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O menino que queria ver a baleia-azul passar nos Açores
Ilustração: Filipe Gomes

Este livro ilustrado convida-nos a embarcar rumo à ilha do Pico

Isabel Mateus escreveu uma história sobre a tradição baleeira dos Açores. A ilustração é do picaroto Filipe Gomes.

Raquel Dias da Silva
Escrito por
Raquel Dias da Silva
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Era uma vez um menino com um sonho: ver a famosa baleia-azul, mesmo ao largo da ilha do Pico, nos Açores, onde a espécie de cetáceo faz escala durante a sua migração anual. Fascinado pelos mistérios do mar imenso e irrequieto, os seus olhos ganhavam o mesmo brilho das águas resplandecentes sempre que o avô recordava mais uma aventura sobre “a grandiosa faina marinha”, a caça à baleia, que em tempos fora o ganha-pão de muitas famílias. Ilustrada por Filipe Gomes, a história de Isabel Mateus não só reaviva a memória baleeira, homenageando a antiga tradição açoriana, como promove “um presente com futuro”: o da preservação e observação responsável de baleias, em especial da Balaenoptera musculus, o grande animal de todos os oceanos. Editado este ano pela Néveda Ent., um projecto editorial da MiratecArts, O menino que queria ver a baleia-azul passar nos Açores é um convite à descoberta do arquipélago e à protecção da vida marinha em todas as idades.

“A oportunidade de escrever este livro surgiu quando me desloquei aos Açores para participar na edição de 2015 do Montanha Pico Festival. Era a minha primeira visita ao arquipélago e encarei-a com olhos de escritora-viajante, deixando-me invadir de súbito pela maravilhosa paisagem açoriana e pela amabilidade e genuinidade das suas gentes”, conta-nos por e-mail Isabel Mateus, natural de Torre de Moncorvo a residir no Reino Unido desde 2001. “Apesar de constatar muitas semelhanças entre o Pico e o nordeste transmontano, onde nasci, encontrei uma diferença que me tocou e, ao mesmo tempo, me aproximou dos seus habitantes: a antiga caça à baleia que levou à actual observação de cetáceos”, partilha a escritora, que tem particular interesse pela temática da biodiversidade. “Em especial pelas espécies autóctones peninsulares ameaçadas, em vias de extinção ou mesmo extintas no nosso território.” Como a baleia-azul, considerada “em perigo” pela União Internacional Para a Conservação da Natureza.

Foi precisamente para impedir a extinção do grande mamífero, ameaçado por décadas de exploração, que a Comissão Baleeira Internacional decidiu decretar uma moratória, assinada em 1986 por mais de 80 países. Em Portugal, a história insular da caça às baleias começou em finais do século XVIII, com os navios baleeiros da Nova Inglaterra a recrutar tripulação para as suas longas campanhas. Os ilhéus, muitos apenas rapazes com 13 e 14 anos, partiam nos barcos: uns regressavam, outros faziam casa no outro lado do Atlântico, nos EUA e no Canadá. Com recurso a binóculos, a aventura começava em terra firme. Cachalote à vista, montavam-se pequenas embarcações, muitas vezes sem tempo de arranjar farnel, para perseguições que duravam horas ou dias a fio. A luta era travada com arpões e lancetas e, novamente na ilha, dava-se início a outro labor, que era o de desmanchar o corpo do animal e transformá-lo em vitaminas, óleos, farinhas e adubos. Como reconhecido paradigma do imaginário baleeiro regional, o Pico tem preservado essas memórias, actualmente consagradas no Museu dos Baleeiros, nas Lajes, e no Museu da Indústria Baleeira, em São Roque.

O menino que queria ver a baleia-azul passar nos Açores
Ilustração: Filipe GomesIlustração feita com técnica de scrimshaw digital

“Na minha obra, a pesquisa antecede o exercício da escrita. Procuro sempre, em primeiro lugar, inteirar-me de factos socioculturais, económicos e históricos, além da situação geográfica e do relevo da realidade a retratar”, assegura-nos Isabel. Além das impressões iniciais recolhidas durante a sua primeira viagem aos Açores, a autora recorreu também à leitura de artigos, à consulta de blogues e à visualização de documentários, sobretudo de testemunhos na primeira pessoa. “Não posso deixar igualmente de mencionar a importante influência da literatura de cariz popular, nomeadamente da Lenda de um baleeiro da ilha do Pico, que trouxe para dentro da estória.” Por vezes imbuído de uma certa violência, o passado açoriano é contado com realismo e sensibilidade, também através das ilustrações de Filipe Gomes, um picaroto que, no Inverno de 1981, apanhou a lancha para ir nascer à cidade da Horta, na ilha vizinha do Faial.

“Os ossos do corpo do menino que fui foram alimentados na infância pela arte da gravação sobre o marfim dos dentes de cachalotes, caçados nos mares açorianos”, desvenda-nos o ilustrador, que se lembra do som repetido do estilete sobre a superfície branca e dura, coberta de tinta-da-China, e dos milhares e milhares de riscos, que faziam aparecer aos poucos a arte de scrimshaw, que a sua mãe criou durante anos. “Num livro sobre baleação faria todo o sentido incluir esse estilo de arte”, diz Filipe Gomes, que tentou recriar a técnica de forma digital. “Foram milhares e milhares de riscos feitos sobre um ecrã, que me ajudaram a ter uma melhor noção do esforço necessário para gravar sobre marfim, mesmo que o meu marfim fosse apenas uma fotografia.” O resultado final pode ser apreciado na secção central do livro, em contraste com o colorido das restantes ilustrações, que nos convidam a descobrir o azul das águas e o verde intenso dos Açores, decorado pela pedra de basalto. “Espero que, ao lerem esta história, tanto as crianças como as suas famílias, se sintam parte desta narrativa”, remata Isabel Matos, permanentemente deslumbrada pela forma como se reinventou a caça à baleia. “E assim continuarmos a ‘conviver’ com espécies que precederam o homem no próprio planeta.”

O menino que queria ver a baleia-azul passar nos Açores. 10€, em lojas nos Açores e na livraria lisboeta Baobá (a partir de 21 de Março), ou 12,50€, via CTT Portugal. Mais informações através de e-mail (info@mirateca.com).

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