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Junta de Arroios fez desaparecer canteiro criado por cidadãos

Grupo terá combinado com Junta criar seis canteiros na Rua Visconde de Santarém. Alegando necessidade de intervir no espaço, organismo transplantou espécimes de um espaço para outro local da freguesia.

Rute Barbedo
Escrito por
Rute Barbedo
Jornalista
Rua Visconde de Santarém, Arroios
Bruno D'Azar (via IG) | Rua Visconde de Santarém, Arroios
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Seis canteiros da Rua Visconde de Santarém (perto da Embaixada da Rússia), na freguesia de Arroios, estavam "pelo menos há oito anos" ao abandono. Contam-se algumas árvores, também de fruto, e plantas de pequeno porte, mas o solo é sobretudo terra árida. Insatisfeito com o estado do espaço, um grupo de cidadãos, dinamizado pelo jardineiro Nuno Prates (The Lisboan Gardener), decidiu propor à Junta de Freguesia a reabilitação do espaço. O acordo era simples: os voluntários providenciariam as plantas e criariam os canteiros, a Junta ficaria responsável pela manutenção (na prática, a rega). A Junta concordou, mas, na última semana de Julho, fez desaparecer o segundo canteiro, criado em Maio.

"Na semana passada, procedemos a uma intervenção no canteiro da Rua Visconde de Santarém", confirma o organismo público, em comunicado. "O objectivo era garantir a rega regular e sustentável das espécies existentes, tal como acordado previamente com o grupo de voluntários", porém, "durante os trabalhos, foi detectada a existência de duas rupturas de grande dimensão no sistema de rega, resultantes de perfurações acidentais em pontos onde não existiam indicações da presença de infra-estruturas". A reparação, continua a Junta, "exigiu a abertura de uma vala de grandes proporções". Na sequência, o organismo público decidiu replantar os espécimes que haviam sido doados pelos cidadãos à cidade longe dali: "parte foi reinstalada no canteiro intervencionado anteriormente pelo grupo envolvido e as restantes foram encaminhadas para o Jardim da Rua D. Estefânia, garantindo assim a preservação das plantas e a sua continuidade".

Depois de Alvalade e Misericórdia, Arroios

Não poderiam ter replantado no mesmo local, mantendo o canteiro criado pelo grupo de cidadãos? "É claro que sim" e "não era necessário arrancar tudo", responde à Time Out Nuno Prates, ainda perplexo com a situação, embora não completamente surpreendido. "Já tinham acontecido problemas semelhantes com Alvalade, em 2021, e com a Misericórdia", lembra o jardineiro de intervenção, acreditando que este tipo de acções mostra como a prioridade do poder público "não é o bem-estar da população, mas não perder o controlo dos espaços verdes", retirando qualquer poder de acção aos fregueses. Ainda assim, "querem controlar, mas também não cuidam. Aquele espaço esteve assim durante os quatro anos do mandato. E já antes estava assim", lamenta Nuno Prates.

Acção de plantação na Rua Visconde de Santarém, em Maio
Bruno D'Azar (via IG)Acção de plantação na Rua Visconde de Santarém, em Maio

A acção da Junta de Freguesia de Arroios teve lugar sem um diálogo prévio com os cidadãos, com quem, garante Nuno Prates, há uma comunicação frequente. Sobre este ponto, o organismo liderado por Madalena Natividade limita-se a referir, no mesmo comunicado, que lamenta "não ter conseguido comunicar atempadamente esta intervenção, o que poderia ter evitado qualquer mal-entendido". "Sublinhamos que nunca esteve em causa desvalorizar o empenho e dedicação demonstrados. Pelo contrário, foi precisamente por reconhecermos a importância destas acções que actuámos de forma célere, para evitar a perda das espécies", declaram.

"Um trabalho que acabámos por ver dizimado"

Num vídeo gravado no local e partilhado na página de Instagram The Lisboan Gardener, uma das participantes da iniciativa conta que, quando entrou para o grupo de voluntários da Visconde de Santarém, achou "maravilhosa" a ideia de "pessoas que não se conheciam de lado nenhum terem esse interesse de embelezar um cantinho que estava ao abandono e de trazerem, ainda por cima, o seu contributo em termos de plantas". Outra declara: "Foi um trabalho de dedicação para com a cidade de Lisboa, que acabámos por ver dizimado, destruído."

Acção de plantação na Rua Visconde de Santarém, em Maio
Bruno D'Azar (via IG)Acção de plantação na Rua Visconde de Santarém, em Maio

Para criarem os canteiros na Rua Visconde de Santarém (o primeiro ainda lá está, com uma placa a explicar que se trata de um local criado por um grupo de voluntários e pedindo respeito pelo espaço), os munícipes investiram em plantas (e noutros materiais, como uma rede de protecção no valor de 38 euros), "trouxeram ferramentas de casa" e dedicaram o seu tempo.  

Além da remoção das plantas, os cidadãos queixam-se também de censura por parte da Junta de Freguesia de Arroios, que terá eliminado "dezenas de comentários" de pessoas indignadas com o caso, nas redes sociais.

"Não é o clima que dificulta o crescimento de árvores, é a mentalidade"

Desiludido e revoltado, Nuno Prates defende que "não é o clima que dificulta o crescimento de árvores e arbustos em Portugal, é a mentalidade". "Isto está absolutamente contra tudo o que se faz na Europa", indigna-se. Ao mesmo tempo, surpreende-se com o curso da actuação do organismo que gere a freguesia de Arroios: "A própria junta retira as plantas que os cidadãos compraram ou arranjaram e faz uso delas, pondo noutro jardim deles? Isto não é o cúmulo?"

A intenção da Junta de Freguesia de Arroios será colocar tapetes de relva, agora, nos canteiros da Rua Visconde de Santarém, uma solução que, acredita Nuno Prates, "sabem que não é adequada ao nosso clima" e que exige um maior gasto de água. "Mas é uma solução mais rápida e as eleições estão à porta", acusa o cidadão. 

"É muito triste ver o que aconteceu em Arroios", pode ler-se ainda numa publicação de Nuno Prates nas redes sociais. O também fundador da Academia do Jardineiro Lisboeta tem à sua responsabilidade cinco espaços ajardinados da cidade, todos em Alvalade e depois de "muita pressão" para com a Junta, segundo relatou à Time Out. Tendo começado nos anos 1990 a "vegetalizar alguns espaços de Lisboa", chegou a um ponto em que "não conseguia abranger tanta área sozinho". "Comecei a publicar e percebi que havia muita gente com as mesmas intenções que eu", conta. "Foram essas pessoas, que apareceram, que não me deixaram desistir."

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