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Abaixo o quotidiano! Três actores à procura do vazio

Escrito por
Miguel Branco
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O que há na escuridão para além do escuro? É a pergunta que faz Umbra – segunda criação da jovem companhia Bestiário, que se estreia na Escola de Mulheres. Tentemos encontrar a resposta. 

Um muro imperfeito de caixas de cartão cobrem toda a boca de cena. Tolda-nos a visão. Espreitar, tentar dar descanso à curiosidade, é inútil, pelo menos até três figuras começarem a desconstruir o muro, isto é, a mover as caixas para outras zonas. Escutam-se sussurros, diálogos fragmentados, coisas que parecem pensamentos, angústias, listas de tarefas, dúvidas existenciais, no fundo, desorganização pela oralidade. É uma espécie de coreografia, uma cadência de atropelo, reciclagem do cérebro, balões que expõem o que vai na cabeça daqueles três. Está escuro. Não se vê bem. Como é suposto. Umbra é a segunda criação da jovem companhia Bestiário, para ver de quinta-feira a domingo na Escola de Mulheres com direcção artística de Miguel Ponte.  

Oficialmente, o Bestiário nasceu em 2018 pelas mãos de Afonso Viriato, Helena Caldeira, Miguel Ponte e Teresa Vaz. Ainda que a coisa venha de antes, da partilha da sala de aula na ESTC, do gosto pela pesquisa e pela filosofia e pela antropologia. Em Abril de 2018 apresentaram, no Teatro da Garagem, o seu primeiro trabalho: ATMAVICTU, com encenação de Teresa Vaz. Depois disso, receberam um convite do Gerador para fazerem uma performance de meia-hora nas Caves do Liceu Camões. Umbra vem daí: “Achámos que tinha corrido bem, então demos uma volta ao projecto, pensámos mais a fundo e aqui estamos. Os três pontos essenciais deste espectáculo são: a escuridão, o silêncio e a lentidão. Começámos a perceber que a escuridão era um bocadinho mais ampla do que só o escuro, era uma questão de ausência, o que quisemos foi dar o contraponto do nosso hábito diário, que é a luz, a velocidade, o ruído. Queríamos experimentar fazer sentir essas três antíteses”, enquadra Miguel Ponte.

Voltando a cena, segue-se um jogo com cadeiras. A escuridão, o silêncio e a lentidão estão sentados no breu. Cada elemento parece querer desabafar, denunciar aquilo que os incomoda, deixar ver um pedaço da sua matéria, tudo isto em monólogos que abordam, com um enorme detalhe, momentos tão entusiasmantes como o salto dos degraus do hall de entrada do prédio – o risco de correr mal, do mármore estar escorregadio – ou uma conversa com uma cidade que acabou no Dia Mundial do Ambiente. Se soa a estranho é porque é. É assim a busca do vazio, como explica Miguel Ponte: “Desenhámos este espectáculo como um mergulho, que começa no quotidiano, vai tirando camadas de quotidiano, sai a velocidade, a narrativa, às tantas, como o Beckett já descobriu há muito tempo, sai também a palavra, estão as imagens. E no fim surge uma coisa que é inominável, que não tem leitura, é de uma outra dimensão. É aí que chegamos ao fundo de tudo, que nem nós conseguimos compreender, foi essa a conclusão a que chegámos: nunca conseguiríamos descrever o que é que este fundo, este vazio, por palavras. Aí voltamos para cima”. Sim, talvez seja melhor, vemo-nos cá em cima.

Escola de Mulheres – Clube Estefânia. Qui-Dom 21.30. 6-12€.  

Direcção artística Miguel Ponte
Com Afonso Viriato, Joana Petiz e Teresa Vaz

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