A Time Out na sua caixa de entrada

Procurar
Márcia Pedroso
© DRMárcia Pedroso, autora de ‘Corte & Costura. As Maiores Fofocas da Nossa Realeza’

As fofocas da realeza portuguesa: “Espero que nenhum historiador se zangue comigo”

Nasceu como um podcast bem-humorado. Agora também é um livro. Falámos com Márcia Pedroso, autora de ‘Corte & Costura. As Maiores Fofocas da Nossa Realeza’.

Raquel Dias da Silva
Escrito por
Raquel Dias da Silva
Publicidade

Estávamos em 2019 quando Márcia Pedroso, na altura a trabalhar para uma plataforma de streaming, ficou viciada em curiosidades históricas, que foi descobrindo durante uma pesquisa que andava a fazer a propósito de uma série sobre escândalos medievais que ia estrear na altura. Um ano depois, em plena pandemia, aborrecidíssima da vida, pensou: ‘E se eu me pusesse a contar todas as fofocas reais que sei?’. Foi assim que nasceu o Corte & Costura, um podcast bem-humorado, que entretanto deu pano para um livro sobre masculinidade tóxica, LGBTQueens, rainhas-desta-porra-toda, bastardos e chalupas de sangue azul. Corte & Costura: As Maiores Fofocas da Nossa Realeza – que também se recheia de referências à cultura pop, desde séries de televisão até memes portugueses – não é propriamente para gente que se leva demasiado a sério. Fica o aviso: se for ao engano, Márcia dirá “o que é que eu menti Andreia?”

“O feedback tem sido maioritariamente positivo, mas já consegui chatear algumas pessoas. Estou sempre a pensar: ‘Espero que nenhum historiador se zangue comigo’”, admite a autora, que é licenciada em Administração de Publicidade e Marketing e tem trabalhado sobretudo como copywriter em várias agências de comunicação. “Quando temos aulas de História na escola, aprendemos coisas super sérias – geopolítica! – e ninguém nos conta aquelas outras que, se calhar, até tornam o acto de aprender História um bocadinho mais interessante.” Foi precisamente essa ideia que a levou a criar o podcast: “O primeiro episódio foi gravado com o microfone dos fones, o som está horrível, fico com vontade de pedir desculpa às pessoas, mas prometo que, a partir do segundo, já tenho um como deve ser.”

Entre Julho de 2020 e Outubro de 2022, Márcia produziu 17 episódios, repletos de fofocas sobre a realeza portuguesa – D. João V (“O Magnânimo Polígamo”), Dona Leonor (“Adúltera, Divorciada e Devassa”) e D. Pedro IV (“O Boy Lixo Intercontinental”) são apenas alguns dos visados. Depois de um interregno, que também serviu para escrever o livro, estreou-se uma nova temporada, dedicada à realeza britânica: o primeiro episódio saiu em Dezembro do ano passado e já vamos no sétimo. “Estão sempre a perguntar-me se é mesmo verdade ou se estou a inventar. Não, é mesmo verdade: há sempre muita pesquisa, muitos livros, e o meu marido tem uma pós-graduação em História Contemporânea, portanto também tenho uma esfrega de História por uma pessoa que estudou. Quando não consigo encontrar as fontes de que preciso, ele diz-me ‘olha, tens aqui este’.”

Para a escrita de Corte & Costura: As Maiores Fofocas da Nossa Realeza, que inclui histórias nunca contadas em podcast, Márcia Pedroso também se deixou inspirar pela História Libidinosa de Portugal, de Joaquim Vieira, “a bíblia disto tudo”. E claro que, ao longo de 174 páginas, faz várias provocaçõezinhas aos mais conservadores e, ousamos dizer, tem jogo de cintura suficiente para admitir, como qualquer boa fofoqueira, que lhe agrada muito mais a ideia de imaginar um São Sebastião a “curti-las” em Veneza do que mortinho da silva lá para Alcácer-Quibir. A verdade, bem sabemos (é o que nos diz a comunidade científica), é mais triste – e, se ainda está à espera do regresso de O Desejado, o melhor é arranjar uma cadeira e, agora é a Márcia que sugere, aproveitar uma boa sessão de corte na casaca. Para começar já, a autora partilha o seu top favorito de fofocas.

Capítulo 1: Masculinidade Tóxica

Para Márcia, o maior “boy-lixo” da realeza portuguesa é D. Pedro IV. “Ele ter tido 43 filhos bastardos e andar a dormir com todas as mulheres do Rio de Janeiro… eu fiquei mesmo ‘este homem não existe’. 43 filhos bastardos? E mais uns seis ou sete legítimos? O homem não fazia absolutamente mais nada, não tinha tempo.” Ajudava não ter de cuidar dos miúdos, claro.

Capítulo 2: LGBTQueens

“Adorei descobrir que D. Sebastião não queria casar, não queria estar com mulher nenhuma. Provavelmente fugiu e foi combater os mouros para poder ser quem ele queria”, brinca Márcia, que no livro conta como Sebastião terá contraído gonorreia aos 10 ou 11 anos e a doença lhe provocou uma “disfuncionalidade”, conforme registos médicos da época. Terá sido a impotência sexual que o levou a evitar o casamento e as mulheres, mas especula-se uma outra razão: há quem atribua a falta de descendência do rei à sua suposta homossexualidade.

D. Sebastião rodeado por estátuas nuas
© Ilustração de Helena SoaresD. Sebastião, ilustrado por Helena Soares, para 'Corte & Costura. As Maiores Fofocas da Nossa Realeza', de Márcia Pedroso

O cronista português Bernardo da Cruz relata na sua Crónica del Rei dom Sebastião o pr[imer]o deste nome Rei de Portugal, que um dia, em plena caçada no Alentejo, os nobres que acompanhavam o rei ouviram barulho e foram ver o que se passava. Encontraram, então, no meio do bosque, D. Sebastião abraçado a um escravo negro, que tinha fugido de uma propriedade na noite anterior. Ouviram da boca do monarca a justificação de que pensava ter agarrado um javali, porque já estava escuro.

Capítulo 3: Rainhas ao Poder

Márcia Pedroso não pestaneja. A maior “rainha-desta-porra-toda” foi Santa Isabel. “Uma mulher traída que diz ao marido ‘eu quero que tu saibas que eu sei que tu me trais’ é incrível. Sem ela, não tínhamos Odivelas nem Lumiar, percebes”, diz-nos, sobre Isabel de Aragão, que ficou para a história com a fama de santa, tendo sido beatificada e, posteriormente, canonizada. “Primeiro, eu espero que o meu marido não me traia, mas se me trair quero que ele saiba que eu sei, e vou mandar construir um convento longe da sepultura dele e dar um nome a uma terra.”

Capítulo 4: Mas Quem Será o Pai da Criança?

“Quando D. Afonso Henriques vem à baila, eu fico mesmo com vontade de dizer ‘pessoal, ele não era o nosso primeiro rei!’”, partilha Márcia, referindo-se ao mito – nunca provado, mas há muito especulado – de que D. Afonso Henriques nasceu com as pernas tortas ou atrofiadas e foi, posteriormente, trocado por uma criança saudável. A lenda, essa, conta-a no seu livro. Mas, atenção, o assunto já foi estudado por muitos historiadores, que recusam a suspeita.

D. Afonso Henriques
© Ilustração de Helena SoaresD. Afonso Henriques, ilustrado por Helena Soares, para 'Corte & Costura. As Maiores Fofocas da Nossa Realeza'

O professor e historiador medievalista José Mattoso (1933-2023), director da Torre do Tombo na década de 1990 e uma das maiores referências do estudo das origens de Portugal e da Idade Média, sempre defendeu não haver nenhuma prova, ou sequer um forte indício, de que D. Afonso Henriques tenha nascido com uma deficiência física. A fonte em que o mito se apoia trata-se de um texto datado mais de 300 anos depois dos acontecimentos que, dizem os especialistas, se destina a valorizar o santuário mariano de Cárquere e a imagem de Nossa Senhora que nele se venerava, atribuindo a cura de um defeito de nascimento nas pernas a um suposto milagre.

“Também curtia a Maria de Bragança, que era freira e não queria ser rainha. Ela só queria estar nas termas, de molho, a rezar o terço. Estava óptima.”

Capítulo 5: A Corte Fora da Casinha

Há tantos que é difícil, praticamente impossível, escolher. Mas D. Maria I, por exemplo, é o exemplo perfeito de “Melancolia, religião e morte: a Santíssima Trindade do desastre”, como nos explica Márcia no seu livro. É que, forçada a casar aos 16 anos com o seu tio, Pedro de Bragança, a primeira rainha reinante de Portugal não tinha quase nada a seu favor.

Ilustração de uma chávena de chá com lã
© Ilustração de Helena Soares

“Era beata até dizer chega”, assegura Márcia, evocando aquela vez que a rainha declarou luto nacional de nove dias por causa de uns ladrões que assaltaram uma igreja e deixaram as hóstias espalhadas no chão.

Capítulo 6: Extra! Extra! Extra!

“O meu [extra] preferido é Dom Afonso de Portugal, que morreu ninguém sabe como, o pai ficou tristíssimo. Eu não conhecia mesmo essa história e andei atrás de não sei quantos livros para tentar perceber, mas ninguém sabe se foi ou não mandado matar. Para mim, chame-se um inspector e investigue-se, porque é um grande mistério da nossa História.”

Corte & Costura. As Maiores Fofocas da Nossa Realeza, de Márcia Pedroso, com ilustrações de Helena Soares. Manuscrito. 180 pp. 15,90€

Siga o novo canal da Time Out Lisboa no Whatsapp

+ À laia de biblioterapia, temos sugestões de leitura para cada signo

Últimas notícias

    Publicidade