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E como é que um pai de família, agora, se embebeda?

Alfredo Lacerda
Escrito por
Alfredo Lacerda
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Tem mais de 18 anos? A crónica desta semana é só para adultos. Sem adições.

Estávamos sentados à mesa pascal, devorando o cabrito, quando o meu filho atirou: “Pai, o que é que fazias se tivesses de deixar de beber?”

O meu filho tem 13 anos. Está na idade da parvoíce. Aos 13 anos lembro-me de ir beber à tarde, para casa dos irmãos Pinto, e atirar-me de uma ponte, uma pontezinha. Atirei-me e caí no meio do ribeiro. Largámos todos a rir, o cérebro cheio de vinho do Porto e Pisang Ambon. Foi divertido, mas horas depois descobri uma fractura no ombro que ainda hoje me dói.

“Se tivesse de deixar de beber, deixava. Sem problema”, respondi, a voz meio sumida.

Eles levantaram a mesa, eu voltei a pôr a rolha na garrafa de Cortes de Cima Reserva Tinto 2014 (coisa boa!). E pensei: “Era uma merda. Se tivesse de deixar de beber era uma merda.”

Na maior parte dos dias, sou um bebedor fraquinho. Bebo um copo de vinho ao almoço, outro ao jantar. Tenho perfeita noção do risco do álcool. O meu pai era alcoólico, morreu alcoólico. Não foi bonito. O álcool é uma droga pesada, nem sempre recreativa.

Mas, se tiver um Cortes de Cima Reserva Tinto – e não tiver um filho de 13 anos por perto –, sou capaz de beber uma garrafa. E, se puder ressacar em paz no dia seguinte, gosto de me embebedar. Beber para me embebedar. Ir a um bar, sentar-me ao balcão e beber um whiskey (pode ser novo) e depois outro e depois outro.

Gosto do álcool, gosto do calor na garganta, dos vapores no nariz. Gosto da leveza no corpo e na língua e das coisas que o álcool vai buscar ao cérebro sem pedir licença.

Faz mal, eu sei. Presunto pata negra, também. Diazepam, ainda mais.

Com a idade, aprendi a arte da bebedeira consciente. Muitas vezes, a bebedeira não é boa. Há dias – semanas, meses – em que não dá certo. O corpo não responde. Sentimos o álcool só a fazer mossa. Ficamos mais lentos, mais cansados, uma azia sobe pelo esófago e instala-se no hipotálamo. Nessas alturas, saio do balcão à primeira bebida e vou para casa passar lençóis a ferro.

Mas, quando a bebedeira corre bem, é do caraças. Tenho saudades dela. Encapsulado em casa com três crianças e a Sra. Lacerda, apanhar uma bebedeira é errado, impossível – do ponto de vista pedagógico e do ponto de vista da recuperação. A ideia de ressacar em família durante a quarentena é um pesadelo capaz de dissuadir José Carlos Pereira.

Julgo não estar sozinho nisto. Como eu, há muita gente ansiando o fim da lei seca. A eles ergo o meu copo de água. Havemos de brindar com álcool, em breve. E vai ser de arromba.

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