimento com Carl Philipp Emmanuel Bach) e S. Petersburgo, onde fez parte do círculo de favoritos de Catarina II, mas de onde teve de fugir por ter sido implicado numa conspiração para assassinar a czarina. Tornou-se director musical de um príncipe na Lituânia, fez uma tournée pela Alemanha e em 1786 chegou a Paris, onde caiu nas boas graças da rainha Maria Antonieta. A Revolução de 1789 fê-lo trocar Paris por Londres, que se tornou na sua base de operações durante uma década e onde se tornou amigo de Clementi. Foi em Londres que compôs, em 1793, uma peça que descreve musicalmente o fim de Maria Antonieta (guilhotinada em Outubro desse ano), “desde que foi presa até ao derradeiro momento da sua vida”.

Em 1799, a falência da editora de música que fundara com a esposa forçou-o a fugir para Hamburgo (a mulher foi parar à prisão), onde viveu até em 1806, quando entrou ao serviço do príncipe melómano Luís Fernando da Prússia, em Berlim. A morte do príncipe, em 1806, fê-lo regressar a Paris, ao serviço de Talleyrand, Ministro dos Negócios Estrangeiros. O resto da vida foi passado em França, compondo, dando aulas e tocando, embora nos últimos anos tenha engordado tanto que se lhe tornou impossível chegar com as mãos ao teclado.

[La Mort de Marie Antoinette op.44, por Andreas Staier, em pianoforte da época]

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Václav Tomásek (1774-1850)

Tomásek foi mais um dos grandes talentos musicais nascidos na Boémia, mas ao contrário do “nómada” Dussek passou toda a carreira em Praga. Entre os seus alunos contam-se Jan Václav Vorisek (1791-1825), outro talentoso pianista e compositor boémio, e Eduard Hanslick (1825-1904), que além de pianista e compositor, foi um dos mais influentes críticos do mundo germânico (como opositor de Wagner e paladino de Brahms). Deixou-nos seis Sonatas para piano e 42 Éclogas, repartidas por sete volumes.

[Écloga op.32 n.º 5, por Rudolf Firkusny, em 1972]

Johann Nepomuk Hummel (1778-1837)

Hummel nasceu em Pressburg (então parte do território austríaco – hoje é a cidade eslovaca de Bratislava) e foi um menino-prodígio que, aos oito anos, recebeu aulas do ex-menino-prodígio Mozart e que, tal como Mozart, o pai exibiu em tournée pela Europa, entre 1778 e 1793 (aproveitou a passagem por Londres para receber aulas de Clementi). Em Viena, Hummel prosseguiu a formação musical com Hadyn, Salieri e Albrechtsberger – nas aulas deste último foi colega de um rapaz um pouco mais velho que viera de Bona, um certo Beethoven, de quem se tornou amigo. Em 1804 tornou-se primeiro violino da orquestra dos príncipes Esterházy, cujo director era, formalmente, Haydn, mas cuja saúde o impedia de desempenhar as funções. Hummel foi nomeado Kapellmeister dos Esterházy em 1809, após o falecimento de Haydn, mas foi despedido dois anos depois, por negligenciar os seus deveres. Hummel foi Kapellmeister em Stuttgart (1816-19) e Weimar (1819-37) e fez tournées pela Europa, mas a partir de 1832 o declínio da saúde fez com que a sua actividade se reduzisse significativamente.

Deixou abundante obra para piano, orquestra e música de câmara (127 números de opus e muitas obras não publicadas em vida) e foi professor de Carl Czerny, um pedagogo e compositor que todos os alunos de piano de hoje conhecem bem (de mais).

[I andamento (Allegro con brio) da Sonata para piano n.º 2 op.13, por Dino Ciani, em 1966]

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John Field (1782-1837)

Nasceu em Dublin e evidenciou talento precoce, estreando-se em público aos nove anos. Aos 11 mudou-se, com a família, para Londres, onde se tornou num dos alunos favoritos de Clementi e trabalhou como demonstrador dos pianos fabricados pela firma deste; foi também Clementi quem lhe publicou as primeiras obras, em 1795. Quatro anos depois, com 16 anos, Field estreava o seu Concerto para piano n.º 1. Em 1802 Clementi empreendeu uma viagem de negócios à Europa continental e levou consigo Field, que aproveitou a passagem por Viena, para receber lições de Albrechtsberger. Em 1803, Clementi regressou a Londres, mas Field ficou em S. Petersburgo, que se tornaria na sua base de operações, fazendo várias tournées pela Europa. As viagens constantes e a vida desregrada acabaram por debilitar-lhe a saúde – faleceu em Moscovo, em resultado de uma pneumonia.

Deixou sete concertos para piano e numerosas peças para piano solo, entre as quais estão 18 Nocturnos que prefiguram os de Chopin, e é visto como precursor da escola romântica de piano.

[Nocturno n.º 1 (1812), por Miceal O’Rourke, do álbum The Complete Nocturnes (Chandos)]

Ignaz Moscheles (1794-1870)

Mais um boémio: nasceu em Praga numa família judia de língua alemã e razoavelmente abastada. Após a morte do pai, em 1808, foi, aos 14 anos, estudar com Albrechtsberger em Viena. Pela mesma altura iniciou carreira como concertista (após ter mudado o nome de Isaac para Ignaz, pois ser-se judeu não favorecia a carreira em área alguma) e viajou pela Europa. Foi amigo de Beethoven (que ficou muito bem impressionado com os seus dotes musicais) e rival de Hummel, Johann Baptist Cramer e Friedrich Kalkbrenner, os grandes virtuosos do piano de então. Após ter feito sensação pela Europa fora (foi ao ouvi-lo em Carlsbad que o jovem Robert Schumann decidiu ser também um virtuoso do piano), em 1821 estabeleceu-se em Londres, que se tornaria na sua base até 1846 (e onde fez amizade com Clementi, que é o elo de união de boa parte dos compositores desta lista). Numa viagem à Alemanha, em 1824, deu lições de piano aos dois jovens e talentosos filhos de uma família de banqueiros judeus: Felix e Fanny Mendelssohn-Bartholdy – a amizade com Felix duraria até à morte deste, em 1847. Quando em 1843 Felix Mendelssohn fundou um conservatório em Leipzig conseguiu persuadir o amigo Ignaz a tornar-se professor lá. Moscheles mudou-se para Leipzig em 1846 e aí ficou, como professor de piano, até à morte.

Deixou-nos 142 obras, entre as quais estão oito concertos para piano e numerosas obras para piano solo.

[Sonate Melancólique, por Noël Lee]

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Charles-Valentin Alkan (1813-1888)

Nasceu em Paris de pais judeus – o seu nome de família era Morhange, que Charles-Valentin achou prudente substituir pelo mais neutro Alkan (que era o nome próprio do pai). Alkan entrou no Conservatório com apenas seis anos e não tardou a ser distinguido com prémios e com o aplauso do público – parecia estar destinado a uma brilhante carreira de concertista, mas os acessos de melancolia fizeram com que as suas aparições públicas se tornassem cada vez mais esporádicas, até que, a partir de 1848, desapontado com o facto de o Conservatório ter nomeado Daniel Auber para a chefia do departamento de piano – um lugar que ele ambicionava –, passou a viver em reclusão, dedicando-se exclusivamente às suas composições, quase todas para piano solo e muitas delas de um virtuosismo esfuziante. Com excepção de uma viagem a Londres, nunca deixou Paris. Foi amigo de Chopin e Delacroix, foi elogiado por Liszt e conviveu com muitos dos nomes sonantes do meio cultural parisiense. Em 1873 regressou, inesperadamente, às actuações em público, embora o estado de saúde dos seus nervos não desse mostras de ter melhorado nos anos passados em reclusão.

[III andamento do Concerto para piano solo (n.º 10 do op. 39), por Marc-André Hamelin, um dos grandes paladinos da música de Alkan, numa gravação de 1992]

Anton Rubinstein (1829-1894)

Mais um grande pianista romântico de ascendência judaica, nascido em Vikhvatinets, então parte do Império Russo e hoje na região da Transnistria, disputava entre a Moldávia e a Rússia. Estreou-se em público aos nove anos em Moscovo, para onde a família se mudara entretanto. Aos 11 anos, acompanhado pelo professor de piano, viajou até Paris a fim de se inscrever no Conservatório mas foi recusado. Na adolescência fez várias tournées pela Europa, por vezes com o irmão mais novo, Nikolai, e acabou por tornar-se uma figura proeminente da vida musical do seu país, fundando a Sociedade Musical Russa (1859) e o Conservatório de S. Petersburgo (1862). Numa época em que o programa dos recitais de piano era constituído sobretudo por obras recentes, lançou os “Concertos Históricos”, que davam uma panorâmica da música para tecla desde o século XVI. Foi aclamado como um virtuoso capaz de rivalizar com Liszt e fez numerosas tournées pela Europa e pela América. Deixou obra vasta em todas as áreas – seis sinfonias, cinco concertos para piano, dezenas de peças para piano solo – que são hoje raramente tocadas.

[Melodia op.3 n.º 1 (c. 1852), por Shura Cherkassy]

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Louis Moureau Gottschalk (1829-1869)

Nasceu em New Orleans, de ascendência mista judia e crioula. Cedo revelou o seu talento e como os EUA de então não podiam proporcionar-lhe estudos musicais avançados, aos 13 anos rumou a Paris, para se inscrever no Conservatório. A instituição – um bastião de conservadorismo e preconceito – rejeitou-o sem se dignar ouvi-lo e Pierre Zimmerman, um dos seus mais marcantes professores de piano, alegou que nunca a América, terra de selvagens e máquinas a vapor, poderia gerar um pianista de jeito. No entanto, Chopin, Liszt e Alkan foram unânimes em reconhecer o seu génio. Gottschalk voltou a atravessar o Atlântico e lançou-se numa incansável série de tournées – em 1865 declarou ter feito 150.000 Km de comboio e dado 1000 concertos. Em 1865, um caso escandaloso com uma aluna de piano forçou-o a abandonar os EUA e a viajar pela América do Sul – morreu no Rio de Janeiro. Muita da sua obra, tingida por tradições musicais americanas, perdeu-se, mas mantém alguma popularidade nas Américas, sendo raramente tocado deste lado do Atlântico.

[Danza op.33, por Alan Mandel. A peça, composta em Porto Rico, em 1857-59, recorre a melodias inspiradas na música tradicional cubana]

Nikolai Medtner (1879-1951)

Nasceu em Moscovo e estudou no Conservatório dessa cidade, tendo concluído o curso aos 20 anos e arrebatado o prémio Anton Rubinstein. Parecia destinado a uma brilhante carreira de concertista, mas em vez disso preferiu consagrar-se à composição e ao ensino. Em 1921 deixou a União Soviética e empreendeu várias tournées pelo mundo – algumas delas arranjadas pelo seu amigo Rachmaninov, com quem partilhava o virtuosismo pianístico e um gosto manifestamente conservador. Em 1936, acabou por assentar residência em Londres, onde era apreciado. Nunca conseguiu alcançar o reconhecimento que lhe permitisse levar uma vida desafogada – até que, em 1949, encontrou um mecenas no Marajá de Mysore, que financiou várias gravações por Medtner das suas próprias obras. A sua obra – três concertos para piano e abundante música para piano solo – não tem tido muitos defensores e é vista por vezes como “Rachmaninov de segunda categoria”.

[“Skazka” (Conto de Fadas) op.20 n.º 2 “Campanella” (1909), num registo realizado pelo próprio compositor em 1930]

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