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Lídia e Eunice Muñoz em A Margem do Tempo
DRLídia e Eunice Muñoz em A Margem do Tempo

Antes do cair do pano, Eunice abre a porta de casa ao cinema

Tiago Durão realiza o “solilóquio final” de uma actriz “celebrada por toda a República”. Lucro arrecadado em bilheteira reverterá na íntegra para a Casa do Artista.

Hugo Torres
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Hugo Torres
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Eunice, Ou Carta a Uma Jovem Actriz é um “não-documentário”. Um filme realizado por Tiago Durão que observa Eunice Muñoz e a neta, a também actriz Lídia Muñoz, na sua relação quotidiana, doméstica, para além dos palcos, e que foi produzido tanto com o intuito de celebrar os 80 anos de carreira de Eunice como de servir como uma passagem de testemunho entre duas gerações de actrizes e de se tornar uma espécie de memória derradeira de uma “mulher normal, como todas as outras”. A antestreia acontecerá a 3 de Outubro, antes de passar no Doclisboa e chegar às salas um mês depois, a 4 de Novembro.

“Decidi que era altura de passar o testemunho e de ver continuado o sonho do teatro pela minha neta Lídia. Um testemunho que passo orgulhosamente e que quis ver registado pelo cinema”, disse Eunice Muñoz na apresentação do filme à imprensa, esta terça-feira, no Cinema São Jorge. “O cinema, mais eterno que o teatro, conseguiu registar pela lente do Tiago uma passagem de testemunho que era minha vontade manifesta e procurou filmar-me como eu sou, uma mulher normal, como todas as outras, mas que é actriz. Não por escolha apenas, mas por imposição do teatro.” Eunice recordou que vem de uma família de actores, tendo-se estreado com a Companhia Rey Colaço/Robles Monteiro em 1941.

“Assisti a todas as etapas do trabalho e achei que não podia existir melhor lugar de memória, porque é assim que eu sou, porque é assim que quero que guardem uma memória de mim”, sublinhou Eunice Munõz, 93 anos, antes de passar a palavra à neta, com quem tem partilhado o palco no que deve ser a sua derradeira peça, A Margem do Tempo (em cena no Auditório Municipal de Oeiras, até 26 de Setembro, aos sábados e domingos).

“Este filme, neste ano em que serei mãe, faz-me pensar que um dia posso olhar para este sítio de hoje, onde sou feliz, para este lugar, para esta que um dia será uma memória, e que um dia o meu filho poderá viver este lugar”, afirmou Lídia Muñoz, que nos excertos antecipados esta terça-feira surge junto da avó, na casa em que moram ambas, a dar de comer aos pombos e ver fotografias antigas de Eunice. “Não sei se é um filme, se é um documentário, se é um lugar de verdade ou de memória”, continuou Lídia. “Sei que ali vejo a minha avó como a vejo todos os dias. Sei que existe verdade e que um dia será uma memória, uma memória que julgo necessária a um país que teima em não se lembrar dos seus mais velhos com que temos uma dívida de gratidão que nunca poderemos pagar.”

Não é o caso de Eunice Muñoz. Como frisou repetidamente o realizador, Eunice é uma actriz reconhecidíssima. “Fizemos este filme com o desejo de que fique para memória futura como um solilóquio final de uma actriz, a única em Portugal celebrada por toda a República como de todas a maior, antes de um figurativo cair do pano”, atirou Tiago Durão. A declaração é consubstanciada pelo alto patrocínio do Presidente da República e da Assembleia da República, que se destacam entre os demais apoios ao filme.

Admitindo ter-se inspirado na curta documental Sophia de Mello Breyner Andresen, de João César Monteiro (1969), Tiago Durão revelou ter tentado levar a cabo “uma visão desconstrutiva sobre a figura de Eunice”. “Habituados a ouvir falar de Eunice como actriz, esquecemo-nos de que existe, terrena e real, uma outra Eunice: mãe, mulher, avó, amante. Foi essa que quis filmar”. “Quis mostrar Eunice rodeada das memórias que guarda a sua casa, quis mostrá-la ao lado de Lídia, inseparáveis. Mostrar Eunice e a sua generosa capacidade de ser Eunice ao lado de Lídia, a quem decidiu entregar o testemunho que é a sua carreira, confiando-se a continuação do seu trabalho e do seu nome.”

Além das imagens inéditas da família, o filme inclui imagens de arquivo e conta com três participações especiais: na narração, de Ruy de Carvalho e Luís Miguel Cintra (lendo Eunice, do poeta António Barahona da Fonseca, com quem a actriz foi casada); e, no piano, de Maria João Pires (tocando Beethoven, os primeiro e segundo andamentos da Sonata n.º 14). Mas na apresentação estavam duas outras caras conhecidas do grande público, os actores José Raposo e Sofia Grillo, em representação da Casa do Artista, instituição para qual reverterão todos os lucros da bilheteira de Eunice, Ou Carta a Uma Jovem Actriz, que já tem estreia comercial assegurada em 32 salas de cinema, de norte a sul do país e às ilhas. “O cinema não é comércio. Pode ser entretenimento, pode ser arte. Comércio, não é”, afirmou Tiago Durão. Sofia Grillo expressou “gratidão imensurável” pelo gesto, enquanto José Raposo aproveitou para elogiar Eunice: “Nasceu noutra dimensão. Não se explica, é o que é. É uma das melhores actrizes do mundo e é um privilégio tê-las entre nós”.

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