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The Legendary Tigerman
© Leonor RibeiroThe Legendary Tigerman

The Legendary Tigerman: “Não queria ficar preso ao passado”

Paulo Furtado reinventa o que pode ser The Legendary Tigerman no seu novo álbum, que sai na sexta-feira, 29 de Setembro. Falámos sobre ‘Zeitgeist’. E sobre o zeitgeist.

Luís Filipe Rodrigues
Escrito por
Luís Filipe Rodrigues
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Paulo Furtado já viveu muito. Conhecemo-lo nos anos 90, de guitarra em punho, ladeado por Victor Torpedo, Kaló, André Ribeiro e Toni Fortuna, os Tédio Boys, gangue coimbrão reconhecido pelos concertos orgiásticos e pelo rock and roll afogueado que propagavam. Mas nenhum fogo arde para sempre e, ao fim de uma década, separaram-se. Furtado, por exemplo, reinventou-se como o frontman e evangelista rock dos WrayGunn, ao mesmo tempo que vestiu a pele de The Legendary Tigerman, bluesman e banda de um homem só. Desde então, viveu muitas vidas e bebeu de ainda mais músicas e fontes. Zeitgeist, o disco que agora edita, é outra guinada estética; mas não vai apanhar desprevenido quem tiver prestado atenção ao trabalho desenvolvido pelo músico português nos últimos anos.

Femina é, de certa forma, a primeira coisa que o novo Zeitgeist traz à memória. No álbum de 2009 ouvíamos um homem-tigre diferente, a renunciar ao eremitismo dos primeiros discos a solo e a rodear-se de vozes femininas para imortalizar um conjunto de canções em que explorava diferentes sonoridades. Relativamente novas, vá. Fossem originais ou versões – de Daniel Johnston, de Danzig, de Lee Hazlewood via Nancy Sinatra, etc. – nada do que ali se escutava soava fora de lugar ou era 100% novo. A admiração e a afinidade com os músicos evocados não eram segredos nem causaram surpresa, e as composições originais limitavam-se a trazer para o universo de The Legendary Tigerman sons e referências que já conhecíamos de outras bandas e vidas de Paulo Furtado. Neste disco passa-se o mesmo.

As semelhanças não são estéticas, sublinhe-se. Prendem-se antes com a abordagem e a origem destes temas. A sua génese remonta a 2018, talvez – o cantor e compositor não consegue precisar a data. “Não sei bem quando, mas estava em Paris”, começa por dizer. “Um dia cruzo-me com o director do [centro cultural] Centquatre e combino um café com ele, sem segundas intenções. No meio do café, ele pergunta-me ‘o que é que fazemos para o ano?’ E lembrei-me instantaneamente dos dez anos do Femina. Achei que podia ser fixe reestruturar o disco, voltar a tocá-lo em Paris. Mas com uma sonoridade diferente, talvez algumas canções novas. E foi o que aconteceu”, continua a contar. “Por ocasião dessa celebração, no final de 2019, fiz um concerto em Centquatre em que já toquei quatro ou cinco canções novas, num formato que não tinha nada a ver com o formato final. Mas esta mudança de sonoridade e procura inicial de vozes femininas [para o Zeitgeist] vem daí.”

Esclarece, contudo, que teve “a epifania” que o conduziu a este álbum antes dessa noite em Paris, “talvez um ano antes, numa noite que tinha ido ver alguém tocar ao Lux”. Não recorda quem estava em palco, “mas era fixe. Meio industrial, meio punk”, descreve. As memórias são turvas, mas lembra-se “de estar a ouvir aquilo e a pensar que tinha de fazer rock’n’roll com um espectro de sonoridades que não estava a usar nos discos de Tigerman”. Faz uma pausa. “Era algo que utilizava muitas vezes em bandas sonoras, mas não em Tigerman.”

Agora um aparte: há mais de uma década que Paulo Furtado se dedica à composição de bandas sonoras para filmes e peças de teatro, tanto sozinho como acompanhado. Estas encontram-se disponíveis na maioria das plataformas de streaming, mas não têm a mesma visibilidade e mediatismo que os seus discos de rock’n’roll. E ele tem noção disso. “É algo que mesmo quem segue o meu trabalho de perto, muitas vezes, não conhece tão bem.”

Mais do que as vozes e os músicos que o acompanham nas novas canções, são os elementos orquestrais e as omnipresentes electrónicas que definem e distinguem Zeitgeist. Pela primeira vez, as canções não foram criadas com as unhas a rasgarem as cordas de uma guitarra, mas com os dedos enterrados em sintetizadores modulares. Os Suicide, sem grande surpresa, foram o ponto de partida para esta nova abordagem – a versão da “Ghost Rider” de Alan Vega e Martin Rev não surge aqui por acaso. “Ao princípio tudo o que fazia soava a Suicide” admite. “Até que faço ‘Good Girl’, que é a primeira coisa que soa minha. Tem influências, por exemplo, de Depeche Mode. Mas tem um som actual e abre portas para o futuro. Se tivesse continuado numa cena básica de beats e sintetizadores e guitarras ia ficar preso ao passado. E eu não queria ficar no passado. Não digo que o que estou a fazer seja algo revolucionário, mas é uma coisa nova. Pelo menos para mim.”

A primeira versão de “Good Girl” foi gravada em Paris, onde Paulo passou largos meses durante este processo de composição e gravação. Na altura, estava acompanhado apenas por Anthony Belguise, “com quem já tinha trabalhado na banda sonora do Hálito Azul” e que co-produziu Zeitgeist, além de tocar em todas as faixas. Mas ainda sentia falta de algo. “Precisava de um pouco de Roma, onde o Femina começou, tantos anos antes, com a Asia Argento”, detalhava há uns meses, quando partilhou com o público o novo dueto com a italiana, com quem havia gravado “Life Ain’t Enough for You” e “My Stomach Is the Most Violent of All of Italy” em 2009. Os outros convidados vieram a seguir, naturalmente. 

“As pessoas deram [às canções] o que eu não conseguia dar. No caso do Ray e do Afonso, na ‘Bright Lights, Big City’, são pormenores, basicamente no último coro”, resume. Noutros temas, contudo, os contributos dos convidados são determinantes, ao ponto de ser difícil imaginar aquelas canções sem as partes deles. “Se bem que todas as músicas estavam compostas desde 2019”, garante o autor. Ou seja, muito antes de Anna Prior (Metronomy), Delila Paz (The Last Internationale), Jehnny Beth (Savages), Sarah Rebecca, Calcutá ou os Best Youth terem pisado os estúdios improvisados em Paris, Roma, Toulon, Lisboa, onde se fez o Zeitgeist – o título é uma pequena provocação, num momento em que o músico português reconhece “não haver um zeitgeist definido. Ou haver muitos ao mesmo tempo”.

Sabemos bem o que quer dizer. A internet comprimiu as nossas noções de tempo e espaço. O passado e o presente coexistem e enformam o futuro; podemos experienciar tudo, em todo o lado, ao mesmo tempo. Isso deixa-nos confusos, além de atomizados. Recordamos um par de frases que Paulo Furtado redigiu há uns meses, a propósito de “Bright Lights, Big City”, mas não só. “A minha viagem no novo álbum é uma espécie de experiência de salvação. Senti que precisava de mudar, muito e não apenas musicalmente, para me manter vivo e relevante”, confessava então. “Precisava que o amor, a arte e a música me indicassem o caminho para um sítio bonito e seguro dentro de todas as tempestades que vivi, e também de todas as que vivemos globalmente. Acho que, de certa maneira, todos precisámos de encontrar esse sítio seguro.” Precisámos e precisamos – muitos continuam à procura, talvez a maioria. Zeitgeist é o resultado desta demanda: um porto seguro no meio das suas, das nossas tempestades.

Musicbox. Qua 27. 21.30. 30€-60€ (o bilhete dá acesso a todos os concertos do MIL)

Continuamos à conversa

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