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É uma casa histórica, fundada no final do século XIX e ainda nas mãos da mesma família, onde todos os fins de tarde e noites se juntam portugueses e estrangeiros, alguns religiosamente, para beber uma ginja e tentar, digamos assim, ampliar o significado do dia. Ou ainda "uma loja genuína e nossa, mas que pode deixar de o ser muito em breve", nas palavras da associação Fórum Cidadania Lx, que convocou uma concentração à porta da Ginjinha Sem Rival e Eduardino, na Rua das Portas de Santo Antão, para o dia 5 de Julho, sábado, a partir das 20.00.
A ameaça de despejo, que paira sobre a loja desde Março e que deriva da não renovação do contrato de arrendamento (que termina a 30 de Junho) por parte da empresa hoteleira alemã Europe Hotels International (EHI), que detém o prédio, é o motivo da concentração de solidariedade. Num comunicado enviado a 17 de Junho, a EHI indicou que "prevê manter a loja histórica Ginginha sem Rival, que funciona no edifício, renovando-a mas mantendo a traça original", por reconhecer "a importância cultural e simbólica da venda desta tradicional bebida na cidade". No entanto, a gestão do espaço ficaria sob a sua alçada, no âmbito da transformação do edifício (onde viveu o actor Vasco Santana) de apart-hotel para hotel de cinco estrelas. "A ‘ginginha’ continuará, assim, a ser servida tanto no local como no futuro hotel, como símbolo da identidade lisboeta, embora com gestão da EHI", pode ler-se.
A mudança de gestão levaria, assim, ao fim do ciclo da Ginjinha nas mãos da família de Nuno Gonçalves, actual proprietário da marca. Em declarações ao jornal Expresso, a 5 de Junho, o responsável explicou: “Esta é uma loja com história, fundada pelo meu bisavô em 1890, é importante para a identidade da cidade. Estamos neste edifício há 135 anos, e os investidores estrangeiros não podem chegar aqui e fazerem o que querem, senão qualquer dia é tudo corrido e deixa de haver comércio tradicional.” Apesar de terem decorrido negociações, algumas na presença de responsáveis da Câmara Municipal de Lisboa, que tentou mediar o processo (a Ginjinha é classificada pelo programa Lojas com História), as partes não chegaram a acordo, mas o proprietário diz que, findo o contrato, não abandonará o local.
O proprietário da EHI, Axel Gassmann, revelou ao mesmo jornal que propôs a Nuno Gonçalves “uma quantia em dinheiro pelo trespasse”, mas, para o gerente do negócio, “está fora de questão” aceitar as condições da empresa alemã.
Porquê transformar a Ginjinha?
Para Axel Gassmann, no barco do investimento de 2,5 milhões para criar o hotel O Artista, pode muito bem nascer uma "ginjinha cinco estrelas". Mas os clientes "cinco estrelas" não poderiam conviver com o estabelecimento nos moldes em que ele opera actualmente. O “principal problema é que todas as noites se aglomeram dezenas de pessoas, muitas vezes bloqueiam a entrada da recepção e do restaurante, os clientes queixam-se do barulho, do lixo e da confusão que tudo isto causa, são condições impossíveis para o hotel de cinco estrelas que queremos ter aqui”, frisou o empresário ao Expresso. Na visão da associação Fórum Cidadania Lx, por sua vez, "a Ginjinha Sem Rival e Eduardino é uma daquelas lojas centenárias que fazem Lisboa ser o que é".
O diferendo entre o proprietário do edifício e o bisneto do fundador do negócio poderá ter de ser resolvido em tribunal, até porque, para Nuno Gonçalves, “a Ginjinha não está à venda”, como disse ao Público. “Não vamos desistir porque não vamos fechar a porta no dia 30”, insistiu o gerente.
Recorde-se que esta não é a primeira vez que a ameaça de fecho cai sobre esta casa histórica. Em 2014, a anterior proprietária, uma imobiliária de capitais russos, também denunciou o contrato de arrendamento. Porém, embora a Câmara tenha aprovado o projecto de hotel para o edifício, exigiu que o espaço histórico se mantivesse inalterado. Na mesma altura, houve uma concentração, com várias dezenas de pessoas, em frente ao local.
Sendo uma Loja com História, a protecção da Ginjinha "está garantida até 2027", assegurou a Câmara de Lisboa ao Público. Recorde-se que, em Março deste ano, quando surgiu o caso da Ginjinha Sem Rival, foi lançada a petição "Pela manutenção e reforço da protecção dos estabelecimentos e entidades de interesse histórico e cultural ou social local", dirigida à Assembleia da República. O desaparecimento de algumas casas históricas "deve-se, em grande medida, à entrada de novos investidores, que adquirem os imóveis em causa através de fundos imobiliários, para lhes dar, depois, outra utilização (hotéis, centros comerciais, lojas-âncora de marcas internacionais, etc.), fazendo extinguir o contrato de arrendamento das lojas, seja porque a lei o permite fazer, seja para obras de grande remodelação, ou por uma simples recusa de renovação, nos casos em que o contrato de arrendamento possui um prazo certo", podia ler-se no comunicado enviado pelo peticionário, o Centro de Estudos Dantas Rodrigues. Desde Março, no entanto, apenas foram recolhidas 2 147 assinaturas. Seriam necessárias 10 mil para o tema ser levado ao plenário.
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