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Richard Wagner
©Franz HanfstaenglRichard Wagner

Sete razões para começar a gostar de Wagner

A “má imprensa” que rodeia Wagner pode ser dissipada assistindo à transmissão de Tannhäuser no CCB, a partir de Bayreuth, e ouvindo estas sete amostras do seu génio.

Escrito por
José Carlos Fernandes
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Richard Wagner tem má fama e parte dela é justificada: não tem culpa de ter sido o compositor favorito de Hitler e o compositor semi-oficial do III Reich, mas é verdade que, em 1850, escreveu, sob pseudónimo, um artigo intitulado “O Judaísmo na Música”, em que atacava violentamente os compositores judeus Mendelssohn e Meyerbeer e considerava o judeu como um elemento estranho e nocivo à cultura alemã; e não o fez de ânimo leve, pois republicou o panfleto em 1869 sob o seu próprio nome. E também é certo que possuía um carácter execravelmente egocêntrico, tinha uma ideia desmedidamente exaltada de si mesmo e não era estorvado por escrúpulos na luta por obter aquilo a que julgava ter direito: “Não sou feito da mesma massa que as outras pessoas. Necessito de esplendor, beleza e luz e o mundo deve-me aquilo de que necessito. Não posso viver com um mísero ordenado de organista, como o nosso mestre Bach”. Numa carta a um potencial mecenas, o barão Robert Freiherr von Hornstein, garantia: “A assistência que ireis dar-me, permitir-vos-á desfrutar da minha intimidade e creio que ficareis agradado por saber que, no próximo Verão, poderemos passar três meses juntos numa das vossas propriedades, de preferência na zona do Reno” – é talvez o pedido de empréstimo mais petulante alguma vez feito.

O facto de ter sido detestável como pessoa não impede que tenha composto excelente música, embora esta seja muitas vezes vista como empolada, enfática e maçadora e de as suas óperas terem fama de serem intermináveis. É célebre a observação de Rossini – “Wagner tem bons momentos, mas péssimos quartos de hora” – mas não é verdadeira.

Tannhäuser em grande ecrã no CCB

Centro Cultural de Belém, quinta-feira 25 de Julho, 17.00, 17,50-20€.

Sete razões para começar a gostar de Wagner

Tristão e Isolda: Prelúdio do III Acto

No final do II Acto, o rei Marke e o seu séquito surpreenderam o enlevo amoroso de Tristão e Isolda, a noiva do rei. O amor entre os dois era funesto desde o início e eles estavam disso conscientes, pelo que estão ambos resignados a mergulhar no reino da noite eterna. Tristão luta com Melot, mas, deliberadamente, deixa-se ferir por este. O fiel escudeiro de Tristão, Kurwenal, leva-o para o seu castelo de Kareol, na costa da Bretanha, e o Prelúdio do III Acto abre, em tom sombrio, quase fúnebre, com Kurwenal velando o agonizante Tristão, enquanto um pastor toca uma triste melodia. O clarinete que simula o chalumeau pastoril é de uma audácia e liberdade que prefigura o jazz de um século depois e é colocado em evidência pelo silenciamento de toda a orquestra.

[Pela Orquestra do Festival de Bayreuth, dirigida por Karl Böhm, gravação de 1966]

Tristão e Isolda: Liebestod

O trecho mais célebre de Tristão e Isolda é a ária “Mild und Leise”, cantada por Isolda sobre o cadáver de Tristão, antes de também ela própria desfalecer. O trecho é também conhecido por “Liebestod”, uma referência ao amor que apenas encontra consumação na morte, um tema que assombra as óperas de Wagner.

Tristão e Isolda tem aqui o seu fatal desenlace. Tudo o que podia ter corrido mal, correu mal, e quando o rei Marke chega a Kareol, disposto, magnanimamente, a perdoar Tristão e a dar-lhe a mão de Isolda, agora que sabe, por Brangäne, que o amor entre eles foi fruto de um filtro mágico (não é bem verdade, mas enfim...), já não há nada a fazer. Isolda já nem sequer vê Marke e os seus homens, só tem olhos para Tristão: “Com que suavidade e doçura ele sorri, como se abrem os seus olhos, não vedes, amigos? Não o vedes? Como resplandece, cada vez mais luminoso, coroado de estrelas, cada vez mais alto, não o vedes?”.

[Por Birgit Nilsson, uma das mais notáveis sopranos wagnerianas de sempre]
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Tannhäuser: Coro dos Peregrinos

Mais um enredo de amores funestos e redenções: o trovador Tannhäuser vacilou entre o amor na sua faceta mais carnal, representado pelos seus idílios com Vénus, e o amor puro e espiritual da princesa Elisabeth. Entrega-se ao primeiro, arrepende-se e tenta expiar os seus pecados fazendo uma peregrinação a Roma, mas o papa recusa-lhe a absolvição: “Assim como deste báculo na minha mão jamais brotarão novas folhas, também não haverá salvação para ti da fornalha do inferno”. No final da ópera, é a morte de Elisabeth que faz dissolver o mundo do amor profano de Vénus e redime Tannhäuser, que ao ver o cortejo fúnebre da sua amada, que sai do castelo, desfalece. Nisto surge um grupo de peregrinos vindos de Roma que exibem um báculo de madeira coberto de folhagem verdejante e cantam o coro “Heil! Heil! Der Gnade Wunder Heil!” (Demos graças por este milagre), e os restantes peregrinos e cavaleiros juntam-se na celebração da misericórdia divina: “A graça de Deus é a recompensa do penitente, que agora entra na paz abençoada!”.

[Pelo coro da Deutschen Staatsoper Berlin e Staatskapelle Berlin, dirigidos por Otmar Suitner]

Lohengrin: “In Fernem Land”

No reino de Brabante, um misterioso cavaleiro surge do nada para defender Elsa da falsa e pérfida acusação de ter morto o seu irmão, o Duque de Brabante, para lhe herdar o trono. Porém, o cavaleiro exige, em troca, que Elsa não o interrogue sobre o seu nome e origens. O cavaleiro parece ganhar a confiança e o amor de Elsa, mas, lá no fundo, a curiosidade, espicaçada pelas intrigas de Ortrud e Telramund, rói-a incessantemente e, na noite em que se consumaria o matrimónio com o cavaleiro misterioso, Elsa faz-lhe a pergunta fatal. Depois de se desembaraçar de mais um ataque do infame Telramund, o cavaleiro revela, perante o rei Henrique, que Elsa quebrou a promessa e desvenda a sua origem na ária “In Fernem Land”: “De uma terra distante, inacessível aos teus passos, há um castelo conhecido como Montsalvat; nela há um templo, pleno de luz, que supera em beleza tudo o que existe na Terra”.

O templo alberga o Santo Graal e foi Parsifal, o seu guardião, quem enviou a Brabante o seu filho Lohengrin, que permaneceria invencível enquanto o seu nome não fosse revelado. Agora, por causa da insistência de Elsa, a sua missão chegou ao fim e terá de deixar Elsa e regressar a Montsalvat. A ária possui a nobreza e poder evocativo perfeitamente adequados à gravidade da ocasião.

[Pelo tenor Jonas Kaufmann, com a Orquestra Estatal da Baviera (Bayerisches Staatsorchester), dirigida por Kent Nagano e encenada por Richard Jones, em Munique, 2009; editada em DVD pela Decca]
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A Valquíria: “Winterstürme Wichen dem Wonnemond”

A Valquíria (Die Walküre) é a segunda ópera da tetralogia O Anel do Nibelungo (Der Ring des Nibelungen), que ocupou Wagner durante 26 anos, entre 1848 e 1874. Numa noite de tempestade, um homem perseguido encontra refúgio numa casa isolada na floresta. É acolhido por Sieglinde, mulher do guerreiro Hunding. A atracção entre o forasteiro e Seiglinde vai crescendo e nem o regresso de Hunding lhe põe travão. O forasteiro conta a Sieglinde que, sendo ainda um rapaz, quando regressara a casa com o pai, encontrara a mãe morta e a irmã gémea desaparecera. E conta também o que o trouxera até ali: tentara impedir um casamento forçado, mas a noiva acabara por ser morta e ele vira-se obrigado a fugir. E apresenta-se com um falso nome: Wehwalt. Hunding ouviu tudo em silêncio e depois revela que fazia parte do grupo de homens contra o qual Wehwalt lutara e que, estando sujeito a cumprir as leis da hospitalidade, lhe concedia uma noite de repouso na sua casa, mas que pela manhã teriam de acertar contas cruzando espadas. Sieglinde droga o marido e quando este cai num sono profundo, vai ter com Wehwalt e trocam confidências – as emoções entram em ebulição, os dois abraçam-se e, quando uma rajada de vento abre a porta da casa, Wehwalt declara o seu amor por Sieglinde na ária “Winterstürme Wichen dem Wonnemond”: “As tempestades de Inverno dão lugar à deleitosa lua, a primavera resplandece na suave luz”. E, subitamente, torna-se óbvio para ambos, que Sieglinde é a irmã gémea desaparecida de Wehwalt, que na verdade se chama Siegmund. Não será um spoiler revelar que este amor incestuoso irá acabar mal...

[Pelo tenor Peter Hofmann, com a Orquestra do Festival de Bayreuth e direcção de Pierre Boulez, encenação de Patrice Chéreau; esta produção de O Anel do Nibelungo foi estreada em Bayreuth em1976 e reposta nos anos seguintes, tendo sido filmada em 1979-80, versão editada em DVD pela Deutsche Grammophon]

A Valquíria: “Loge, hör”

A valquíria Brünhilde desobedeceu às ordens do pai, o deus Wotan, ao salvar o filho da ligação incestuosa entre Sieglinde e Siegmund, um acto que pode alterar o curso do mundo e fazer perigar o domínio dos deuses. Wotan fica furioso e retira a Brünhilde o estatuto de valquíria e o dom da imortalidade, condenando-a a cair num sono profundo, ficando à mercê do primeiro homem que por ali passe. Brünhilde tenta argumentar, mas perante a inflexibilidade do pai, faz um derradeiro pedido: que o seu sono seja protegido por um círculo de chamas, de forma que só um herói o possa transpor. Wotan, que tomou esta decisão com a morte na alma, pois Brünhilde é a sua filha favorita, acede ao pedido e convoca Loge, deus do fogo, para que acenda o círculo de chamas (“Loge, hör”). É o final da ópera.

[Pelo barítono Bryn Terfel, com a Metropolitan Opera Orchestra, dirigida por James Levine, encenação de Robert Lepage; registo ao vivo da série Live in HD, na Metropolitan Opera de Nova Iorque, 2011; esta ópera, bem como o resto de O Anel do Nibelungo, foi editada em DVD pela Deutsche Grammophon]
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O Crepúsculo dos Deuses: Marcha Fúnebre de Siegfried

O Crepúsculo dos Deuses (Götterdämerung) é a quarta ópera da tetralogia O Anel do Nibelungo. Estamos a aproximar-nos do final do III e derradeiro acto e o novelo de traições, equívocos, maldições e infortúnios nascido do furto do tesouro confiado à guarda das ninfas do Reno, no início de O Ouro do Reno, acaba de fazer mais uma vítima: o herói Siegfried, o filho da união dos irmãos Sieglinde e Siegmund, que é morto pelas costas por Hagen. A música que acompanha as suas exéquias é um dos momentos mais inspirados de Wagner e de toda a história da música.

[Pela Filarmónica de Londres, dirigida por Klaus Tennenstedt, no Suntory Hall, Tóquio, 18 de Outubro de 1988]

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