[title]
Seis canteiros da Rua Visconde de Santarém (perto da Embaixada da Rússia), na freguesia de Arroios, estavam "pelo menos há oito anos" ao abandono. Contam-se algumas árvores, também de fruto, e plantas de pequeno porte, mas o solo é sobretudo terra árida. Insatisfeito com o estado do espaço, um grupo de cidadãos, dinamizado pelo jardineiro Nuno Prates (The Lisboan Gardener), decidiu propor à Junta de Freguesia a reabilitação do espaço. O acordo era simples: os voluntários providenciariam as plantas e criariam os canteiros, a Junta ficaria responsável pela manutenção (na prática, a rega). A Junta concordou, mas, na última semana de Julho, fez desaparecer o segundo canteiro, criado em Maio.
"Na semana passada, procedemos a uma intervenção no canteiro da Rua Visconde de Santarém", confirma o organismo público, em comunicado. "O objectivo era garantir a rega regular e sustentável das espécies existentes, tal como acordado previamente com o grupo de voluntários", porém, "durante os trabalhos, foi detectada a existência de duas rupturas de grande dimensão no sistema de rega, resultantes de perfurações acidentais em pontos onde não existiam indicações da presença de infra-estruturas". A reparação, continua a Junta, "exigiu a abertura de uma vala de grandes proporções". Na sequência, o organismo público decidiu replantar os espécimes que haviam sido doados pelos cidadãos à cidade longe dali: "parte foi reinstalada no canteiro intervencionado anteriormente pelo grupo envolvido e as restantes foram encaminhadas para o Jardim da Rua D. Estefânia, garantindo assim a preservação das plantas e a sua continuidade".
Depois de Alvalade e Misericórdia, Arroios
Não poderiam ter replantado no mesmo local, mantendo o canteiro criado pelo grupo de cidadãos? "É claro que sim" e "não era necessário arrancar tudo", responde à Time Out Nuno Prates, ainda perplexo com a situação, embora não completamente surpreendido. "Já tinham acontecido problemas semelhantes com Alvalade, em 2021, e com a Misericórdia", lembra o jardineiro de intervenção, acreditando que este tipo de acções mostra como a prioridade do poder público "não é o bem-estar da população, mas não perder o controlo dos espaços verdes", retirando qualquer poder de acção aos fregueses. Ainda assim, "querem controlar, mas também não cuidam. Aquele espaço esteve assim durante os quatro anos do mandato. E já antes estava assim", lamenta Nuno Prates.

A acção da Junta de Freguesia de Arroios teve lugar sem um diálogo prévio com os cidadãos, com quem, garante Nuno Prates, há uma comunicação frequente. Sobre este ponto, o organismo liderado por Madalena Natividade limita-se a referir, no mesmo comunicado, que lamenta "não ter conseguido comunicar atempadamente esta intervenção, o que poderia ter evitado qualquer mal-entendido". "Sublinhamos que nunca esteve em causa desvalorizar o empenho e dedicação demonstrados. Pelo contrário, foi precisamente por reconhecermos a importância destas acções que actuámos de forma célere, para evitar a perda das espécies", declaram.
"Um trabalho que acabámos por ver dizimado"
Num vídeo gravado no local e partilhado na página de Instagram The Lisboan Gardener, uma das participantes da iniciativa conta que, quando entrou para o grupo de voluntários da Visconde de Santarém, achou "maravilhosa" a ideia de "pessoas que não se conheciam de lado nenhum terem esse interesse de embelezar um cantinho que estava ao abandono e de trazerem, ainda por cima, o seu contributo em termos de plantas". Outra declara: "Foi um trabalho de dedicação para com a cidade de Lisboa, que acabámos por ver dizimado, destruído."

Para criarem os canteiros na Rua Visconde de Santarém (o primeiro ainda lá está, com uma placa a explicar que se trata de um local criado por um grupo de voluntários e pedindo respeito pelo espaço), os munícipes investiram em plantas (e noutros materiais, como uma rede de protecção no valor de 38 euros), "trouxeram ferramentas de casa" e dedicaram o seu tempo.
Além da remoção das plantas, os cidadãos queixam-se também de censura por parte da Junta de Freguesia de Arroios, que terá eliminado "dezenas de comentários" de pessoas indignadas com o caso, nas redes sociais.
"Não é o clima que dificulta o crescimento de árvores, é a mentalidade"
Desiludido e revoltado, Nuno Prates defende que "não é o clima que dificulta o crescimento de árvores e arbustos em Portugal, é a mentalidade". "Isto está absolutamente contra tudo o que se faz na Europa", indigna-se. Ao mesmo tempo, surpreende-se com o curso da actuação do organismo que gere a freguesia de Arroios: "A própria junta retira as plantas que os cidadãos compraram ou arranjaram e faz uso delas, pondo noutro jardim deles? Isto não é o cúmulo?"
A intenção da Junta de Freguesia de Arroios será colocar tapetes de relva, agora, nos canteiros da Rua Visconde de Santarém, uma solução que, acredita Nuno Prates, "sabem que não é adequada ao nosso clima" e que exige um maior gasto de água. "Mas é uma solução mais rápida e as eleições estão à porta", acusa o cidadão.
"É muito triste ver o que aconteceu em Arroios", pode ler-se ainda numa publicação de Nuno Prates nas redes sociais. O também fundador da Academia do Jardineiro Lisboeta tem à sua responsabilidade cinco espaços ajardinados da cidade, todos em Alvalade e depois de "muita pressão" para com a Junta, segundo relatou à Time Out. Tendo começado nos anos 1990 a "vegetalizar alguns espaços de Lisboa", chegou a um ponto em que "não conseguia abranger tanta área sozinho". "Comecei a publicar e percebi que havia muita gente com as mesmas intenções que eu", conta. "Foram essas pessoas, que apareceram, que não me deixaram desistir."
🏡 Já comprou a Time Out Lisboa, com as últimas aldeias na cidade?
🏃 O último é um ovo podre: cruze a meta no Facebook, Instagram e Whatsapp