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José Mário Branco: a liberdade passou por aqui

Luís Filipe Rodrigues
Escrito por
Luís Filipe Rodrigues
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Poucos deixaram uma marca tão intensa como José Mário Branco na canção popular portuguesa, ao longo das últimas décadas. Para assinalar os 50 anos de carreira do cantor e compositor, a Warner acaba de reeditar os seus álbuns em nome próprio.

Sublinhe-se que a estreia em disco com o EP Seis Cantigas de Amigo e outros singles e EPs não figuram desta iniciativa. Nem trabalhos de grupo como os registos do GAC (reeditados há meia dúzia de anos) ou, mais recentemente, Maio Maduro Maio, com João Afonso e Amélia Muge, e Três Cantos Ao Vivo, com Sérgio Godinho e Fausto.

A mais antiga destas reedições – que diferem apenas das versões editadas em CD há uns anos pela nova embalagem – é a de Mudam-se Os Tempos, Mudam-se as Vontades, de 1971. Um ano glorioso para a música portuguesa, que também nos deu o já referido Cantigas do Maio, além do EP de estreia de Sérgio Godinho, Romance De Um Dia Na Estrada, e Gente de Aqui e de Agora, de Adriano Correia de Oliveira.

É uma estreia fulgurosa, que casa a música popular portuguesa com outros sons e idiomas: a chanson francesa, a música popular brasileira, o jazz e a pop anglo-americana. Liricamente combativo e esperançoso, mesmo quando canta o desespero, é um mapa para o que viria a desenvolver nos discos seguintes. Com poemas de Natália Correia, Alexandre O’Neil, Luís de Camões e Sérgio Godinho, além de alguns do próprio José Mário.

Um ano mais tarde, em 72, chega Margem de Certa Maneira,  continuação do trabalho começado 12 meses antes. Não surpreende da mesma maneira, com uma estrutura e organização temática semelhantes ao anterior opus, mas é um belo disco.

Depois de uns anos de fulgor revolucionário, consumido pelo trabalho com o GAC e no PCP(R), José Mário Branco é convidado para musicar A Mãe, de Brecht, na Comuna. Resulta daí o álbum com o mesmo nome, dado à estampa em 1978. Energético e panfletário, no melhor dos sentidos, com a música popular portuguesa a ganhar mais uma vez novas formas e roupagens.

A seguir veio Ser Solidário, originalmente editado em 1982 e ainda hoje o melhor trabalho do cantor e compositor. Um duplo álbum que consolida as experiências e linguagens desenvolvidas durante a década anterior. Há marchas e chulas e fados, épicos militantes, ecos do jazz e da pop. Tudo isto coroado, nesta reedição e na anterior versão em CD, por “FMI”, editado na mesma altura como um máxi-single. 25 fulgentes minutos de música-catarse, disparando em todas as direcções. Um tema que, apesar de preso a um momento político muito específico (muitos dos nomes e das pessoas referidas não dirão hoje nada à maioria) não perdeu nenhuma da força. E isso é notável.

A Noite, de 1985, é um registo irregular, ainda que corajoso, apontando novos caminhos para a música do cantautor português. Há chulas e marchas, mas também rock, influências sul-americanas, música coral e uma longa suíte de quase 30 minutos, a fechar.

José Mário Branco regressaria, revigorado, passados cinco anos, com Correspondências. Gracioso e engajado disco de cartas abertas a figuras como Chico Buarque, José Afonso ou Hannah Arendt, entre outros. Com faixas compostas ao longo de vários anos (“Zeca” data originalmente de 70s) e com arranjos de outros músicos, de Júlio Pereira a José Peixoto.

Segue-se Ao Vivo em 1997. Gravado ao longo de cinco noites, entre o Porto, Lisboa e Coimbra, é uma introdução tão boa como outra qualquer à música de um dos mais importantes cantores e compositores portugueses. 30 anos de carreira espraiados por 23 cantigas, com todos os álbuns representados. Exemplarmente tocado e elevado pela interpretação sentida e honesta de José Mário Branco.

Lançado em 2004, Resistir é Vencer é, até ao momento, o último disco. Variado, com mais de 70 minutos e 16 faixas, pede disponibilidade e atenção, mas o tempo passado com ele é tempo bem gasto. Gasto não, ganho.

 

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